"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

sábado, 31 de março de 2012

Discos pe(r)didos #62








GNR
Defeitos Especiais
[Vadeca, 1984]




É natural que as novas gerações olhem para os portuenses GNR como o fenómeno de massas, a banda que encheu estádios e salas de grandes dimensões com o seu pop/rock conformista da primeira metade de noventas. Esses mais novos não têm idade suficiente para ter conhecido a banda no seu auge, seguramente a mais aventureira no espectro portuga de oitentas, indiscutivelmente pop sem enjeitar algumas tendências vanguardistas. Portanto, na altura em que a banda fazia jus ao nome simplificado na sigla que muitos confundem com o de uma certa corporação - Grupo Novo Rock.

Olhando para trás, não deixa de ser caricato pensar que esse período dourado, e consequentemente a posterior consagração massiva, poderiam nunca ter ocorrido. Isto se os GNR têm levado por diante a ideia que ditou uma breve dissolução, precipitada pelo abandono, com apenas o primeiro álbum editado, do fundador Vítor Rua rumo aos Telectu, estes bem mais distantes da estandardização pop. Também Alexandre Soares, o mago da guitarra, abandonou temporariamente, mas cedo reconsiderou a opção e juntou-se ao vocalista e letrista Rui Reininho e ao baterista Toli César Machado, bem como a novo baixista Jorge Romão, os quatro compondo a formação que embarcaria na mais bela aventura pop operada em Portugal.

Escutando hoje Defeitos Especiais, o segundo álbum e o primeiro desta segunda vida - que acaba de ser reeditado para gáudio de uma vasta falange e curiosidade de outra mais curta -, facilmente se afere que o quarteto, liberto do controlo de Rua, dá largas à creatividade ao mesmo tempo que inflecte para uma sonoridade mais acessível. Como já foi dito, esta acessibilidade não significa que os GNR tenham posto de lado os seus impulsos vanguardistas. A grande conquista, e neste particular apenas com correspondência nuns Mler Ife Dada, é um certo sentir indubitavelmente lusitano numa linguagem pop com origens anglo-saxónicas. A este respeito, escutem-se o doce "Muçulmania", com ecos que vão do Alentejo ao Norte de África, ou o erótico "Mau Pastor", espécie de valsa popularucha que merecia trazer a sofisticação aos arraiais desse Portugal profundo. Para quem julga estes GNR como meros seguidores dos Talking Heads, eles comunicam o desquite com o funk no bilingue "I Don't Feel Funky (Anymore)", número que cruza o doo-wop com a canção ligeira italiana. Mais convencional para o parâmetros post-punk da época, e talvez por isso o tema mais rodado de todo o disco, "Piloto Automático" é uma celebração boémia que não perdeu o seu imediatismo com estes quase trinta anos volvidos. Passando para a secção mais arriscada do ecléctico Defeitos Especiais, temos de referir um trio de temas: o tenso "Absurdina", mergulhado em ecos e com o Reininho mais animalesco que se conhece; o global "A Última Vaga", que põe o Médio Oriente em contacto com o mundo ocidental sob algumas concessões às electrónicas; e o pulsante "Pershingopólis", manifesto anti-armamento em plena Guerra Fria que percorre territórios country-western.

À riqueza de pormenores e à variedade estilística, Defeitos Especiais junta ainda aquela que sempre foi a marca mais distinta dos GNR: as letras engenhosas de Reininho. Nesta fase ainda preservam todo a sua força subversiva, algo que afrouxou com decorrer dos anos, naturalmente. Com um domínio da Língua Portuguesa ímpar no universo pop 'tuga, o vocalista consegue ser corrosivo ("Absurdina"), perverso ("Mau Pastor"), auto-complacente ("Desnorteado"), ou senhor dos melhores jogos de palavras ("A Última Vaga"). Este estado de graça conheceria novos desenvolvimentos no subsequente Os Homens Não Se Querem Bonitos (1985), e continuidade no fenómeno de vendas Psicopátria (1986), este a beneficiar de um renovado interesse na música moderna feita em Portugal. Depois disso, veio a curva descendente sob os olhares das massas, interrompida aqui e ali com algumas ideias interessantes.


