"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

terça-feira, 29 de maio de 2012

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Singles Bar #75








dEUS
Suds & Soda
[Island, 1994]




É oficial e até me causa algum embaraço: devo ser um dos vinte portugueses que nunca viram os dEUS, o que, atendendo ao número de visitas dos belgas ao nosso país, faz de mim o cúmulo dos excluídos. Se hoje a banda  me é mais ou menos indiferente, tempos houve em que fazia parte da minha dieta musical com uma frequência quase diária. Eram, porém, os tempos em que me encontrava desterrado no Portugal profundo e, portanto, longe dos locais onde o rock "acontece".

Tudo começou com "Suds & Soda", um tema que ouvi pela primeira vez numa estação de rádio estatal espanhola que, felizmente, ainda existe. Ao que parece, na altura, a banda ou parte dela tinha residência no país vizinho. Tirando partido de um raro benefício da interioridade, já estava completamente rendido e familiarizado com "Suds & Soda" quando este começou a rodar com assinalável frequência nos programas da especialidade de uma MTV radicalmente diferente da de hoje. A cada audição, porém, a esquizofrenia rítmica atingia-me com a mesma violência da primeira vez. Desde o violino tresloucado da abertura, às guitarras em desalinho cortante, passando pelas vozes possuídas e pela letra que, nas partes inteligíveis, denuncia transgressão, tudo em "Suds & Soda" contém os instintos mais primais que devem estar inerentes ao rock'n'roll genuíno. Em linha com o rock mais ruidoso que ditava as tendências de então, "Suds & Soda" distingue-se da concorrência pelo toque arty que os seus autores sempre fizeram questão de ostentar. As referências a um tal de Captain Beefheart, como pude vir a comprovar já com conhecimentos musicais mais enriquecidos, bem como a outros desalinhados da causa rock, fazem deste tema uma verdadeira pedrada no charco num universo que começava a ficar delimitado pelos tiques algo gastos do grunge.

Do forte impacto inicial à compra, meio às cegas mas sem hesitações, do álbum Worst Case Scenario foi apenas uma questão de semanas. Convém lembrar que esses eram os tempos em que até no interior ostracizado se vendiam discos, inclusive aqueles que eram procurados por um público não resignado ao gosto formatado pelas tabelas de vendas.



domingo, 27 de maio de 2012

Ao vivo #84

















Laurel Halo + Gala Drop @ Galeria Zé dos Bois, 24/05/2012

Primeiro facto a apontar ao concerto da passada quinta-feira é o atraso interminável relativamente à hora inicialmente prevista para o começo do mesmo, um hábito antigo na ZdB que julgava praticamente corrigido. No entanto, e se não estou errado, do atraso foi possível extrair algo tão positivo como a alteração da ordem dos nomes em palco, colocando o motivo da minha ida em primeiro lugar, algo que só agradeço em véspera de dia de trabalho.

Passando ao que interessa, nomeadamente Laurel Halo, essa carinha laroca que, apesar da tenra idade, conta no currículo com colaborações com arquitectos sonoros das electrónicas da dimensão de Daniel Lopatin ou James Ferraro, poderemos dizer que o regalo para a vista tem correspondência directa no deleite auditivo. Dona de uma simpatia discreta mas aparentemente genuína, a moça começa a função com uma peça que poderá causar alguma estranheza. Para a mesma concorrem elementos das mais dispersas proveniências, como o dub, o noise, o ambient, ou até a mais convencional electrónica que hoje é aceite nas pistas de dança. Ao segundo tema já o público está conquistado pela peculiar amálgama de sonoridades díspares, deixando-se embrenhar por um som que esteve irrepreensível, quer ao nível do volume (bem alto!), quer ao nível da clareza. A ementa faz-se essencialmente  do novíssimo Quarantine, disco no qual a voz é usada de uma forma mais convencional, e não como mero elemento decorativo. Talvez seja neste particular que resida o grande senão do concerto, pois estaríamos a ser tendenciosos se disséssemos que Laurel Halo nasceu para cantar. Valha-nos que uma ou outra nota vocal menos feliz é, geralmente, corrigida pela manipulação electrónica. Nos assomos de maior acessibilidade às tendências dominantes do presente noto algumas familiaridades com o universo Grimes, algo que, arrisco dizer, poderá a breve trecho e com novos desenvolvimentos, valer um contrato com a "parasitária" 4AD. Resta-me cruzar os dedos e torcer para que o espírito subversivo de Halo não permita tal coisa, pois são bem conhecidos os casos recentes de hype desmedido que conduzem dos píncaros ao esquecimento num ápice, abortando expectativas de carreiras duráveis.

