"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel
Momento de relaxamento captado em estúdio, durante o interminável processo de gravação do histórico Loveless (1991). Como é do conhecimento geral, os quase três anos de indefinições e adiamentos, quase custavam a sobrevivência financeira da editora da banda. Pelo menos, é essa a versão dos factos de Alan McGee, patrão e fundador da Creation Records. No chão vislumbram-se alguns pedais de distorção, em número ínfimo quando comparados com os que supomos terem sido utilizados no disco. No olhar vago de Kevin Shields talvez se presssinta o perfeccionista obsessivo, protagonista de um das mais célebres hibernações da história da música popular.
Apenas descobertos pelo grosso dos melómanos europeus há coisa de meia dúzia de anos, os Modest Mouse eram desde há muito uma referência obrigatória para o público indie norte-americano. De tal forma que, ainda a década passada estava no seu dealbar, e sem as facilidades de divulgação hoje concedidas pela internet, e a banda dos arredores de Seattle era já assediada pelas multinacionais. Curiosamente, contrariando a máxima do fundamentalismo indie, a estreia dos Modest Mouse numa editora grande dá-se com o seu disco mais denso, complexo e impenetrável. Mas também o de efeito mais perene e viciante, depois da assimilação que sucede à sensação de exaustão deixada pelo primeiro contacto. Muita da carga dramática de The Moon & Antarctica advém da riqueza estonteante da letras, concebidas como uma reflexão profunda sobre a inevitabilidade da morte num mundo cínico, hipócrita, e à beira da paranóia colectiva. Alguma perspicácia permite-nos detectar nas letras uma afinidade com os primeiros romances de Douglas Coupland, ou até com a atracção pelo absurdo dos tutelares Pavement. Contudo, o letrista personalizado que é Isaac Brock esquiva-se airosamente da relativa espiritualidade do escritor canadiano, e consegue ser mais inteligível que Stephen Malkmus.
Os temas que compõem The Moon & Antarctica, em número de quinze, podem dividir-se em três sequências não completamente delineadas: uma primeira mais introspectiva, uma intermédia mais desesperada, e uma final mais redentora. Próximo da hora de duração (algo extenso para os parâmetros actuais), o disco frui-se num ápice, tal a intensidade com que o constante carrossel de emoções e sensações se gruda aos tímpanos. Apesar de hoje serem reconhecidos pela urgência que imprimem em cada tema, mormente reflectida na voz de Brock, os Modest Mouse de há dez anos revelavam-se mais inventivos nos números mais contidos, de maior pendor acústico. É nestes temas que a experimentação vai mais longe, revelando novos detalhes a cada audição, seja a percussão invertida do soberbo "Gravity Rides Everything", as interferências electrónicas na melancolia de "The Cold Part", ou as cordas em estado líquido de "Lives". Já os temas mais exuberantes ("Dark Center Of The Universe", o longo e nuclear "The Stars Are Projectors", "Paper Thin Walls") estão a meio caminho da esquizofrenia derivada do post-punk a que os Modest Mouse nos habituaram nos últimos anos. Equidistante das duas tendências está o inaugural "3rd Planet", tema bipolar de mudanças rítmicas abruptas. A habitual bizarria fica a cargo de "Tiny Cities Made Of Ashes" que, movido pela propulsão de um baixo funky, soa a antepassado remoto de algumas manifestações hip-hop "bastardas" de tempos recentes.
No caldeirão flower-power da Califórnia de finais da década de 1960, os Stone Poneys representam pouco mais do que uma curiosidade para completistas. São lembrados, essencialmente, pela banda que revelou Linda Ronstadt, uma cantora que, nos tempos que correm, preferimos nem lembrar. O outro grande feito dos Stone Poneys foi terem sido os primeiros a gravar "Different Drum", canção escrita para eles por Mike Nesmith (estrela da música e da televisão enquanto membro dos Monkees e compositor de méritos reconhecidos) e que já quase se tornou um standard da música popular. Folk-pop da melhor safra, "Different Drum" exala uma inocência que combina em pleno com a voz e a imagem da Ronstadt de então.