"Piloto Automático"


"Mau Pastor"


"Pershingopólis"

terça-feira, 27 de março de 2012

A celebração rock
















Desafio o vasto auditório desse lado a apresentar-me o nome de uma banda que, nos últimos 3/4 anos, melhor tenha representado o sentir rock do que os canadianos Japandroids. Ressalve-se que por "espírito rock" deve entender-se aquela coisa que, em inícios de noventas, pareceu querer mudar o rumo das coisas mas rapidamente se desvaneceu às mãos de executivos calculistas. Se bem se lembram, a coisa incluía rebelião juvenil, escapismo, subversão, e energia a rodos. Não estão de acordo? Então vão re-ouvir Post-Nothing (2009) e depois digam-me qualquer coisa.

À parte esse "clássico" instantâneo, a dupla de Vancouver tem-se mostrado relativamente activa na edição de pequenos formatos para deleite de indefectíveis como este que vos escreve. Nomeadamente através de uma série de 7'' com a particularidade de incluírem um original e uma versão (Big Black, X e PJ Harvey já foram contemplados). Interrompida sem justificação, a série é retomada em meados de Maio com a edição de um disquinho que tem por tema principal "The House That Heaven Built". No lado B, os Japandroids atacam agora "Jack The Ripper", original de Nick Cave & The Bad Seeds. Escutado repetidas vezes, o tema principal leva-me a afirmar, sem pruridos, que ainda bem que há coisas que permanecem imutáveis. Quer isto dizer que, dos Japandroids, ainda podemos contar com temas rasgadinhos mas trauteáveis, ruidosos mas imediatos. Está tudo mais ou menos explicado numa linha da letra repetida inúmeras vezes: "and if they try to slow you down, tell them all to go to hell".

As boas notícias não se ficam por aqui, pois, menos de um mês depois, este tema, tal como o também já nosso conhecido "Younger Us", integrará Celebration Rock, o segundo álbum dos Japandroids. No alinhamento é também possível encontrar um tema intitulado "For The Love Of Ivy", que se presume seja uma versão dos The Gun Club, e outro intitulado "The Nights Of Wine And Roses", este demonstrativo da apetência da dupla para os trocadilhos com títulos de canções alheias. Celebre-se, então:


"The House That Heaven Built" [Polyvinyl, 2012]

De peito aberto
















Os escassos contactos que tive no passado com a música dos The Men não me deixaram particularmente entusiasmado. Ao longo de dois álbuns, este jovem colectivo de Brooklyn alinhava por uma ortodoxia hardcore que, embora estivesse em contra-corrente com muito sub-produto daquelas paragens que tem sido inexplicavelmente elevado aos píncaros, não trazia nada de novo a um "género" que não prima propriamente pela introdução de novas ideias. Posto isto, não me senti especialmente tentado a acorrer à recente passagem do quarteto pela capital deste rectângulo.

Agora, ouvido com razoável insistência o novíssimo terceiro álbum, não poderia estar mais arrependido pela minha ausência nesta ocasião única. É que, não rompendo em definitivo com o passado recente da banda, Open Your Heart é do que de melhor se ouviu ultimamente no que ao rock mais abrasivo diz respeito. Fazendo jus ao título, é também o disco mais "humano" e acessível da carreira dos The Men. Não se confunda, porém, acessibilidade com concessão, pois as guitarras continuam a soar ríspidas e a adrenalina ainda é um factor importante na música do quarteto. Pode até parecer paradoxo, mas numa boa metade dos temas, instrumentais ou quase, há até um incremento da complexidade, tanto ao nível das estruturas como da duração dos temas, inclusive com algumas pinceladas de psicadelismo. Estabelecendo uma analogia, poderemos dizer que os The Men estão neste momento num estádio evolutivo semelhante ao de algumas bandas da histórica SST Records, quando renegaram o hardcore que disseminaram em favor de sonoridades mais abrangentes e ambiciosas, o que gerou ondas de choque nos acólitos avessos à mudança. Para estes, os The Men ainda debitam berraria para dar e vender, em particular nos temas mais curtos e directos. Mas até aqui, há um sentido de melodia, vagamente buzzcockiano, que é de saudar.