Dos portugas Gala Drop, que têm vindo a merecer um bom acolhimento extra-muros, o "meu" concerto resume-se a um par de temas. Ao colectivo há que reconhecer a qualidade técnica dos executantes, todos eles já com nome feito no undeground nacional, algo que não significa necessariamente que tragam ao palco qualquer ideia nova. O primeiro tema, mais amigável para estes tímpanos, evolui de um começo atmosférico e esparso para um bem balançado kraut, tendência que parece quase omnipresente nas actuais expressões pop, facção leftfield. Ao segundo tema, substancialmente mais ritmado, as revisitações do universo Santana implicam a desistência. Repelido pelos sons "tropicais", saio da sala com a sensação de que os Gala Drop poderão estar a um curto passo da freakalhice bacoca de uns Blasted Mechanism...

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Canções douradas



















Nascidos das cinzas dos indie-rockers Further, os californianos Beachwwod Sparks iniciaram a década passada apostados em resgatar os sons dourados pelo sol do Laurel Canyon de sessentas. Quer isto dizer que operavam na mesma confluência de jangle pop, folk e psicadelismo de gente como The Byrds e Buffalo Springfield. Algo ignorados pelas massas, mas adorados por um punhado de conhecedores, gravaram um par de álbuns e um EP que, juntamente com os primeiros registos dos compinchas The Shins, ameaçaram fazer dos primeiros anos do novo século uma revisitação do psicadelismo pop. Apenas ameaçaram porque os BS se extinguiram em 2002, sem tempo para colher os louros. Desde então, o fundador Brent Rademaker andou ocupado com os similares The Tyde, uma recriação quase completa da formação dos BS mais próxima de uma pop escorreita.

Os primeiros motivos para regozijo ocorreram já há 3/4, na altura que os BS anunciaram um regresso aos palcos ao serviço da indústria da nostalgia. Tardaram a dar outras boas novas mas elas acabariam por chegar com o anúncio recente de um novo álbum. Intitula-se The Tarnished Gold e tem edição prevista para dentro de aproximadamente um mês. O que esperar deste novo disco, pensa-se, não diferirá muito das pérolas deliciosamente imperfeitas do passado. Para lhe tomar o gosto, aí está o primeiro avanço que, ainda que não seja indicativo de coisíssima nenhuma, nos faz ansiar com maior vontade pelo Verão que se avizinha. É também o garante de que os negligenciados Woods encontraram concorrência à sua preguiça adocicada, se bem que numa versão substancialmente mais ligeira.


"Forget The Song" [Sub Pop, 2012]

terça-feira, 22 de maio de 2012

Um lugar na costa


















Um pouco à semelhança do sucedido com outros "movimentos" no passado, também o contingente norte-americano de devotos da C86 parece esmorecer depois do fulgor inicial. Basta referir os últimos registos de gente como as Vivian Girls ou as Dum Dum Girls, que não sendo propriamente desprezíveis, ficaram longe de gerar o entusiasmo das respectivas estreias. Quanto aos xoninhas The Pains of Being Pure at Heart, a desilusão foi tal que prefiro não me alongar em considerandos. Agora chegou a prova de fogo para os Best Coast, se bem se lembram a dupla responsável por Crazy For You (2010), celebração da eterna adolescência sob o sol da Califórnia. No dito, a vistosa Bethany Cosentino deixava também recados apimentados ao namoradinho, o tal moço dos Wavves que se tornou alvo da inveja de qualquer indie-kid.

