"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

terça-feira, 29 de abril de 2014

Quem anda à chuva molha-se
















Não é propriamente habitual que músicos já com um quarto de século de carreira ainda tenham algo a acrescentar, como o fez Dean Wareham já na recta final do ano transacto, com aquele que era o seu primeiro EP em nome próprio. Era um trabalho também surpreendente pela forma como chegou, sem grandes parangonas ou sequer pré-aviso, e uma espécie de súmula do trajecto do seu autor, primeiro nos históricos Galaxie 500, depois nos Luna, e por fim com a esposa na dupla Dean & Britta. Era uma visão ao retrovisor algo desencantada, toldada por aquele denso torpor que é característico em Wareham, mas provavelmente o seu registo mais personalizado. Na produção esteve Jason Quever, que como músico responde por Papercuts, e que terá sido o responsável pelos muitos detalhes que Emancipated Hearts vai revelando de forma gradual.

Com a mesma discrição daquele, e quiçá em semelhante estado de graça, chegou há pouco o primeiro álbum, por sinal homónimo, com a preciosa colaboração de Jim James na condição de produtor. Se este não incutiu propriamente a grandiosidade épica que lhe é reconhecida nos My Morning Jacket, terá pelo menos contribuído para que Dean Wareham seja um trabalho mais arejado do que é costume, ainda que dominado pela habitual toada arrastada. Com a marca-de-água da guitarra crepitante, Dean desenvencilha-se do seu próprio passado e, embora ainda a olhar para trás, observa antes o passado da música popular como um todo. Detém-se demoradamente no chamado soft-rock setentista, "género" normalmente votado ao desprezo, mas ao qual incute doses generosas de bom-gosto. Com relativa parcimónia, o autor reflecte amiúde sobre a degradação das relações de longa duração, o que nos leva a colocar a hipótese de que uma eventual ruptura com a companheira possa estar na base destes registos a solo. Só com algum apuro detectamos a ironia latente na sobriedade do discurso, bem como a presença mais ou menos constante de Britta Phillips, discreta mas efectiva.

Love Is Not A Roof Against the Rain by Dean Wareham on Grooveshark
[Double Feature / Sonic Cathedral, 2014]

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Mil imagens #48



Oasis - Castlefield, Manchester, 1992
[Foto: Peter J Walsh]


quarta-feira, 23 de abril de 2014

Singles Bar #93









AZTEC CAMERA
Oblivious
[Rough Trade, 1982]




Não tendo propriamente conseguido tornar-se a fábrica de hits que se propunha ser, ninguém pode negar à escocesa Postcard Records a proeza de trazer alguma cor ao cinzentismo post-punk. Os responsáveis imediatos foram os Josef K, e sobretudo os geniais Orange Juice. Por fim, no terceiro vértice deste triângulo do novo som da Young Scotland, o idealista Alan Horne desencantou os Aztec Camera que, mais que uma banda, eram o veículo para a pop imaculada de Roddy Frame, à data apenas um teenager já com toda a cartilha na ponta da língua. Talvez as precárias condições ao dispor do parco orçamento da Postcard não fossem as ideais para tanta ambição de imortalidade de Frame. Como consequência, o par se singles lançados com aquele selo ressentem-se de uma deficiente gravação, pese embora permitam aferir do imenso talento precoce do seu autor, quer como compositor, quer como executante da guitarra avesso aos clichés da concorrência.

Não foi preciso esperar muito, apenas que o sonho de Horne de uma "Motown indie" ruísse em escassos dois anos, para que Roddy Frame visse concretizado o reconhecimento da sua pop de travo clássico que destoava das tendências "futuristas" da época. Aconteceu por meio de "Oblivious", um tema alegadamente escrito aos 16 anos e que permanece como a pérola mais cintilante do seu reportório. Registado com as condições antes inatingíveis, é um tema ainda de um recorte dentro dos trâmites indie, porém com o lustro suficiente para não estranhar a um público mais vasto. Não surpreende então que, contra as correntes vigentes, tenha sido um hit moderado, para mais ainda com a chancela de uma independente. 