Na etapa inicial da sua existência, os Lemonheads eram apontados - com alguma justiça, diga-se - como um mimetismo imberbe dos Dinosaur Jr.. O ponto de viragem, quer em termos de identidade, quer em termos de afirmação, dá-se com ua versão de "Different Drum", lançada em single em 1990. Deixando para trás a ruideira algo inconsequente, Evan Dando e seus pares alinham agora pelo power-pop profusamente melodioso e carregado de energia juvenil, marcas identitárias das várias encarnações da banda de Boston de então para cá. Para tal, a escolha de um tema que aborda um desencontro amoroso adolescente parece-me mais que acertada. Ao mesmo tempo que nos apresentava uns Lemonheads renovados, "Different Drum" era um dos primeiros sinais da enorme capacidade de Dando para recuperar canções alheias semi-obscuras, tratando-as como se tivessem saído da sua pena.
Quando se fala da Stiff Records vem de imediato à ideia a new wave mais angular e algumas das suas contaminações pela música vinda da Jamaica, e nunca em projectos com a sobriedade e a elegância dos Furniture. Com origem na capital britânica, esta banda mui sui generis percorreu toda e década de 1980 como um corpo estranho às sucessivas tendências, tal como o foi na editora que lhe deu guarida. Descrever a música dos Furniture em termos puramente simplistas é sugerir um meio-termo entre a profundidade lírica de uns Echo & The Bunnymen "urbano-depressivos" e a sofisticação com pitadas de soft-jazz dos Style Council, Swing Out Sister, e projectos aparentados.
Como já se terá percebido, dada a orientação estética e o relativo deslocamento temporal, em termos de reconhecimento público, não foi fácil a vida dos Furniture. Ainda assim, na sua fase intermédia, ousaram tanger o sucesso. O quase-hit foi "Brilliant Mind", um tema que, em menos de quatro minutos, sintetiza o avant-pop da banda e, também, alguns dos traços da produção tipicamente eighties: grandiosidade épica, abuso dos ecos, baixos profundos, teclados bruxuleantes, e carga dramática excessiva. O que é certo, é que, apesar de todos estes tiques de época, "Brilliant Mind" não deixa de ser uma grande canção em qualquer tempo. Arriscaria até, à frente do seu tempo. É essa a conclusão a que chego quando os meus tímpanos são violentados por produtos de plástico saídos da fabricação em série contemporânea do género Editors, White Lies e quejandos. Tivessem esses metade do substrato dos Furniture e encontrariam aqui um adepto incondicional.
Para os interessados ou meros curiosos, fica a informação adicional obrigatória: a incansável Cherry Red Records acaba de reeditar, com carradas de extras, The Wrong People, o álbum que alberga este tema, simplesmente... brilhante!
Ainda há pouco aqui dava conta da edição da colectânea que reúne os primeiros trabalhos dos Japandroids, e os rapazes reincidem com boas novas. Ou, reformulando, talvez não tão novas quanto isso. Desde Abril, a dupla de Vancouver, Canadá, tem em mãos uma série de cinco lançamentos em formato 7" limitada a 2500 exemplares cada, resultantes das gravações ocorridas nos intervalos das tournées de promoção ao fulgurante Post-Nothing (2009). O primeiro, já esgotado, tem por título genérico Art Czars e, para além desta tema, inclui uma estrondosa versão de "Racer X", tema emblemático dos seminais Big Black, no lado B. Chegaram atrasados? Eu também! Resta-nos ouvi-la aqui. Igual estratégia será adoptada nos restantes singles da série, ou seja, original no lado A, versão no lado B. O próximo chega em Julho e dá pelo título de Younger Us. Inclui uma versão de "Sex And Dying In High Society", original dessa instituição do punk norte-americano que dá pelo nome de X, e está já disponível para reserva no sítio oficial da Polyvinyl Records. Depois digam que não foram avisados...