"Open Your Heart" [Sacred Bones, 2012]

domingo, 25 de março de 2012

10 anos é muito tempo #33








COMET GAIN
Réalistes
[Kill Rock Stars, 2002]





Se hoje, e em particular nos states, o saudosismo da "era" C86 é uma realidade indesmentível, durante cerca de duas décadas o carregar da bandeira da "causa" coube quase em exclusivo aos londrinos Comet Gain. Colectivo de formação pouco estável, no qual o mentor David Feck tem sido o único membro constante, não assenta apenas nas limitações que a catalogação indie tout court poderia sugerir. Mais do que isso, os Comet Gain são uma espécie de mods retardados, com predilecção por uma data de sonoridades de outras eras, o que deixa adivinhar uma veia coleccionista. Garage, punk, northern soul, riot grrrl, jangle pop, são os mais evidentes ingredientes do cocktail de bom-gosto que costumam ser os seus discos.

Depois de uns bons dez anos a pregar aos peixes, a banda começou a fazer-se notar com maior determinação no circuito indie mais atento. A responsabilidade por esta subida de nível cabe por inteiro a Réalistes, o quarto álbum da discografia e o primeiro a integrar o guitarrista Jon Slade, com currículo nos saudosos Huggy Bear. Sem suprir em absoluto alguma rugosidade que caracteriza as suas edições, os Comet Gain apresentam-se aqui com o disco mais polido à data, o que deixa sobressair a pop festiva das canções. A dar o mote, a abertura faz-se com o petardo "garageiro" de "The Kids At The Club", orgia de teclados ébrios e guitarras em desalinho cujo título, eventualmente, relembra as festas da tal "brigada do anoraque" de meados de oitentas. A mesma que é descaradamente citada em "Why I Tried To Look So Bad", pop-punk em despique vocal de Feck e Rachel Evans com dose de ingenuidade semelhante à de uns Talulah Gosh. A co-vocalista rende ainda mais em solitário, como bem atestam "Carry On Living" e "Don't Fall In Love If You Want To Die In Piece", baladas lo-fi dignas de uma Lolita confrontada com as primeiras mágoas do foro afectivo. Se este par temas permitem respirar mais fundo, outros, como o festim de sopros soul de "Labour", ou o ritmo frenético de "My Defiance", não dão qual concessão à preguiça e convidam à dança desenfreada. Neste último saliente-se a prestação nas seis cordas de Jon Slade, uma mais-valia presente ao longo de todo o disco.

Uma palavra ainda para as "estrelas" externas aos Comet Gain convocadas para Réalistes. É o caso de Kathleen Hanna (Bikini Kill, Le Tigre), que liberta um travo de rebeldia feminina nos guinchos vocodorizados do punkóide  e ruidoso"Ripped-Up Suite". Já Alan McGee, uma espécie de alma-gémea de David Feck, está presente apenas em espírito na versão de "She Never Understood" (dos "seus" Biff Bang Pow!), executada com competência e reverência.


"Why I Try To Look So Bad"


"My Defiance"


"Don't Fall In Love If You Want To Die In Peace"

sexta-feira, 23 de março de 2012

Mixtape #16: (Under)Covers - Vol. 2


Depois do "sucesso" da primeira leva, o April Skies sente-se encorajado a arriscar um segundo tomo repleto de versões. Uma vez mais, a escolha recaiu sobretudo em temas que, no original, são relativamente conhecidos das massas e, na versão, são substancialmente diferentes desse original. Como sempre, a coisa é gratuita e está há distância de dois cliques. Basta seguir o link para o efeito:



01. THE FEELIES _ "Everybody's Got Something To Hide Except Me And My Monkey" (The Beatles)
02. SANDIE SHAW _ "Hand In Glove" (The Smiths)
03. THE LEMONHEADS _ "Different Drum" (The Stone Poneys)
04. THE PASTELS / TENNISCOATS _ "About You" (The Jesus and Mary Chain)
05. THE THERMALS _ "Ballad Of Big Nothing" (Elliott Smith)
06. RAINY DAY _ "I'll Keep It With Mine" (Nico)
07. BEACH HOUSE _ "Some Things Last A Long Time" (Daniel Johnston)
08. VERONICA FALLS _ "Thorn In My Side" (Eurythmics)
09. TEENAGE FANCLUB _ "Like A Virgin" (Madonna)
10. LOVE POSITIONS _ "Kiss" (Prince)
11. DUM DUM GIRLS _ "Baby Don't Go" (Sonny & Cher)
12. BLACK TAMBOURINE _ "I Wanna Be Your Boyfriend" (Ramones)
13. THE SUNDAYS _ "Wild Horses" (The Rolling Stones)
14. ROWLAND S. HOWARD _ "White Wedding" (Billy Idol)
15. PAUL QUINN & THE INDEPENDENT GROUP _ "Superstar" (Carpenters)
16. BRITISH SEA POWER _ "Tugboat" (Galaxie 500)

terça-feira, 20 de março de 2012

Pop-punk de malte


















Não sei de ainda se lembram dos Terry Malts, uma das "apostas" aqui do tasco há quase um ano e na qual, à data, se depositavam grandes esperanças no que à música puramente lúdica diz respeito. Na altura traziam o selo de qualidade da incontornável Slumberland Records com um par de pequenos formatos numa linha pop-punk foliona em tudo devedora dos Ramones. Com temas curtos e directos, questionava-se o que estes intrépidos californianos poderiam render em formato longo.

A resposta chegou recentemente, por via do álbum Killing Time que, num primeiro contacto, deixa claro que os Terry Malts se mantêm fiéis aos temas de curta duração: são 14 em escassos 33 minutos. A costela Ramones continua bem presente (cf. "Waiting Room"), mas a veia catchy de homólogos britânicos como Buzzcocks e The Undertones parece também ganhar terreno. A título de exemplo, oiçam-se "Where Is The Weekend?", "I Do", ou "I'm No Good For You", todos eles irremediavelmente pop de não mais que três acordes. Convém ainda referir que o trio vai também à origem das suas fontes, citando a cada esquina os Beach Boys, inclusive surripiados na parte final do regravado "I'm Neurotic". Por esta altura já deverão ter percebido que não há nos Terry Malts qualquer intenção de profundidade intelectual. Em Killing Time, e como se presume que aconteça em palco, o mote é a diversão, com letras inteligentemente traquinas, muita cerveja, e energia juvenil a rodos.

"I Do" [Slumberland, 2012]

segunda-feira, 19 de março de 2012

Mil imagens #28

Jane's Addiction - Londres, 1988
[Foto: Joe Dilworth]

Singles Bar #73








PRIMAL SCREAM
Loaded
[Creation, 1990]





Há muito, muito tempo, ainda era concedido às bandas tempo para "crescerem". Em muitos casos, começavam de forma imberbe, iam refinando as ideias e, quando valiam realmente a pena, lançavam o disco definitivo. Que o digam os Primal Scream, que se lançaram como um combo jangle-pop obcecado pelos Byrds e mais umas quantas lendas dos bons velhos sixties que não parecia ir a lado nenhum. Praticamente condenados a constar como nota de rodapé no livro indie-pop britânico da segunda metade de oitentas, um golpe de rins, com os ouvidos na dançante Madchester, catapultou-os para a estratosfera e, pelo caminho, moldou uma boa parte da música da década de 1990.

Para tal bastou a transfiguração de um tema dessa fase menor, uma daquelas baladas com as quais, de quando em vez, Bobby Gillespie deixa libertar o soul man interior. Quem não acredita, pode conferir a versão original de "I'm Losing More Than I'll Ever Have" no lado B da rodela. A parte de leão pelo mérito no volte-face da carreira dos Primal Scream tem de ir para Andrew Weatherall, responsável pela remistura, de tal forma radical que gerou um tema completamente novo. Do original, "Loaded" aproveita apenas resquícios: os sopros, partes da letra, partes do piano de Martin Duffy. O resto faz-se de uma significativa alteração rítmica, assente num loop hipnótico, coros gospel, e invectivas de Gillespie ao hedonismo. A dar o mote, logo no começo, o sample das palavras de Peter Fonda no filme The Wild Angels (e não Easy Rider, como erroneamente se diz por aí), de Roger Corman, confere um certo tom de transgressão. Para a celebração contribuem ainda samples avulsos das mais diversas proveniências. 