À distância de mais de três décadas, "Oblivious" é ainda um dos primeiros exemplos que nos ocorrem quando nos pedem para definir o que são os três minutos da perfeição pop. As primeiras linhas da letra são quase um manifesto de quem entra de rompante disposto a deixar marca: "From the mountain tops down to the sunny street / A different drum is playing a different kind of beat". Nestas palavras, dissimuladas no todo, resumem-se os propósitos não só de quem as escreveu, mas de todo o jovem contigente escocês apostado em mudar a face da pop. De cariz semi-acústico, "Oblivious" é profusamente melódico, expondo todo o potencial de Roddy Frame que, destemido, junta à paleta pop umas pitadas flamenco que, de improváveis, caem na perfeição na harmonia do todo. Há também os coros femininos, a urgência juvenil, e todos os estereótipos do género, mas urdidos com a sapiência de um mestre. Poucos meses volvidos, estava disponível High Land, Hard Rain, álbum superlativo que acolhia este e muitos mais temas de igual quilate. Gente como os Prefab Sprout ou The Smiths escutavam, e iam arquitectando o plano para escrever algumas das mais belas páginas da pop.


segunda-feira, 21 de abril de 2014

A besta renascida

















Foto: Piper Ferguson

Quando essa coisa mal definida a que decidiram chamar grunge rebentou, já os Afghan Whigs contavam no currículo com um par de discos de rock agreste, descendente directo do underground pós-hardcore da América de oitentas. Talvez pressentindo que a fórmula rapidamente se esgotaria, a banda do Ohio deixou-se embrenhar na negritude sulista, e passou a beber descaradamente das fontes da música negra, da soul ao funk, passando pelo R&B. Era algo já latente em Congregation (1992) e na obra-prima Gentlemen (1993), discos ainda assim com uma considerável dose de crueza rock. Destes para a dupla de álbuns seguintes a mudança foi abrupta, já que Greg Dulli e companhia mergulharam de vez e de cabeça na sedução por aquelas sonoridades. Todos estes discos tinham como denominador comum a postura do frontman como o pecador hesitante, entre a redenção e a tentação, em temas de cenário nocturno, regadas a álcool e consumidas pelo desejo obsessivo. Não foram propriamente discos que tivessem caído no goto das regras do FM radiofónico entretanto estabelecidas, e os Afghan Whigs puseram um ponto final na carreira em 2001, com a sensação amarga de que o reconhecimento apenas moderado não estava à altura da sua valia.

Regressaram ao activo há coisa de dois anos, e na realidade foi como se nunca nos tivessem abandonado, tal a vitalidade com que se apresentaram por esses, algo que este que vos escreve pôde comprovar por duas vezes no espaço de uma semana. Como não são gente apenas disposta a alimentar a indústria do saudosismo, canalizaram aquela força bruta para a gravação de um novo álbum: Do To The Beast, editado há coisa de uma semana. Pelo equação ajustada da pujança rock com a sensibilidade negra, este poderia muito bem ter sido o sucessor directo do citado Gentlemen, uma possível ponte de transição mais suave para os discos seguintes. Para chegar a essa conclusão basta escutar o inaugural "Parked Outside", que abre com um dos riffs mais incisivos do reportório dos Afghan Whigs, mas tem a grooviness digna de um James Brown. Caso as dúvidas subsistam, escutem "Matamoros", logo a seguir, com improvável mescla math-rock com o funk irresistível do Prince de oitentas. Nos minutos que se seguem, são vários os temas construídos sob esta dinâmica da vertigem rock com a sensualidade soul/funk, entremeados com outros mais introspectivos, que permitem retomar o fôlego. Nestes, algumas vezes acompanhado pelo piano, Greg Dulli veste a pele do sedutor convicto, que não enjeita um falsetto, algo que explorou com bastante insistência nos Twilight Singers, o projecto que o ocupou durante boa parte da ausência dos Whigs. Portanto, se é certo que Do To The Beast não traga novidades de monta ao universo dulliano, também é justo dizer que os seus dez temas sejam de uma receita aprimorada pelo savoir faire adquirido com o tempo que Dulli leva ao serviço da sua causa.

 
"Algiers" [Sub Pop, 2014]

domingo, 20 de abril de 2014

Há 20 anos era assim #12









HOLE
Live Through This
[Geffen, 1994]




Presa fácil junto de uma certa imprensa ávida da pequena controvérsia, Courtney Love terá esticado a corda ao editar novo álbum - o segundo - dos Hole apenas uma semana após o suicídio de Kurt Cobain (ou quatro dias após o conhecimento público, se preferirem). A mesma imprensa céptica dos créditos da senhora, que certamente argumentou que esta era uma manobra bem orquestrada de marketing, é precisamente o principal assunto motivador da escrita de Live Through This, o disco que resgatou a banda do estatuto de curiosidade underground para a primeira linha do chamado "rock alternativo" de noventas. O título, obviamente pensado antes do fatídico dia 5 de Abril de 1994, tem portanto muito de pessoal, não se referindo propriamente ao luto da viuvez, mas antes à constante referência a Love em notícias de veracidade não necessariamente confirmada.

