San Miguel Primavera Sound @ Poble Espanyol, Parc del Fòrum - Barcelona, 25-29/05/2011
Dos três Primaveras consecutivos que já conto no cadastro, o do presente ano é o vencedor no que à qualidade de concertos diz respeito. O grau de satisfação é tal que, só agora, duas semanas após o "dia seguinte, o do choque do regresso ao mundo real, me sinto em condições de uma análise "a frio", que evite opiniões exacerbadas pelo estado de semi-delírio. No aspecto organizativo, o saldo é também francamente positivo, com falhas a apontar "apenas" no que respeita ao rotundo falhanço da forma de pagamento adoptada para os bares, e as já habituais deficiências sonoras registadas no palco Pitchfork. Este, agora afastado da zona central do Fòrum, já não sofre a interferência do som de outros palcos. Porém, repete as falhas técnicas do ano passado. Desta feita, as principais vítimas foram The Fresh & Onlys e The Black Angels. Em qualquer dos casos, a prestação das bandas merecia outro tratamento do pessoal técnico. Os texanos ainda tiveram a compensação no encerramento realizado na "sauna" do Apolo, sala com características óptimas para a catarse xamânica que caracteriza a música da banda.
Este foi também o ano em que praticamente abdiquei dos concertos realizados no palco principal. As excepções dignas de registo foram The Flaming Lips e os regressados Pulp, e ambas corresponderam a semi-desilusões. Os americanos porque apenas a espaços conseguem extrair o lado celebratório da sua música, perdendo uma boa parte do tempo com considerações de uma freakalhice balofa, e os britânicos, mais competentes, contudo, porque optaram pelo "zona de conforto" de resumir o espectáculo, basicamente, ao par de álbuns mais conhecidos. Fica também registada a performance de Jarvis Cocker, num registo que chegou a roçar o auto-caricatural. No imediato, a opção poderá fazer o delírio da turba feminina, mas pode, a médio trecho revelar-se uma armadilha. No mesmo cenário, e por breves instantes, houve ainda tempo para o aborrecimento a cargo de M. Ward, Fleet Foxes e Animal Collective. Idênticos bocejos, mas noutros cenários, foram tUnE-yArDs e Warpaint, estas últimas algo perdidas na orientação a transpor para palco, mas com a atenuante do regalo para a vista. Já os Of Montreal têm sempre novidades no esgrouviamento festivo, e revelam-se eficientes para quem estiver no mesmo comprimento de onda. Por fim, fica a impressão de que a nova faceta pop ensolarada dos Belle & Sebastian, tal como a introspecção de outros tempos, fica a ganhar em cenários mais recatados.
À semelhança das ocasiões anteriores, este foi mais um ano de triunfo dos veteranos, alguns recentemente regressados às lides para colher os louros de outras eras. Foi o caso dos Public Image Ltd. que, com uma formação composta por óptimos executantes das várias reencarnações do passado, passam em desfile um autêntico best of de forma irrepreensível. O agitador John Lydon parece estar em dia sim e, só por isso, mereceria público em maior número. Igualmente carismático, David Thomas lidera os Pere Ubu vai para trinta e muitos anos. Para o Primavera trouxe toda a causticidade das canções do primórdios, intercaladas por delirantes notas do humor mais corrosivo. E por falar um corrosão, vêm à baila os Suicide, autênticos sabotadores do estatuto pioneiro que ostentam, num espectáculo de pura violência sónica. Irreverência é o que também não falta a Glenn Branca, que aqui dirige um ensemble de jovens músicos. À formalidade do registo opõem-se as fustigadelas de ruído e a postura negligente do "maestro". Regressando à normalidade, falemos dos Echo & The Bunnymen que, apesar de notoriamente envelhecidos e com algum desmazelo que seria impensável nos idos de oitentas, redimensionam a grandiosidade das canções com a experiência adquirida. Will Sargeant revela-se um guitarrista inventivo e pouco dado à previsibilidade, enquanto Ian McCulloch ainda ostenta um vozeirão que os inúmeros cigarros consumidos não conseguem arruinar. Igualmente imponentes, os Mercury Rev são daqueles raros casos em que o excesso de pompa fica bem. Para a ocasião trazem a magnitude de Deserter's Songs, o que arrebata o público para um dos momentos mágicos do festival. No final, era visível o êxtase em ambas as partes, banda e audiência. O outro número de enfeitiçamento ficou a cargo de Dean Wareham, que não traz os Galaxie 500 mas traz as canções sépia daqueles, agora engrandecidas no lado performativo, mas igualmente reservadas no sentimento. Perante os constantes arrepios, a imponência da figura da companheira Britta Phillips é apenas pormenor de somenos importância. Vindos de um viveiro indie limítrofe, os Half Japanese aparecem apostados em quebrar regras, sobretudo o neurótico Jad Fair que faz prevalecer a pureza sincera das canções sobre qualquer rigor técnico. Quanto aos, Low enveredam desta feita por realçar o poder contemplativo da sua música. A opção por um volume mais baixo pode não propiciar as explosões de tensão a que nos habituaram. Contudo, o espectáculo fica francamente a ganhar em intimismo enegrecido.