O sucesso da experiência havia de conhecer novos desenvolvimentos na ligação da banda com Weatherall, culminando no incontornável Screamadelica. Mais do que um álbum, este disco é uma colecção de singles, remisturas, e experiências várias, de uns Primal Scream que descobriram o poder libertário da dança sem deixar de lado o sentir rock. Independentemente disso, ninguém me irá desmentir se afirmar que o disco é banda sonora indissociável desses alvores de noventas em que o mais importante era to have a good time.


terça-feira, 13 de março de 2012

O jogo das diferenças #5

LEONARD COHEN
The Best Of Leonard Cohen
[Columbia, 1975]

WEEN
The Pod
[Shimmy-Disc, 1991]

segunda-feira, 12 de março de 2012

Peel slowly and see


Quarenta e cinco anos são uma eternidade. Há quarenta e cinco anos ainda nem muitos de nós tinham sequer nascido. No entanto, já alguém estava a congeminar algo que condicionaria as nossas vidas para sempre. Três músicos nova-iorquinos, um galês, uma alemã com carreira como modelo, todos sob o comando perverso de Andy Warhol, deram à luz o disco que, como nenhum outro, até à data ou desde então, gerou tamanha e tão notável descendência.

Sobre The Velvet Underground & Nico disse um dia um tal de Brian Eno que poucos o ouviram à data da sua edição, mas desses, a maioria veio a formar bandas. O que diz o "aristrocrata inglês" vale o que vale, mas o que é certo é que, a partir destes onze temas saídos das caves esconsas de Nova Iorque, das perversões de Lou Reed, do academismo arisco de John Cale, das descargas eléctricas de Sterling Morrison, das pancadas secas e minimalistas das baquetas de Maureen Tucker, do desencanto gélido de Nico, foi pensada muita da música mais excitante dos finais do século XX. Basta pensar que, sem The Velvet Underground & Nico, talvez nunca tivéssemos ouvido falar de bandas da dimensão e impacto de uns Big Star, The Modern Lovers, Television, Suicide, Joy Division, Sonic Youth, The Jesus and Mary Chain, Dinosaur Jr., Spacemen 3, My Bloody Valentine, Galaxie 500, Teenage Fanclub, Ride, Nirvana, e a lista continua por aí fora... Por arrastamento, é quase certo que eu não estaria aqui a escrever uma data de banalidades. Comemoremos então este 45.º aniversário "descascando a banana" e atirando a rodela inclusa para a estereofonia. Alto e bom som, de preferência.

"Sunday Morning" [Verve, 1967]

"Venus In Furs" [Verve, 1967]

domingo, 11 de março de 2012

Shake, baby shake!
















O casal Jihae e Wallace Meek (sobrinho-neto do lendário Joe Meek) conheceu-se em Glasgow, cidade que é quartel-general de um batalhão de artesãos pop. A dupla correu mundo em busca da melodia perfeita, e acabou por assentar arraiais em Los Angeles, onde encontrou outras almas gémeas com as quais formou a banda The Champagne Socialists. Foi já rebaptizados Neverever que, em 2010, lançaram o delicioso Angelic Swells, um álbum banhado por um sol tão intenso quanto os de conterrâneos como Best Coast ou Dum Dum Girls.

Ainda sem o reconhecimento dos seus pares, os Neverever acabam de regressar às edições discográficas com Shake-a-Baby, um EP que, à semelhança do anterior registo, leva selo da incontornável Slumberland Records. Nos cinco temas que o compõe, a banda vem, uma vez mais, revelar um espectro mais alargado que o da "concorrência", não se ficando pela recuperação das girl bands de sessentas à mistura com a twee-pop pós-C86. Ao longo da audição, são também detectáveis coros harmoniosos à la Beach Boys, elementos  power-pop, e até um ligeiro travo glam. Como anteriormente, a estrela da companhia é a gata assanhada Jihae Meek que, com o seu timbre único, tanto lembra uma Deborah Harry de outras eras, como uma miríade de cantoras das citadas girl bands.