Sobre este segundo trabalho disse um dia o guitarrista Eric Erlandson que é aquele que assinala o momento em que os Hole se tornaram uma banda à séria, e não apenas um grupo de gente irritada com o mundo disposta a fazer a maior ruideira possível. Com efeito, Live Through This, que além da dupla permanente conta ainda com os contributos da baixista Kristen Pfaff e da baterista Patty Schemel, naquela que é a formação canónica da banda de Los Angeles, refreia os ímpetos noisy do debute (Pretty On The Inside, de 1991), e investe numa dúzia de temas mais próximos do formato estandardizado de canção. A fórmula assenta com insistência na alternância quiet-loud-quiet, bastante em voga à época mas adequada do distúrbio das emoções de Courtney Love: da sobriedade confessional, à fúria incontida. O paradigma dessa dinâmica é "Violet", tema de estrutura bastante similar à que o falecido Cobain concebeu para "Smells Like Teen Spirit". Porém, ao invés de entrar por considerações sobre a apatia juvenil, a porta de entrada em Live Through This debate-se com a dicotomia "vida pessoal versus celebridade". Idêntica temática serve de base ao excelente "Miss World", este a abordar a falácia da vida sob os holofotes com extrema acutilância, numa estrutura semelhante embora relativamente mais contida na explosão de fúria. A falsa ternura que percorre uma boa parte deste par de temas inicial é dominante em "Doll Parts" ou "Softer, Softest", o primeiro um cru depoimento da condição feminina no circo rock, o último um pedaço de negrume ensombrado por traumas do passado. Os primórdios recentes dos Hole não são, contudo, desprezados, e a fealdade explícita percorre petardos punky ruidosos como "Plump", "Guttless", ou "Olympia", este último uma espécie de afirmação de Love no movimento riot-grrrl original, provavelmente com mensagem indirecta dirigida à "rival" Kathleen Hanna, líder das Bikini Kill e ex-companheira de Cobain. Centrada em si e nas diatribes com a opressão da fama, Courtney talvez ceda à influência do malogrado marido na escolha da versão de "Credit In The Straight World", original dos galeses Young Marble Giants cuja desarmante naïveté era insistentemente elogiada por aquele. Embora respeitando a estrutura do original, este poderia muito bem ser um tema concebido por Love para o alinhamento de Live Through This, já que também neste os sacrifícios impostos pela fama e pelo imperativo do reconhecimento são matéria que lhe estão subjacentes.

Violet by Hole on Grooveshark

Miss World by Hole on Grooveshark

Doll Parts by Hole on Grooveshark

Credit in the Straight World by Hole on Grooveshark

terça-feira, 15 de abril de 2014

First exposure #65
















VIET CONG

Os Women foram um colectivo art-rock canadiano de vida demasiado breve que terminou pelos piores motivos: a morte de um dos seus integrantes. Deixaram saudades, mas é de saudar o mergulho assumido de metade dos seus membros numa angularidade post-punk com um travo de psicadelia.

Formação: Matt Flegel (bx, voz); Monty Munro (gtr, tcls); Danny Christiansen (gtr); Mike Wallace (btr)
Origem: Calgary, Alberta [CA]
Género(s): Indie-Rock, Post-Punk, Art-Rock
Influências / Referências: Talking Heads, Gang of Four, Television Personalities, David Bowie, XTC, Wire

http://vietcong.bandcamp.com/

[Mexican Summer, 2014]

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Good cover versions #82













SPACEMEN 3 - "When Tomorrow Hits" [Fire, 1991]
[Original: Mudhoney (1989)] 

When Tomorrow Hits by Spacemen 3 on Grooveshark

Apesar das muitas diferenças estéticas, os Spacemen 3 e os Mudhoney tinham em comum o gosto pela facção mais suja do passado rock, particularidade de ambas as bandas que veio trazer alguma transgressão à normalidade da recta final de oitentas. O respeito mútuo, e as afinidades nas referências, em particular The Stooges, levou a que chegassem a programar um lançamento conjunto, concretamente um split single em que cada banda contribuía com uma versão de um original da outra. Assim, caberia aos Mudhoney regravar o já clássico "Revolution", enquanto aos Spacemen 3 competia a revisão de "When Tomorrow Hits". O plano caiu por terra quando os britânicos souberam da intenção dos congéneres norte-americanos de alterar a letra original de "Revolution" com referências a drogas. Ambas as versões foram no enntanto gravadas, contudo, lançadas em registos separados, ao contrário do inicialmente previsto.