A julgar pelo título, o novo The Only Place procura ainda inspiração na terra de acolhimento. Produzido pelo credenciado Jon Brion (Aimee Mann, Evan Dando, Sean Lennon, Spoon), o segundo disco privilegia o sentido melódico, algo no qual conta com prestação competente do multi-instrumentista Bobb Bruno, compincha inseparável de Bethany. Contudo, mais "despido" do que o disco de estreia, The Only Place peca pela quase omissão daquele travo surfy que fazia de Crazy For You uma festa constante. Excepções para o tema título que ainda faz da praia e da diversão prioridades, ou para "Do You Love Me Like You Used To", este quase um remake simplista do badalado "Boyfriend". Também nas letras há significativas mudanças. A nossa Bethany é agora uma mulher quase crescida. Numa audição não necessariamente atenta, detecta-se uma atenção aos sábios  conselhos maternos e até algum remorso. A título de exemplo, remeto-vos para a quase-balada "How They Want Me To Be" e para "Last Year", o último desenvolvido num ritmo próximo da valsa. Em suma, após o "choque" inicial, debelado por insistentes audições, digamos que não sendo a promessa de festa para o próximo Verão, The Only One poderá ser companhia agradável naqueles momentos mais reflexivos que a época estival também deve ter.


"The Only Place" [Mexican Summer, 2012]

Ao vivo #83

















Spain @ Hard Club, 19/05/2012

Não obstante a sua passagem pela capital na véspera, nomeadamente pelo malfadado Lux, a visita dos regressados Spain é motivo bastante para rumar a norte sob o pretexto da confraternização com as excelsas gentes da Invicta. É também ensejo para aferir das capacidades do renascido e mui imponente Hard Club, instalado no velhinho mercado Ferreira Borges. Neste particular, e restringindo-me ao concerto do passado sábado, não hesito em afirmar que a sala não passou no teste. Desde logo pela extensão concedida aos lugares sentados, criando uma grande barreira entre o (escasso) público de pé e o palco. Por outro lado, também as qualidades técnicas deixaram muito a desejar. Refiro-me a um som baixíssimo ao longo de todo o concerto, com a agravante de, não raras vezes, sair distorcido nas tonalidades mais graves.

Passando à prestação da renovada banda de Josh Haden propriamente dita, poderemos resumir a coisa dizendo que não defraudou expectativas nem gerou ovações desmesuradas. Ou seja, cumpriu e correspondeu basicamente ao que dela se esperava. Numa primeira parte, exclusivamente dedicada ao debutante The Blue Moods Of Spain (1995) na íntegra, tiveram lugar manifestações soturnas sob a forma de canções da mais melancólica dor-de-corno. O tom dominante é de gravidade, algo que a ausência de quaisquer palavras dirigidas ao público só realça. Tratando-se do disco predilecto na obra "hispânica" da maioria do público presente, não surpreendem algumas declarações de afecto por parte dos mais devotos, algo que se sente no aplauso mais ruidoso com que são recebidos temas como "Untitled #1" ou "Spiritual".

Havendo novo álbum em carteira, não deixa de surpreender a opção pelo destaque à obra de estreia. Contudo, a nova criação dos Spain haveria de ser contemplada na segunda parte do concerto, logo a seguir a um dispensável intervalo longo de quase 15 minutos e à mistura com temas do par de registos restante. Não tão marcada pelos problemas técnicos, entretanto ligeiramente debelados, esta parte é também mais solta e ligeira, algo inerente à natureza da canções apresentadas. É aqui que se apresentam alguns temas tingidos de country que deixam penetrar uma ténue luminosidade e até alguns arrufos rock. Pela parte que me toca, e não querendo ofender a devoção de ninguém, diria que a noite foi ganha por esta parte final, quase fazendo esquecer algum desconforto sentido na forma deficiente, e até impessoal, com foram apresentados os temas de The Blue Moods. O próprio Josh Haden parece concordar comigo, pois logo ao segundo tema perdeu a "compostura" e desatou a falar para o público entre as canções. Um simpático que perdeu a timidez, o moço...