"Wedding Day" [Slumberland, 2012]

sábado, 10 de março de 2012

R.I.P.


JOHN GRABSKI III

"I know my old coffee-drinking partner Jack Endino would love this, and I now I love this, and I know Steve Albini loves this, and I know Thurston Moore would love this, and I know Mudhoney would love this, and I know Gary Jarman loves this... and bangs wept. How much more of a fucken recommendation do you need?" - Everett True

Não abunda por essa "rede" informação sobre John Grabski, sendo que a maior parte dela se refere à longa batalha contra o cancro perdida ontem. E é pena que não tenha sido reconhecido em vida este músico dos arredores de Nova Iorque, com um sentir rock que já rareia nos tempos que correm. Chegou aos meus ouvidos recentemente, graças às recomendações sempre certeiras de Everett True, como Teeth, o projecto pessoal para o qual também contribuiu o irmão Benjamin. 

Foi sobre essa denominação que Grabski lançou, há poucos dias, o álbum The Strain, montanha russa de emoções em trinta minutos gravados sob a supervisão de Steve Albini. Alinhado na facção mais crua e descarnada do rock, The Strain recupera para o presente o bom velho grunge, aquele que se fazia pouco antes de o "rótulo" ser tomado por uma indústria ávida de cifrões à custa da reactualização do rock mais ortodoxo e "azeiteiro". Tenho a certeza que fará as delícias dos adeptos de uns Nirvana da era Bleach, de uns Mudhoney e de uns Melvins do começo, de uns Shellac, ou até de uns The Jesus Lizard. Vale a pena conferir e iniciar já a contagem decrescente para a divulgação de um segundo álbum que, ao que consta, ficou gravado antes da morte demasiado prematura de Grabski.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Selo de Qualidade #4















POSTCARD RECORDS OF SCOTLAND
Glasgow, Escócia [UK], 1979-1981; 1992-1995

Na vastidão do universo pop, e numa visão mais apaixonada que mercantilista, a importância de algo, seja uma banda, seja uma editora, não deverá ser medida pelos sucessos alcançados, mas sim pela herança que deixa para o futuro e que se reflecte na música que lhe sucede. Tomemos como exemplo a Postcard Records, nascida da mente de Alan Horne, um melómano a tempo inteiro mas um gestor de fraca qualidade, que nos pouco mais de dois anos de intensa actividade (se nos restringirmos à primeira vida, a que importa reter) ajudou a estabelecer as bases daquilo que é (ou já foi?) conhecido como indie-pop e inspirou a fundação de outras editoras significativas, como a Creation ou a Sarah. Para tal não foi necessário mais que uma dúzia de singles certeiros e um álbum, este, para que conste, lançado a contragosto da banda com o nome impresso na capa.

Sob o mote The Sound of Young Scotland, numa clara alusão à fábrica de hits da Motown, Horne tinha como meta o sucesso das novas bandas pop da Escócia natal, todas elas com reverência pelo passado e semi-indiferentes às movimentações post-punk que ocorriam mais a sul. Como bom escocês, claro está, gostava de afrontar Londres. Em Edwyn Collins, mentor dos Orange Juice encontrou uma alma gémea, e na sua banda, com igual obsessão pela soul e pelo funk como pelos Velvet Underground e pelos Byrds, o cartão de visita da editora. Nos meses que se seguiriam, até à bancarrota que implicou uma morte prematura, a Postcard lançaria quase tantos registos dos Orange Juice como de todas as outras bandas juntas. Uma dessas bandas foram os australianos The Go-Betweens que, antes de tentarem a sorte em Londres, assentaram arraiais em Glasgow. A ligação foi breve e não rendeu mais que um single, este assente numa estética jangle distante da pop agridoce imaculada da fase dourada da banda. Fora de Glasgow, Horne também a rede aos Josef K, banda de Edimburgo substancialmente mais cinzenta que os coloridos Orange Juice e com um forte cunho literário na sua jangle pop instrospectiva. Pertencer-lhes-ia o único álbum desta primeira vida da Postcard, ainda assim editado contra a vontade da banda insatisfeita com resultado. Este facto, somado da má gestão do sonhador Horne, e da partida dos Orange Juice para uma multinacional, precipitaria um fim que, nas palavras dos protagonistas, sempre esteve eminente. Pelo caminho, houve ainda tempo para a descoberta do talento adolescente Roddy Frame, tal como Edwyn Collins com uma fixação obsessiva pelos sons west-coast de sessentas. À frente dos Aztec Camera, Frmae daria à editora o par de singles mais bem acabados sob um ponto de vista audiófilo.