No caso de "When Tomorrow Hits", a versão dos Spacemen 3 acabou até por ganhar algum simbolismo na separação acrimoniosa da banda, na altura da sua gravação já muito perto da ruptura. Foi colocada no meio do alinhamento de Recurring, derradeiro álbum lançado já depois do ponto final, e o único no disco com a participação simultânea de Peter Kember e Jason Pierce. O posicionamento estratégico no disco separa os temas compostos e registados por cada uma das duas metades criativas da banda. No essencial, a versão respeita a estrutura do original, porém com o devido tratamento lisérgico dos Spacemen 3. Praticamente alheia à melodia, é um mantra circular com um silvo de distorção permanente que desemboca numa explosão sónica. Relativamente mais curto, o original dos Mudhoney, vagamente baseado na cadência de "I Wanna be Your Dog", é um número de desaceleração atípico da banda de Seattle, um raro momento de contenção no meio das habituais descargas de electricidade. Retém, porém, a crueza e o travo stoner característicos.

domingo, 13 de abril de 2014

The future is unwritten


















Mais ou menos por esta altura do ano, em 2011, o mundo pop/rock era sacudido pela pedrado no charco de Past Life Martyred Saints. Este era o segundo trabalho, e primeiro com distribuição e divulgação decentes, de Erika M. Anderson, que adoptava o nome artístico abreviado de EMA, moça com passado ligado a bandas da facção noise/drone. As marcas desse passado não estavam totalmente ausentes de Past Life..., e eram até um ingrediente muito peculiar na subversão da ortodoxia das canções. Por outro lado, essas interferências eram factor de incremento da crueza dos temas, na sua maioria a ruminar com as memórias de um passado irreversível na interioridade do Dakota do Sul, deixado para trás quando a autora rumou à terra das oportunidades da Califórnia.

Três anos passaram, e este foi o tempo suficiente para EMA maturar ideias que apresenta no novo e ansiosamente aguardado The Future's Void, disco claramente mais polido mas igualmente cru na sua abordagem muito pessoal. Não obstante essa limpeza deliberada, a visceralidade ainda é um ponto forte, bem patente na densidade dos sintetizadores de "Satellites" ou na opressão da batida de "Neuromacer". Há claras reminiscências dos sons "alternativos" de noventas, tangencialmente no número considerável de semi-baladas confessionais capazes de fazer a inveja de Dee Dee "Dum Dum Girl" Penny, mas sobretudo no travo grungy de "So Blonde", com ecos de uns Hole da melhor forma ou até de uma PJ Harvey dos primórdios. Este último é uma visão algo irónica, mas essencialmente ambígua, do glamour californiano, e provavelmente o único tema que se desvia da linha temática de The Future's Void, na essência um álbum conceptual em torno do vazio e da impessoalidade das vidas na sociedade actual, vividas na frieza da internet e das redes sociais. A rejeição de EMA por esta suposta modernidade leva-a, inclusive, a admitir a nostalgia pelos temores de um passado não muito distante: "I remember when the world was divided by a wall of concrete and a cube full of iron", diz em "Satellites". Correndo o risco de rapidamente perder a actualidade, e além disso ao abordar algo já amplamente discorrido, EMA ganha a aposta sobretudo pela intensidade com que se envolve em cada tema, normalmente com significativa maleabilidade na voz. Sendo o futuro da artista, ainda relativamente jovem, uma incógnita, dois discos desta pujança de enfiada não é algo de que muitos contemporâneos se possam orgulhar.

 
"Satellites" [Matador, 2014]

sábado, 12 de abril de 2014

Onda relaxada















Passamos o tempo a reclamar da falta de novidades credíveis, porém não desistimos da busca incessante por uma nesga de brilhantismo no marasmo a que o mundo pop/rock parece votado. Esta coisa da "rede" ajuda na procura mas, por outro lado, provoca desvios do essencial por via do excesso de oferta banal, com o consequente cansaço que nos deixa próximos da desistência. Neste cenário, não sei se foi por distracção, se por obra do acaso, ou muita provavelmente por culpa desta "rede" sem critérios, que estes tímpanos estiveram privados durante tanto tempo da música dos Holy Wave, colectivo texano com pinta de quem gosta de chocar o conservadorismo redneck lá do sítio.