terça-feira, 15 de maio de 2012

Discos pe(r)didos #63









GRANT LEE BUFFALO
Mighty Joe Moon
[Slash, 1994]




Algo negligenciados durante a sua existência, talvez porque abafados por guitarras mais ruidosas, Grant Lee Phillips e a banda a que deu nome são hoje acarinhados com saudade por uma imensa minoria que tomou contacto com a sua música em meados de noventas. Tal como os contemporâneos e também californianos Mazzy Star, os Grant Lee Buffalo chegaram demasiado tarde para apanhar a vaga Paisley Underground mas, à semelhança dos seus percursores, também mergulhavam profundamente nas sonoridades de sessentas, desde a country "cósmica" aos Velvet Underground com o devido condimento de psicadelismo. A particularidade de todos era filtrarem essas influências ancestrais pelas lentes de alguém que viveu o reboliço punk nos melhores anos da vida.

Com Fuzzy (1993), e em particular com tema-título, os GLB não conquistaram o mundo mas arrebataram um horda de apaixonados e curiosos por uma América de uma verve romântico-desencantada que, ao longo dos oitentas, lhes foi vedada pelas mil e uma derivações do post-punk britânico. Com Mighty Joe Moon, editado apenas com ano e meio de distância, ameaçaram ser alternativa aos ditames da MTV pós-grunge e - mais importante - remediaram as pontas soltas da estreia, definindo uma sonoridade que haveria de marcar o gosto do povo mélomano até aos dias de hoje,

Se o debute liberta o pó da estrada que atravessa a aridez desértica, o segundo disco é a incursão pela ruralidade profunda, uma viagem poética que percorre a decadência da América real. Daí resultam temas dolentes de uma melancolia maior que a própria vida com um fantasma de morte a pairar ("Mockinbirds", "Lady Godiva And Me", o irónico "Happiness"), pirotecnia apontada a um céu com milhões de estrelas do mais intenso reluzir ("Lone Star Song", "Side By Side"), curtas trechos de recuo a um tempo ancestral ("Last Days Of Tecumseh"), ou baladas semi-acústicas que denunciam muitas agruras afogadas em orgias etílicas ("Honey Don't Think", "Rock Of Ages"). Em qualquer dos temas enunciados, e em praticamente todos os gravados pelos GLB, a performance vocal de Pillips, a meio caminho entre o límpido e arenoso, e capaz de ir do murmúrio terno ao mais lancinante desespero de uma sílaba para a seguinte, faz-nos questionar o porquê de só a espaços lhe ser concedido o microfone nos antecessores Shiva Burlesque, banda que também integrou o baixista e produtor Paul Kimble.


"Lone Star Song"


"Mockinbirds"


"Honey Don't Think"

segunda-feira, 14 de maio de 2012

O jogo das diferenças #7



MY BLOODY VALENTINE
Loveless
[Creation, 1991]


SQUAREPUSHER
Solo Electric Bass 1
[Warp, 2009]

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Good cover versions #65












GRAVENHURST _ "See My Friends" [Warp, 2005]
[Original: The Kinks (1965)]

Ainda há dois dias aqui falávamos do apego dos Gravenhurst à folk de origem britânica. Nesse particular, os Fairport Convention, já contemplados com uma revisitação por parte dos ditos, são influência mais do que assumida. Na altura não se referiu, contudo, as orientações do projecto pessoal de Nick Talbot sob outra tradição do país de origem, nomeadamente a pop sessentista, lembrada, precisamente, através de um dos seus nomes mais representativos daquilo que possa enterder-se por englishness: The Kinks.

