HOLE
Live Through This
[Geffen, 1994]
Presa fácil junto de uma certa imprensa ávida da pequena controvérsia, Courtney Love terá esticado a corda ao editar novo álbum - o segundo - dos Hole apenas uma semana após o suicídio de Kurt Cobain (ou quatro dias após o conhecimento público, se preferirem). A mesma imprensa céptica dos créditos da senhora, que certamente argumentou que esta era uma manobra bem orquestrada de marketing, é precisamente o principal assunto motivador da escrita de Live Through This, o disco que resgatou a banda do estatuto de curiosidade underground para a primeira linha do chamado "rock alternativo" de noventas. O título, obviamente pensado antes do fatídico dia 5 de Abril de 1994, tem portanto muito de pessoal, não se referindo propriamente ao luto da viuvez, mas antes à constante referência a Love em notícias de veracidade não necessariamente confirmada.
Sobre este segundo trabalho disse um dia o guitarrista Eric Erlandson que é aquele que assinala o momento em que os Hole se tornaram uma banda à séria, e não apenas um grupo de gente irritada com o mundo disposta a fazer a maior ruideira possível. Com efeito, Live Through This, que além da dupla permanente conta ainda com os contributos da baixista Kristen Pfaff e da baterista Patty Schemel, naquela que é a formação canónica da banda de Los Angeles, refreia os ímpetos noisy do debute (Pretty On The Inside, de 1991), e investe numa dúzia de temas mais próximos do formato estandardizado de canção. A fórmula assenta com insistência na alternância quiet-loud-quiet, bastante em voga à época mas adequada do distúrbio das emoções de Courtney Love: da sobriedade confessional, à fúria incontida. O paradigma dessa dinâmica é "Violet", tema de estrutura bastante similar à que o falecido Cobain concebeu para "Smells Like Teen Spirit". Porém, ao invés de entrar por considerações sobre a apatia juvenil, a porta de entrada em Live Through This debate-se com a dicotomia "vida pessoal versus celebridade". Idêntica temática serve de base ao excelente "Miss World", este a abordar a falácia da vida sob os holofotes com extrema acutilância, numa estrutura semelhante embora relativamente mais contida na explosão de fúria. A falsa ternura que percorre uma boa parte deste par de temas inicial é dominante em "Doll Parts" ou "Softer, Softest", o primeiro um cru depoimento da condição feminina no circo rock, o último um pedaço de negrume ensombrado por traumas do passado. Os primórdios recentes dos Hole não são, contudo, desprezados, e a fealdade explícita percorre petardos punky ruidosos como "Plump", "Guttless", ou "Olympia", este último uma espécie de afirmação de Love no movimento riot-grrrl original, provavelmente com mensagem indirecta dirigida à "rival" Kathleen Hanna, líder das Bikini Kill e ex-companheira de Cobain. Centrada em si e nas diatribes com a opressão da fama, Courtney talvez ceda à influência do malogrado marido na escolha da versão de "Credit In The Straight World", original dos galeses Young Marble Giants cuja desarmante naïveté era insistentemente elogiada por aquele. Embora respeitando a estrutura do original, este poderia muito bem ser um tema concebido por Love para o alinhamento de Live Through This, já que também neste os sacrifícios impostos pela fama e pelo imperativo do reconhecimento são matéria que lhe estão subjacentes.
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