Nas curiosidades indie, os resultados foram variáveis. Os Yuck, por exemplo, destilam na perfeição a energia juvenil que emana do seu superlativo disco de estreia. Fica, contudo, a sensação que ficariam a ganhar com o aparato sonoro de um horário mais tardio. Mais compenetrados, e sobejamente mais experimentados, os Monochrome Set trazem um punhado de canções carregadas de literacia. Tal como os BMX Bandits, donos de um cancioneiro recheado de pequenas pérolas do mais inocente romantismo. Nestes, a presença de Duglas T. Stewart, e das suas tiradas de humor positivo (o negativo do citado David Thomas, se quiserem) quase ofusca a trupe que o acompanha. Ainda com algum caminho a percorrer, os My Teenage Stride exibem já um considerável conhecimento da essência pop que presidiu à obra de gente como Orange Juice ou The Smiths. Idêntico "estudo" tem marcado a carreira dos Comet Gain. Porém, neste caso apenas os temas mais ritmados, ou com refrões mais orelhudos, conseguem descolar da mediania pela qual se pauta o concerto. Uns bons furos abaixo, os canadianos Suuns, donos de um debute com muitos pontos de interesse, são em palco uma das bandas mais amorfas que me passaram pela frente. Dos Mogwai não se espera algo mais do que rigor e empenho, e desta feita não desiludiram quem já se habituou aos seus emaranhados de proporções épicas. Já começam a escassear os elogios que faça justiça aos Deerhunter, tal a quantidade de novos truques que a banda ostenta a cada novo disco e/ou prestação ao vivo. Embora referencial, a sua pop, perdida entre o fuzzy e sonhador, é destilada com tal paixão que são já caso único entre as bandas nascidas neste século.
No capítulo das "bizarrias e outros delírios", o triunfo incontestado vai para os Gang Gang Dance, aposta pessoal para uma iminente subida de divisão. Para o Primavera traziam disco novo, e revelaram-se verdadeiramente hipnóticos na abordagem a uma espécie de música de dança liquifeita e recheada de elementos étnicos. A turba de curiosos, já em número considerável, poderá vir a crescer a breve trecho. Menos imediatos, mas igualmente delirantes, os Emeralds apontam essencialmente ao escapismo intuitivo. Outrora mais impenetrável, a sua música começa a estender tapetes sonoros propiciadores de ambientes convidativos à introspecção. Sem termo de comparação com o passado recente, arrisco afirmar que os Battles pouco ficam a perder com o abandono de Tyondai Braxton. Reduzidos a trio, balanceiam nas doses adequadas uma música que tem tanto de cerebral como de rítmica.
Aos concertos resumidos, acrescentem-se ainda Caribou, que destilou eficazmente o pendor mais prático e dançante do último registo, e Moon Duo que, à hipnose das mantras de psicadelia, acrescentam a vistosa presença da teclista.
Por fim, uma palavra para as sessões gira-disquistas, no meu caso reduzidas às prestações de Girl Talk e do inevitável DJ Coco. O primeiro, dono de um curioso coglomerado de samples facilmente reconhecíveis, surpreende ao vivo pela facilidade com que combina estilhaços de hits das mais variadas proveniências. Acima de tudo, é lúdico. A jogar em casa, o último traz uma série de escolhas que, embora previsíveis para os habitués, revelam-se de primeira água para o folião mais exigente. Pena foi que, por motivos inexplicados, a festa tivesse sido abruptamente encurtada na sua duração.
Foto: Shannon McClean / Pitchfork Media
TOP 12
01. Dean Wareham plays Galaxie 50
02. Glenn Branca Ensemble
03. Mercury Rev performing Deserter's Songs
04. Deerhunter
05. Low
06. Public Image Ltd.
07. Pere Ubu plays "The Annotated Modern Dance"
08.BMX Bandits
09. Suicide performing First LP
10. Gang Gang Dance
11. Echo & The Bunnymen performing Crocodiles & Heaven Up Here
12. The Black Angels (@ Apolo)