Na versão de "See My Friends", autêntica subversão do original, é notória a vontade dos Gravenhurst de confundir e de fugir à fácil catalogação, de resto características primordiais do projecto. Iniciada em lume brando, e com instrumentação esparsa, deixa-se aos poucos contaminar por espasmos de guitarras ruidosas. O crescendo de tensão rebenta num devaneio filiado no kraut que ocupa perto de metade da duração do tema, esta algo acima do padronizado. Com o original partilha apenas, embora numa linguagem substancialmente diversa, a vontade de proporcionar estados indutores da mente. E já que falamos no original, refira-se que foi uma das raras concessões dos Kinks ao universo psych, tema pioneiro na mundo pop no recurso às melodias raga indianas, algo que os Beatles viriam a usar até à exaustão. Talvez pela pouca simpatia que Ray Davies e seus pares nutriam pelos fab four, a experiência não teria seguimento e os Kinks prosseguiriam por uma via pop mais estrita mas não menos aventureira.



quarta-feira, 9 de maio de 2012

First exposure #44


















HOLOGRAMS

Formação: Andreas Lagerström (voz); Anton Strandberg (gtr); Anton Spetze (bx); Filip Spetze (btr)
Origem: Estocolmo [SE]
Género(s): Post-Punk, Synth-Punk, Indie-Rock
Influências / Referências: Joy Division, Siouxsie & The Banshees, Buzzcocks, The Horrors, These New Puritans

"Hidden Structures" [Captured Tracks, 2012]

terça-feira, 8 de maio de 2012

Ghost in the machine



















Falar de Gravenhurst - a banda, não as várias cidades com o mesmo nome - é o mesmo que falar de Nick Talbot, mentor e único membro permanente deste projecto que, de há uma dúzia de anos a esta parte, faz questão de ser um dos segredos mais bem guardados da música pop britânica. Filho de uma outra Bristol diferente da que andou nas bocas do mundo na década de 1990, já não dava notícias há uns cinco anos, altura de edição do superlativo The Western Lands. Disco relativamente ecléctico, mas que adensava a introspecção, esse terceiro álbum deixava esmorecer a agrura dos registos anteriores, concebidos numa confluência imaginária do post-rock com afinidades shoegaze, do kraut e da folk de raíz britânica.

Ao que parece definitivamente em solitário, Talbot acaba de regressar ao local do crime com Ghost In The Daylight que, pese embora o tempo decorrido, é o passo natural relativamente ao antecessor. Por conseguinte, é um disco sereno e profundamente reflexivo. Talvez menos imediato, revela-se com vagar à medida que as canções nos prendem no emaranhado de pormenores que se escondem na aparente simplicidade. A grande novidade é o maior protagonismo concedido às texturas de origem electrónica. Não se pense, porém, que os Gravenhurst se renderam ao contigente "sintético" associado à editora Warp Records que os acolhe. Não, por ora, a electrónica resume-se apenas a uma drum machine aqui, um teclado planante acolá, ajudando a enaltecer a aura de abandono que percorre todos os dez temas. A folk ainda marca pontos, sobretudo na voz de Talbot, tanto na cadência como na sua fragilidade, e a estrutura das canções ainda assenta em guitarras circulares municiadoras de um efeito sedativo. Fluindo num estado de doce dormência, Ghost In The Machine aproxima-se, a espaços, do romantismo sépia fora de época de uns The Clientele, algo que me apraz registar. É o caso, salvas as devidas distâncias, na amostra infra:

"The Prize" [Warp, 2012]

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Ecos do passado

















Foto: Alison Wonderland

É com alguma injustiça que os Primitives são hoje, essencialmente, lembrados pelo hit "Crash". Se aprofundarmos a sua obra ficamos a saber que, antes desse caso de sucesso isolado, já a banda de Coventry tinha urdido uma boa mão cheia de canções dignas de figurar entre a melhor jangle-pop despoletada pela compilação C86. Todos eles saíram com selo da Lazy Records, editora fundada pela própria banda que deu ao mundo alguns dos primeiros registos dos My Bloody Valentine. Por outro lado, também me causa uma certa revolta que, derivado do visual da frontwoman Tracy Tracy, os Primitives sejam muitas vezes apontados como descendentes dos Blondie, quando na realidade é bem evidente que as bases da sua música sempre estiveram na pop da época áurea da primeira metade dos sixties.