No início da década de 1990, e com alguns diferendos aparentemente sanados, Alan Horne reactivou a Postcard. O propósito motivador desta ressurreição foi o lançamento da carreira de Paul Quinn, uma espécie de crooner que, no passado, tinha cedido a sua voz singular a coros de canções dos Orange Juice. Em seu redor reuniu o The Independent Group, composto na totalidade por músicos com passado ligado à Postcard. Esta iniciativa renderia um par de álbuns, o último dos quais - Will I Ever Be Inside Of You - um dos tesouros perdidos de noventas e autêntico objecto de culto em círculos restritos. Antes de desaparecer novamente do mapa, sem contudo oficializar um fim definitivo, Horne não perderia o ensejo de lançar um dos álbuns de The Nectarine No. 9, projecto de Davey Henderson, antigo líder dos Fire Engines que, curiosamente tinham sido um desejo gorado de Horne na "primeira" Postcard, algo que ficou a dever-se ao curto período de actividade tanto da banda como da editora.

10 DISCOS ESSENCIAIS (8 singles + 2 álbuns)
  • ORANGE JUICE _ Falling And Laughing [1980]
  • ORANGE JUICE _ Blue Boy [1980]
  • THE GO-BETWEENS _ I Need Two Heads [1980]
  • JOSEF K _ It's Kinda Funny [1980]
  • ORANGE JUICE _ Simply Thrilled Honey [1980]
  • AZTEC CAMERA _ Just Like Gold [1981]
  • JOSEF K _ Sorry For Laughing [1981]
  • JOSEF K _ Only Fun In Town  (álbum) [1981]
  • AZTEC CAMERA _ Mattress Of Wire [1981]
  • PAUL QUINN & THE INDEPENDENT GROUP _ Will I Ever Be Inside Of You (álbum) [1994]

segunda-feira, 5 de março de 2012

His bloody Valentina
















"The boy Gedge has written some of the best love songs of the Rock 'n' Roll Era. You may dispute this, but I'm right and you're wrong!" - John Peel

Porém, de David Gedge não se espera a "canção de amor" formatada, pejada dos estereótipos que seis décadas de pop/rock estabeleceram. Dele esperam-se temas de uma visceralidade pungente, mais vezes versando uma dor-de-corno à boca cheia do que propriamente as virtudes da "coisa". Nesse particular é um mestre da escrita, vai para mais de um quarto de século. Primeiro com os The Wedding Present, autênticos embaixadores da causa indie, depois com os Cinerama, dupla conjunta com a então companheira Sally Murrell. O fim destes últimos, segundo o próprio Gedge derivado de as histórias das canções se terem tornado uma realidade, motivou o regresso dos TWP (com uma formação renovada), que desde 2004 já levam dois óptimos álbuns em linha com a faceta mais contemplativa dos Cinerama.

O terceiro (oitavo no todo) chegará em breve, mais precisamente dentro de duas semanas. Chama-se Valentina e, se não recupera totalmente a rispidez das guitarras dos primórdios, pelo menos parece querer reviver alguma da aceleração desses tempos. É o que nos leva a crer a amostra infra, e também algumas resenhas avulsas que classificam já Valentina como um dos melhores trabalhos da banda, em qualquer das suas encarnações. Pela parte que me toca, e à cautela, já não peço um novo Seamonsters (1991), pois tal parece-me irrepetível nesta fase, mas aguardo com as expectativas em alta a chegada do próximo dia 19. E já que falamos em Seamonsters, vai ser esse o disco que os TWP vão, em breve, andar a tocar por essa Europa onde ainda acontecem concertos que fujam à ditadura hipster. Cá por casa, já se entrou na contagem decrescente para o dia em que vão aterrar aqui.