Chegou ontem, discretamente, na opinião dos adeptos de dias a fio de autêntica fornalha. Preferências térmicas à parte, o que é certo é que ontem foi o dia mais longo do ano, aquele que marca o início oficial da estação quente. Está então inaugurado aquele período em que não nos apetece pensar nos pequenos problemas do dia-a-dia, muito menos na interminável crise económica. Para esta época de descompressão, exige-se música a condizer: leve, descomprometida e, em muitos casos, banhado por um sol radioso. Assumindo o seu estatuto de blogue de serviço público, e pelo segundo ano consecutivo, o April Skies orgulha-se de apresentar uma tentativa de banda sonora para o vosso Verão que, julgo, cumpre todos requisitos supra citados. Ao todo são dezoito temas, recolhidos essencialmente do melhor da produção mais recente. Não faltam, contudo, alguns - poucos - flashbacks a um passado que teima em perdurar. Está ao vosso dispor, logo a seguir ao alinhamento:
REAL ESTATE _ "Beach Comber"
THE PERNICE BROTHERS _ "Working Girls (Sunlight Shines)"
Piano, contrabaixo e bateria é uma combinação que imediatamente associamos ao jazz. Porém, quando se fala de The Necks, o género musical nascido em Nova Orleães há coisa de um século só faz sentido quando precedido do grau superlativo do adjectivo free. Rezam as crónicas que, em concerto, este trio australiano, a dinamitar as convenções genéricas há quase 25 anos, raramente se repete. Se assim é, sinto-me um felizardo por ter assistido a uma prestação deveras cativante, onde a estranheza só é detectada por ouvidos fechados a qualquer ruptura com os padrões. Deve ser esse o caso das duas jovens sentadas ao meu lado que, ainda Lloyd Swanton não tinha acabado de pousar o contrabaixo ao fim do primeiro trecho, e já saltavam da cadeira como que movidas por uma mola gigantesca.
O concerto compõem-se simplesmente de dois longos trechos (a rondar os 40 minutos de duração cada), intercalados por um intervalo de 15/20 minutos. O primeiro começa em lenta progressão minimalista, com os instrumentos a entrarem à vez, evitando atropelos. Nesta parte detecta-se o empenho no detalhe por cada um dos músicos. Gradualmente, os sons colidem e, sem sobressaltos, arrastam-nos numa deriva aparentada do kraut-rock, uma das influências nunca disfarçada pelos The Necks. No trecho apresentado após o intervalo, a mudança rítmica é mais abrupta, com o trio a evoluir rapidamente de sons esparsos para um aparente caos de efeitos hipnóticos. Aqui, com os sentidos toldados, é com deleite que se verifica a mestria dos músicos, capazes de sugerir imagens oníricas a partir da deliberada indisciplina, em particular o baterista Tony Buck, dono de uma precisão que vai para além do sobre-humano.
Formação: Ryan William Lynch, Hannah Hunt Origem: San Francisco, Califórnia [US] Género(s):Pop, Indie-Pop, Twee-Pop, Jangle-Pop Influências / Referências: Felt, Belle & Sebastian, Girls, McCarthy, Arthur Russell
Se o mundo que habitamos fosse um mundo justo, o dia de hoje estaria marcado com um círculo a vermelho na agenda pop nacional ou, quiçá, internacional. O facto, raro, menosprezado pelos agentes noticiosos que preferem destacar o novo disco da miúda-dos-sapatos-vermelhos, é a chegada às lojas de um novo álbum dos Pop Dell'Arte, apenas o quarto numa carreira errática de mais de um quarto de século. Contra Mundum dista já quinze anos do superlativo Sex Symbol, oito anos do EP So Goodnight, e volta a contar com valiosa participação do guitarrista Zé Pedro Moura, em certos períodos da vida do grupo desavindo o o eterno iconoclasta João Peste. Em casa mora já o exemplar n.º 929 de uma edição limitada às 1000 unidades. Uma singela escuta permitiu aferir que o conjunto de treze temas que compõem Contra Mundum é uma espécie de súmula do percurso dos Pop Dell'Arte, não conhecendo qualquer tipo de espartilhos estilísticos e/ou linguísticos. Esperem então encontrar por aqui mais uma série de subversões aos códigos da pop: declamações a capella, aparentados de vaudeville, releituras da new wave, romantismo decadente, relatos de submundos, ou números de disco mutante cantados em onomatopeias non-sense. "Ritual Transdisco", o fabuloso tema que serviu de avanço, disponível para audição aqui, inscreve-se nesta última categoria.