Regressados ao activo no ano passado, depois de quase de vinte anos de paragem, deram à estampa um EP que, em primeiro lugar, serviu para demarcar a sua influência junto de bandas actuais como Dum Dum Girls, Best Coast, ou Vivian Girls. Tomaram-lhe o gosto, e agora acabam de editar o excelente álbum Echoes And Rhymes, carregadinho de versões de temas yé-yé de algumas girl bands das décadas de 1960 (essencialmente) e de 1970, que não se restringem ao eixo anglo-saxónico e repescam também uma série de curiosidades com origem em França, na Alemanha ou na Holanda. Da audição sobressai a qualidade da gravação, pejada de orquestrações à la Joe Meek em colisão com a guitarra fuzzy de PJ Court, e com um travo clássico que nos remete para as épocas revisitadas. Outra das particularidades é que, na escolha do alinhamento, a banda não se deixa cair na tentação do óbvio e opta por um conjunto de temas que, não obstante terem sido sucessos relativos, são hoje pouco mais que obscuridades. Entre os contemplados, os nomes de Nico (com um tema anterior à sua ligação aos Velvet Underground) ou os holandeses Shocking Blue serão, eventualmente, os mais "sonantes". Verdadeiros tesouros perdidos são os temas originais de gente como Laura Ulmer (merecedor de um francês quase perfeito por parte de Tracy), Sandy Posey, Jackie De Shannon, The She Trinity, ou Sue Lyon. É pertença desta última, estrela do filme Lolita de Stanley Kubrick, o original da amostra que se apresenta:

 
"Turn Off The Moon" [Elefant, 2012]

sexta-feira, 4 de maio de 2012

R.I.P.



ADAM YAUCH a.k.a. MCA
[1964-2012]

Com apenas 47 anos de idade morreu hoje, depois de uma longa batalha contra o cancro, Adam Yauch, MC e músico compositor na formação imutável dos Beastie Boys, e activista dos direitos humanos.

O início da carreira musical remonta ao ano de 1981, ainda os três membros dos Beastie Boys eram adolescentes rebeldes praticantes de um hardcore punk que não deixou propriamente marca visível. O mundo teria contacto com o trio apenas em 1986, altura da edição do álbum Licensed To Ill, principalmente graças ao hit "(You Gotta) Fight For Your Right (To Party)". Disco pejado de inanidades rap-rock, o debute seria apenas um primeiro passo na firmação dos Beastie Boys como um dos mais influentes colectivos hip-hop de sempre, facto tão mais notável para um trio de brancos num género habitualmente associado aos negros. Por alturas do sucessor (a primeira obra-prima, Paul's Boutique de 1989) já toda a gente tinha percebido que os Beastie Boys não se resumiam a uma série de graçolas mais ou menos gratuitas e eram mesmo para ser levados a sério. Ao longo da década de 1990 o estatuto foi-se cimentando, com vários discos a merecer nota altamente positiva, em particular Ill Communication (1994), que teve os seus vídeos promocionais em alta rotação nos canais de música da altura. Neste período, a banda estabeleceu uma relação de grande cumplicidade com o produtor Mario Caldato Jr., que não só soube manter viva a chama punk-rock do trio, como ainda alargar a sua música a um leque de linguagens que tanto soube integrar o jazz como a world music.