"You Jane" [Scopitones, 2012]

domingo, 4 de março de 2012

Good cover versions #63











THE JESUS AND MARY CHAIN _ "Surfin' USA" [Blanco y Negro, 1988]
[Original: The Beach Boys (1963)]



Os Mary Chain discípulos dos Beach Boys?! E porque não?! Se é certo e sabido que os irmãos Reid herdaram a tendência para a ruideira dos Velvet Underground, o afecto pela canção imaculada das produções de Phil Spector, e a atitude de confronto da rebelião punk, também é indesmentível a sua devoção pelas sinfonias adolescentes de Brian Wilson e seus pares. Se não por via directa, esta transferência do sol da Califórnia para as nebulosidade da Escócia terá passado pelos Ramones, também eles praticantes da canção inane e, portanto, o mais que provável elo de ligação.

Sem grande surpresa, e em pleno pico de popularidade, os irmãos Reid pegaram num dos hits iniciais das estrelas maiores da surf-pop, um contraponto à atmosfera sombria de Darklands, o álbum que estava na ordem do dia. Na empreitada nem sequer se deram ao trabalho de operar uma transformação radical. Bem pelo contrário, toda a base melódica de "Surfin' USA" é mantida com uma reverência por algo sagrado. Não deixaram, contudo, de imprimir à versão o seu cunho pessoal, bem expresso no muro de guitarras distorcidas e em algumas partes vocais com uma boa dose de alienação. Meio a sério, meio a brincar, o que é certo é que, por instantes, o sonho americano foi uma forte possibilidade...

quinta-feira, 1 de março de 2012

Kid pre-A
















Tempos houve, antes dos proveitos retirados do sucesso dos Franz Ferdinand ou dos Arctic Monkeys, em que a Domino Records era casa quase certa de toda a música pop mais desafiadora que se fazia no Reino Unido. Nesse tempos em que o risco e a aventura eram uma prioridade, uma das contratações da editora londrina foram os Hood, colectivo de Leeds que, desde 1991, gira há volta dos irmãos Chris e Richard Adams. Praticantes de uma música de cariz reflexivo, em que a electrónica e os instrumentos analógicos convivem sem diatribes, os Hood estiveram na base, juntamente com os Talk Talk, os Bark Psychosis, ou os Disco Inferno, daquilo a que um dia Simon Reynolds chamou post-rock, muito antes de o "rótulo" ficar quase exclusivamente colado a uma certa forma de fazer rock instrumental progressivamente mais enfadonho. Ouvintes atentos devem ter sido os Radiohead, que de há uma meia dúzia a esta parte andam a vender a fórmula às massas, abertas à "esquisitice" desde que praticada pelas suas vacas sagradas.

Se a "provocação" da última frase vos espicaçou a curiosidade, recomendo-vos vivamente Recollected, a caixa de seis CD que a Domino acaba de lançar numa edição limitadíssima. No pacote podem encontrar a totalidade da obra dos Hood desde o início da ligação a editora, nomeadamente os quatro álbuns, uma compilação com os temas dos singles e dos EPs, e um disco com as raríssimas Hood Tapes. De fora, por razões óbvios, ficou o par de álbuns prévio lançado pela excelsa Slumberland. Do todo, destaca-se a obra-prima Cold House (2001), também merecedora de reedição isolada em vinil. Ponto de encontro de discretas pinceladas de guitarra e piano com a electrónica glitch, e com algumas derivações jazzísticas, Cold House é um disco granuloso, introspectivo e com um algum apelo pastoral que, grosso modo, resulta como uma espécie de Arab Strap depois de uma (suave) injecção de ritmo. À voz de Chris Adams, normalmente próxima de uma cadência spoken word, juntam-se Doseone e Why?, dois terços dos seminais cLOUDDEAD. São eles os responsáveis pelos "rappanços" alienados num trio de temas, contributo decisivo para o pendor esquizóide do conjunto.


"They Removed All Trace That Anything Had Ever Happened Here" [Domino, 2001]


"Useless" [Domino, 1997]