Surgiram em Brighton, em inícios da década passada, com o propósito de acrescentar as sonoridades garage e psychobilly à vaga rock que então despontava. A música explosiva dos The Eighties Matchbox B- Line Disaster, que alguém já catalogou de gothabilly, serviu de inspiração a uma série de novas bandas, de entre as quais se destacam The Horrors. Quando já os dávamos como acabados, interrompem um silêncio de seis anos, período aproveitado para tratar de alguns problemas relacionados com o consumo de substâncias tóxicas. Revigorados e com algumas mexidas na formação, no novo Blood & Fire, os 8os continuam a justificar o epíteto de herdeiros directos dos doentios Birthday Party. Façam o favor de conferir pelo primeiro single:
"It’s about revelation. It’s about the knowledge that life is there for the taking during the long train trips from the Lake District to Glasgow (where the sky suddenly lights up in the final few minutes, during the approach to the city). It’s about the way friendships can outstrip distance. It’s about moving forwards, and staying with the familiar, and trying out the unfamiliar, and feeling secure. It’s about being aware of your own situation and limitations and not minding one way or another. It’s about being depressed but knowing there’s always a way out of the depression: there are apple trees waiting to be scrumped, there are always harmonies waiting to be sung. It’s about believing in the healing powers of your lover’s arms. It’s about spontaneity and continuous reworking, and craftsmanship, and escape into sound. It’s about variable geography."
É com estas palavras, inspiradas e perfeitamente ajustadas, que Everett True, o jornalista musical responsável pela apresentação dos Nirvana ao público britânico, inicia uma resenha insuflada do disco que mais tem tocado nesta casa nas últimas duas semanas - o novo dos escoceses Teenage Fanclub. Depois de dezenas de escutas estou em condições de afirmar que, afinal, Shadows não é o álbum carregado de negrume que se anunciava. Apesar do ar outonal que exala, o nono álbum dos Fannies irradia luz sob todos os ângulos. Ultrapassada a pré-crise da meia idade reflectida no pálido Man-Made (2005), os três magníficos cantores-compositores de Glasgow (o romântico incurável Norman Blake, o consciente Gerard Love, o reflexivo Raymond McGinley) tiram agora o melhor partido da sensatez que advém da idade. A partir da dinâmica que deriva de três diferentes sensibilidades, fazem deste (mais) um disco de celebração da vida e da amizade, algo que aprendemos a valorizar com o passar dos anos. Não esperem, pois, encontrar as inanidades pueris do incontornável Bandwagonesque (1991). Vão antes à procura da maturação do contido, e igualmente valioso, Grand Prix (1995). No fundo, Shadows é a assimilação definitiva das influâncias nunca escondidas a partir das quais os Fannies moldaram uma personalidade própria: Big Star á cabeça, The Byrds e The Beatles mais dissimulados. É o atestado de que os Teenage Fanclub são daquelas (poucas) bandas que souberam envelhecer com graciosidade. É lá que podem encontrar a mais cintilante gema pop que o corrente ano produziu:
Em 1997, com os The Wedding Present (TWP) em banho-maria, David Gedge decide mudar de rumo. Juntamente com a companheira de então Sally Murrell a formar o núcleo duro, e uma série de colaboradores avulsos, forma os Cinerama. Pouco depois surge o primeiro álbum e, com ele, a evidência da mudança estética. Para os seguidores mais ferrenhos dos TWP, Va Va Voom representa um violento choque, abdicando em absoluto das guitarras ríspidas características da anterior banda de Gedge. O próprio ostenta agora uma nova forma de cantar, segura, terna, sem o angst por vezes berrado de outrora. Os onze temas que compõem o disco enveredam por uma toada elegante e sóbria, próxima das manifestações da pop mais sofisticada e classicista. Das melodias ternas despontam subtis arranjos de cordas, órgãos viscosos e, aqui e ali, uma guitarra wah-wah. Imaginamos as canções de Va Va Voom a servir de música de suporte a uma película filiada na tendância nouvelle vague, ou então a outra qualquer desenrolada no cenário de elegância da Swinging London. Desta propensão cinemática intencional deriva, precisamente, o nome dado ao projecto.