Paralelamente, Yauch envolveu-se a fundo na causa da libertação do povo tibetano. Este activismo culminou na organização, juntamente com os colegas de banda, do primeiro Tibetan Fredom Concert, que teve lugar em San Francisco em 1996 e reuniu uma série de músicos unidos pela mesma causa. Realizou também muitos dos badalados vídeos dos Beastie Boys, estendendo ainda a veia cinéfila à fundação de uma produtora de filmes. Hoje, um pouco por todo o lado, por media e músicos dos mais diversos quadrantes, foi recordado como um dos mais empenhados e multifacetados artistas pop do último quarto de século.

"Sabotage" [Grand Royal, 1994]

It's everything!

















No que concerne aos My Bloody Valentine já é com significativa descrença que os devotos recebem cada notícia, tal o número de vezes que, no últimos vinte(!) anos, a banda dá o dito pelo não dito. Já nem vale a pena vale a pena acreditar num eventual sucessor do colossal Loveless (1991), recentemente prometido por Kevin Shields (mais uma vez) para muito breve. No que toca à reedição remasterizada desse mesmo disco, e do anterior Isn´t Anything (1988), convém lembrar que as primeiras notícias distam já mais de dez anos no tempo. Sabemos agora que, a somar à propalada inércia de Shields, o projecto foi também adiado por motivos de ordem contratual, com desaparecimento súbitos de fitas originais incluídos.

Porém, e  numa analogia com aquela história do miúdo e do lobo, tanto se apregoa a chegada de algo que um dia esse algo chega quando já ninguém acredita. Isto a propósito da garantia definitiva da reedição da dupla de álbuns dos My Bloody Valentine no começo da próxima semana, para já apenas em suporte CD mas com o vinil da ordem do dia prometido para uma data futura. Loveless, que no seu tempo se destacou pela introdução de novos métodos de gravação, criando desde então uma vasta legião de seguidores, será merecedor de edição em formato de disco duplo com duas diferentes remasterizações. A cereja no topo do bolo é, porém, a edição simultânea de EPs 1988-1991. Isto porque aqueles formatos editados pelos MBV no período assinalado estão há algum tempo fora do mercado. Também em disco duplo, a compilação reúne um total de 23 temas, três deles nunca antes editados. Pela amostra que vos deixo, sou levado a concluir que poucas bandas se podem gabar de ter temas "oficiais" ao nível das "sobras" dos MBV.


 "Good For You" [Sony-BMG, 2012]

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Ao vivo #82

















The Magnetic Fields @ Teatro Maria Matos, 02/05/2012

Tenho de vos confessar que os Magnetic Fields há muito que deixaram de fazer parte das minhas escutas obrigatórias. Aliás, diria até que nunca alinhei na turba de incondicionais que se formou a partir da relativa massificação do triplo 69 Love Songs. Mas estaria a ser injusto se não reconhecesse a grandeza dessa gigantesca empreitada à volta da "canção de amor", bem como o mérito de alguns conceitos desenvolvidos pelo mentor Stephin Merritt nos vários projectos paralelos. Contudo, no seu considerável catálogo, a minha preferência recai sobre o trabalho anterior a essa obra mastodôntica, quando o colectivo de Boston vagueava pelos terrenos da twee-pop e do lo-fi, como que a querer perpetuar a memória dos mestres britânicos de finais de oitentas e, sobretudo, dos concidadãos Beat Happening. Toda esta introdução serve ainda para dizer que, de há uns anos a esta parte, me sentia até algo desagradado com alguns assomos de "pop barroca" que povoavam os discos editados após a "consagração".

