Foto: Piper Ferguson
Quando essa coisa mal definida a que decidiram chamar grunge rebentou, já os Afghan Whigs contavam no currículo com um par de discos de rock agreste, descendente directo do underground pós-hardcore da América de oitentas. Talvez pressentindo que a fórmula rapidamente se esgotaria, a banda do Ohio deixou-se embrenhar na negritude sulista, e passou a beber descaradamente das fontes da música negra, da soul ao funk, passando pelo R&B. Era algo já latente em Congregation (1992) e na obra-prima Gentlemen (1993), discos ainda assim com uma considerável dose de crueza rock. Destes para a dupla de álbuns seguintes a mudança foi abrupta, já que Greg Dulli e companhia mergulharam de vez e de cabeça na sedução por aquelas sonoridades. Todos estes discos tinham como denominador comum a postura do frontman como o pecador hesitante, entre a redenção e a tentação, em temas de cenário nocturno, regadas a álcool e consumidas pelo desejo obsessivo. Não foram propriamente discos que tivessem caído no goto das regras do FM radiofónico entretanto estabelecidas, e os Afghan Whigs puseram um ponto final na carreira em 2001, com a sensação amarga de que o reconhecimento apenas moderado não estava à altura da sua valia.
Regressaram ao activo há coisa de dois anos, e na realidade foi como se nunca nos tivessem abandonado, tal a vitalidade com que se apresentaram por esses, algo que este que vos escreve pôde comprovar por duas vezes no espaço de uma semana. Como não são gente apenas disposta a alimentar a indústria do saudosismo, canalizaram aquela força bruta para a gravação de um novo álbum: Do To The Beast, editado há coisa de uma semana. Pelo equação ajustada da pujança rock com a sensibilidade negra, este poderia muito bem ter sido o sucessor directo do citado Gentlemen, uma possível ponte de transição mais suave para os discos seguintes. Para chegar a essa conclusão basta escutar o inaugural "Parked Outside", que abre com um dos riffs mais incisivos do reportório dos Afghan Whigs, mas tem a grooviness digna de um James Brown. Caso as dúvidas subsistam, escutem "Matamoros", logo a seguir, com improvável mescla math-rock com o funk irresistível do Prince de oitentas. Nos minutos que se seguem, são vários os temas construídos sob esta dinâmica da vertigem rock com a sensualidade soul/funk, entremeados com outros mais introspectivos, que permitem retomar o fôlego. Nestes, algumas vezes acompanhado pelo piano, Greg Dulli veste a pele do sedutor convicto, que não enjeita um falsetto, algo que explorou com bastante insistência nos Twilight Singers, o projecto que o ocupou durante boa parte da ausência dos Whigs. Portanto, se é certo que Do To The Beast não traga novidades de monta ao universo dulliano, também é justo dizer que os seus dez temas sejam de uma receita aprimorada pelo savoir faire adquirido com o tempo que Dulli leva ao serviço da sua causa.
"Algiers" [Sub Pop, 2014]
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