Mas, se musicalmente os Cinerama representam um corte abrupto com a dureza dos TWP, nas letras continuam a dispor do mais cruel analista das relações a dois que o Reino Unido pós-punk pariu. Logo no inaugural "Maniac", Gedge renega, inconsolável, o "fim de caso" que a voz feminina, no início do tema, decreta. "Hate" é o nosso bom David em modo de cinismo visceral, declarando ódio amragurado com uma ternura que faria inveja ao próprio Morrissey. O título do cúmulo da auto-comiseração, com o imploratório "Me Next" por perto, vai para "Ears", com Gedge a confessar a inevitibilade de escutar o provável alvo de uma amor platónico nos seus momentos mais íntimos. A presença, metade angelical, metade erótica, de Emma Pollock (The Delgados) só aumenta o realismo voyeurista até um nível próximo do embaraço. Dotado escritor de canções de amor, Gedge é também capaz de destilar em palavras a sua faceta positivista e apaixonada. São os casos do tratado de devoção de "Barefoot In The Park", da volúpia incontrolável de "You Turn Me On", ou do convite à dança em grandes salões do opulento "Dance, Girl, Dance".
A aventura Cinerama haveria ainda de render mais um par de álbuns e um sem-número de singles, nos quais Gedge aproveitou para refinar a fórmula iniciada em Va Va Voom. Em 2003, com o fim do relacionamento com Murrell, decretaria também o fim do projecto. Da formação entretanto aumentada e estabilizada emergeriam os renovados TWP que, de há meia dúzia de anos para cá, continuam a dar vazão à criação deste David Gedge amadurecido.
Numa entrevista já com alguns anos, Lawrence apontava o principal motivo para o fracasso do ambicioso plano traçado para os Felt: a falta do "patrocínio" de John Peel, fundamental à afirmação de qualquer banda do espectro indie britânico da explosão punk em diante. A excepção, dizia ainda, foi este tema, apenas porque contava com a participação de uma das vozes femininas endeusadas pelo malogrado radialista.
Estreados com um single que celebrava a distorção em prole da pop açucarada, os A.R. Kane assinalaram com o segundo registo naquele formato um breve passagem pela 4AD, então a editora que abrigava alguns dos mais arrojados projectos avant-pop. Na demanda do "som perfeito", contaram com a ajuda do produtor da "casa" - Robin Guthrie dos Cocteau Twins. Desta ligação efémera resultaram apenas três temas, reunidos no 12" Lollita. O tema-título assenta numa base de guitarra acústica e tapete sonoro ambiental. O torpor induzido desde o primeiro instante é apenas ameaçado pelo riff liquifeito do refrão. Embalado pela voz planante de Rudy Tambala, "Lollita" é primeiro assomo da pop idílica em que a dupla londrina se especializou no curto par de álbuns, fundamentais mas menosprezados, que compõem a sua obra. O primeiro b-side - "Sado-Masochism Is A Must" - distingue-se do anterior pela investida na electricidade, com generosas camadas de guitarra em cascata aplicadas sob estática que, no fundo, mais não são do que o reflexo da imagem de marca do produtor. Ambos os temas comungam do gosto pela abordagem às preversões sexuais que marcou todo o percurso discográfico do projecto. No final, "Butterfly Collector" é uma das criações mais radicais de toda a carreira dos A.R. Kane. Inicia-se em regime contemplativo, como que antecedendo o contingente shoegazer que espreitava ao virar da esquina, para se diluir gradualmente numa descarga de ruído industrial. Tema atípico, "Butterfly Colector" acaba por representar o espírito aventureiro pelo qual sempre se pautaram os A.R. Kane, uma banda com tanto de pioneira como de negligenciada.