Neste cenário, é natural que não tenha participado na corrida aos bilhetes do esgotadíssimo Maria Matos. Por obra e graça de uma alma caridosa (a bem dizer três) soube, porém, que me tinha calhado em sorte um dos concorridos lugares. E em boa hora, pois de então para cá a minha estima pelos Magnetic Fields subiu até níveis nunca antes alcançados. Logo à partida, como um apreciador das coisas livres de artifício que faço questão de ser, registei a forma desempoeirada com que o quinteto se apresentou em palco. Esta simplicidade reflectiu-se também na escolha do alinhamento, essencialmente constituído de temas curtos e directos, assentes nas bases da canção pop intemporal, se bem que com devido tratamento desengonçado de Merritt e companhia. A contrastar com a indisciplina do trio de cantores (Merrit, a pianista Claudia Gonson e a tocadora de ukulele Shirley Simms), o guitarrista e o violoncelista permanecem compenetrados na sua função, não soltando uma única palavra ao longo do concerto. Já aqueles três parecem imparáveis, entremeando as canções, que vão da pop com laivos kitcsh a territórios da country, com tiradas de humor nonsense de ir às lágrimas. Mais contundentes só mesmo as letras das próprias canções, prenhes de um apurado sentido de humor, subtilmente amargo mas tremendamente eficaz. Não obstante o protagonismo concedido às duas damas, é indisfarçável a reverência com que ambas tratam Stephin Merritt, uma espécie de mestre de cerimónias involuntário num pequeno circo de geeks desterrados de uma época perdida no tempo. Com o seu estilo desajeitado e avesso à qualidade técnica, nele apraz-me registar as aproximações ao registo vocal grave de Calvin Johnson (a anterior referência aos Beat Happening faz agora mais sentido), também este um desajustado num mundo pop demasiado sujeito a regras estanques.

Muito por culpa desta feliz constatação, mas sobretudo pelo fascínio renascido após cerca de hora e meia imerso nestas pequenas canções que celebram alegremente o infortúnio, durante o dia de hoje dei por mim, mais de uma dezenas de vezes, a entoar mentalmente trechos da escrita corrosiva de Merritt. O síndroma da reconciliação parece prolongar-se até hora que vos escrevo estas toscas linhas, precisamente quando o recente Love At The Bottom Of The Sea, parte considerável do concerto de ontem, brota directamente da estereofonia como melaço para os tímpanos. Um grande bem hajam, então, para as tais almas caridosas responsáveis por esta verdadeira epifania ao retardador!

terça-feira, 1 de maio de 2012

A saga Twilight: um novo amanhecer


















Lembro-me que ainda este blogue gatinhava quando o (então) jovem escriba que teima em mantê-lo foi atingido, como que por um raio, pelo impacto da música dos escoceses The Twilight Sad. Naquele primeiro disco vinham impressas algumas das marcas genéticas da música produzida naquelas paragens abençoadas: a guitarra como arma, rebentações frequentes em crescendos de proporções épicas, e uma boa dose de melancolia outonal bastante próxima do miserabilismo. Dois anos volvidos os ânimos refreavam com Forget The Night Ahead (2009), em todo o caso um bom disco mas que se limitava a reproduzir os tiques do antecessor. Portanto, tinha contra si a falta daquele efeito novidade que tantas vezes determina a força do impacto que um disco pode ter nós.

Ao que parece, as novidades estavam guardadas para o terceiro registo de longa-duração, o recente No One Can Ever Now, um disco do qual adiei a audição com as reservas motivadas pelo antecessor. Neste, as guitarras são ainda omnipresentes e ditam algumas das regras, embora não da forma ostensiva de outrora. Na disputa pelo protagonismo, e no adensar as atmosferas já de si suficientemente carregadas, os teclados têm uma palavra a dizer. É óbvio que esta operação estética implica as inevitável alienação de alguns seguidores de ideias mais conservadoras e comparações a projectos post-punk algo dados a uma certa forma épica de encarar a canção pop. Pela parte que me toca, como acérrimo defensor das possibilidades das seis cordas combinadas com os pedais de efeitos, saúdo a divisão de papéis, até porque esta em nada belisca a identidade da banda. Antes pelo contrário, é uma pedrada no charco que ameaçavam tornar-se os The Twilight Sad. Para que tal suceda convém dar o devido crédito ao timbre vocal de James Graham, inalterado na sua cerrada "pronúncia escocesa" de quem carrega uma tristeza nostálgica maior que a vida.


"Dead City" [Fat Cat, 2012]