PRIMAL SCREAM
Loaded
[Creation, 1990]
Há muito, muito tempo, ainda era concedido às bandas tempo para "crescerem". Em muitos casos, começavam de forma imberbe, iam refinando as ideias e, quando valiam realmente a pena, lançavam o disco definitivo. Que o digam os Primal Scream, que se lançaram como um combo jangle-pop obcecado pelos Byrds e mais umas quantas lendas dos bons velhos sixties que não parecia ir a lado nenhum. Praticamente condenados a constar como nota de rodapé no livro indie-pop britânico da segunda metade de oitentas, um golpe de rins, com os ouvidos na dançante Madchester, catapultou-os para a estratosfera e, pelo caminho, moldou uma boa parte da música da década de 1990.
Para tal bastou a transfiguração de um tema dessa fase menor, uma daquelas baladas com as quais, de quando em vez, Bobby Gillespie deixa libertar o soul man interior. Quem não acredita, pode conferir a versão original de "I'm Losing More Than I'll Ever Have" no lado B da rodela. A parte de leão pelo mérito no volte-face da carreira dos Primal Scream tem de ir para Andrew Weatherall, responsável pela remistura, de tal forma radical que gerou um tema completamente novo. Do original, "Loaded" aproveita apenas resquícios: os sopros, partes da letra, partes do piano de Martin Duffy. O resto faz-se de uma significativa alteração rítmica, assente num loop hipnótico, coros gospel, e invectivas de Gillespie ao hedonismo. A dar o mote, logo no começo, o sample das palavras de Peter Fonda no filme The Wild Angels (e não Easy Rider, como erroneamente se diz por aí), de Roger Corman, confere um certo tom de transgressão. Para a celebração contribuem ainda samples avulsos das mais diversas proveniências.
O sucesso da experiência havia de conhecer novos desenvolvimentos na ligação da banda com Weatherall, culminando no incontornável Screamadelica. Mais do que um álbum, este disco é uma colecção de singles, remisturas, e experiências várias, de uns Primal Scream que descobriram o poder libertário da dança sem deixar de lado o sentir rock. Independentemente disso, ninguém me irá desmentir se afirmar que o disco é banda sonora indissociável desses alvores de noventas em que o mais importante era to have a good time.
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