Christian Lantry é, actualmente, um dos mais conceituados "fotógrafos rock" norte-americanos. É também dos mais bem relacionados no meio indie e/ou "alternativo". Enquanto aquela publicação teve edição física, foi habitual colaborador da revista Magnet, para a qual realizou a sessão de que resultou esta imagem. O conceito por detrás da sessão foi inspirado por uma fotografia premiada da autoria de Sandy Skoglund e, segundo Lantry, só foi possível graças à total abertura e ao sentido de humor muito peculiar dos Yo La Tengo, que aqui se apresentam como uma espécie de Teletubbies indie.
Ao fim de três anos de silêncio, os fulgurantes The Ponys dão finalmente sinais de vida. O novo registo é um EP de cinco temas, intitula-se Deathbed + 4 e, presume-se, antecede o quarto álbum que se espera para breve. Nos primeiros três temas deste pequeno formato, o quarteto de Chicago destila um inusitado negrume, como que a sugerir aos Interpol qual deveria ter sido o rumo após o primeiro disco (para melhor entendimento, é favor aferir a amostra que se apresenta). Nos dois temas remanescentes, entre eles uma regravação do já distante "Pop Culture" (2004), a banda investe nas descargas de energias insufladas de psicadelismo que são já a sua imagem de marca.
San Miguel Primavera Sound 2010 @ Parc del Fòrum - Barcelona, 27 a 29/05/2010
Cada regresso do Primavera é marcado por um misto de cansaço e tristeza. Desta vez, à tristeza inerente ao fim da longa maratona anual junta-se a tristeza de não ter aguentado o concerto dos mui venerados Built to Spill durante mais que três temas - o constante charlar de nuestros hermanos e os incontáveis encontrões derivados do incessante vai-vem de gente não combinam com a intensidade da música de Doug Martsch e C.ª. Ainda como nota negativa, registe-se o som "embrulhado" comum a muitos concertos, com especial incidência no palco Pitchfork. Que o digam os Antlers, que se ficaram pelo óptimo, quando, noutras condições, teriam sido memoráveis. Relativamente à edição anterior, o PS2010 ganhou em público aquilo que perdeu em surpresas provocadas por bandas novas. À falta de grandes revelações, o "meu" Primavera caracterizou-se por um longo exercício de saudosismo - espectáculo com bailarinos e mudanças de cenário incluído -, o que me leva a pensar que estou a ficar velho. A reforçar esta tese, atente-se no Top 12 abaixo, elaborado já "a frio" e deixando de fora os concertos a que assisti apenas "de relance".
PAVEMENT
JAPANDROIDS
THE CHARLATANS performing Some Friendly
TITUS ANDRONICUS
SUPERCHUNK
MICHAEL ROTHER & FRIENDS present Neu! Music
REAL ESTATE
THE ANTLERS
PIXIES
WIRE
PET SHOP BOYS
DUM DUM GIRLS (@ Parc Joan Miró, 30/05/2010)
Bom: Surfer Blood; BEAK>; Shellac; Liquid Liquid; The Clean; Pixies; Best Coast; Apse; Built to Spill; The Fall; Les Savy Fav
Suficiente: Bis; Fuck Buttons; Harlem; The Slits; HEALTH; The xx
Medíocre: Broken Social Scene; The New Pornographers; Condo Fucks
Abaixo de cão: The Bloody Betroots Death Crew 77; Marc Almond; Sic Alps