Com efeito, Relax, segundo álbum da banda de Austin e motivo desta prosa, está imerso no espírito rebelde da segunda metade dos sixties, em particular na tendência west coast. A instituição denominada The Byrds é uma referência incontornável, mas sem que os Holy Wave façam uso da luminosidade daqueles. Há neste onze temas, que abusam do reverb, uma sujidade "garageira" pautada por um órgão que remete muitas vezes as guitarras jangly para segundo plano. O mesmo acontece com a voz, que normalmente surge num plano submerso face aos instrumentos. No entanto, e não obstante a falta de imediatismo, há em Relax um forte sentido de orientação pop, em certa medida próximo dos californianos The Fresh & Onlys (de quem se espera novidades em breve, fica o aviso!). A delimitar fronteiras e a marcar diferenças está o travo surfy que os Holy Wave fazem questão de adicionar a cada tema, em diferentes gradientes. De registar ainda o pendor ocioso, quase lisérgico, deste disco, que mais do que fazer jus ao título, assegura à banda o direito ao uso do termo "psicadelia", algo muito em voga nos tempos que correm mas que a maioria apenas usa por conveniência.

 
"Wet & Wild" [Reverberation Appreciation Society, 2014]

quinta-feira, 10 de abril de 2014

O jogo das diferenças #28


CREAM
Disraeli Gears
[Reaction, 1967]

ROCKERS HI-FI
Overproof
[Downbeat, 1988]

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Ao vivo #118
















Excepter + Tropa Macaca @ Galeria Zé dos Bois, 04/04/2014

Nascidos no mesmo viveiro da bizarria nova-iorquina dos Gang Gand Dance ou dos deslocados Animal Collective, os Excepter ainda não se podem gabar do reconhecimento mediático daqueles contemporâneos. No entanto, e pelo que ficou demonstrado na passada sexta-feira, poderão em breve causar sensação naquela espécie de dança esotérica que deu louros aos primeiros. Poderá ser algo que possa vir a acontecer no anunciado novo álbum, que já tarda, ou poderá ser apenas equívoco motivado por um feliz incidente. Passamos a explicar: o concerto da ZdB divide-se em duas partes distintas, separadas por um súbito corte de energia. Até esse imprevisto, com uma formação reduzida a trio, os Excepter tinham apresentado uma melting pot sonoro marcada pela guitarra robusta em duelo com as ferramentas electrónicas, com os devaneios exóticos e distorcidos da voz John Fell Ryan. Algo caótica, e sobretudo intuitiva, esta primeira parte contrasta com a fisicalidade apresentada a partir da breve interrupção. Com os problemas técnicos parcialmente debelados, os Excepter regressaram, é certo, com uma redução do volume, mas apostados em fazer mexer os corpos numa dança que convoca uma miríade de culturas deste mundo encolhido pela globalização, ou talvez apenas o caleidoscópio de ideias que surgem em catadupa, numa espécie de caos controlado pela figura xamânica de Fell Ryan. O público agradece, deixando-se levar pela esquizofrenia dos ritmos, ignorando quaisquer deficiências técnicas que se possam ter verificado.

Em termos de bizarria, digamos que os Excepter são meninos-de-coro perto dos Tropa Macaca. Cada aparição da dupla portuguesa é uma caixinha de surpresas, com denominador comum na estranheza inicial causada. Num primeiro momento, dir-se-ia mesmo que os sintetizadores - dela - e a guitarra - dele - foram chamados para concertos diferentes, que por caso foram marcados para o mesmo palco e à mesma hora. Inclassificável, esta proposta que alguém já catalogou de algo tão paradoxal como ambient-noise, começa no entanto a ganhar sentido quando os sons, aparentemente desconexos, parecem confluir para uma linha comum, nem que essa linha possa ser apenas traçada no nosso subconsciente. Mais do que uma curiosidade weirdo, os Tropa Macaca são um seguro desafio aos sentidos, aqui ou em qualquer parte.


segunda-feira, 7 de abril de 2014

Ao vivo #117














Dirty Beaches: Landcapes In The Mist @ Teatro Maria Matos, 03/04/2014

Para além de uma óptima programação musical, o Teatro Maria Matos tem a ainda a particularidade de, não raras vezes, presentear o seu público com espectáculos exclusivos, preparados pelos artistas para a ocasião. Foi o caso de Alex Zhang Hungtai, nome de baptismo do alter ego Dirty Beaches, actualmente com residência artística na capital portuguesa e que trazia a palco um concerto alegadamente inspirado por esta nova experiência de uma vida quase nómada. O culto que granjeia por cá, somado da especificidade do espectáculo, terá contribuído para a total lotação da sala, mas cedo se percebeu que este era dia para se aplicar a expressão "a montanha pariu um rato".

Desejoso de ouvir a voz de crooner de Zhang Hungtai em estilhaços de canções enevoadas e de tons sépia, o público foi surpreendido pela total ausência de voz, numa única e longa peça para a qual contribuem também o habitual acompanhante Shub Roy (mais na guitarra, menos na electrónica) e o local André Gonçalves (sintetizadores modulares). Da tal voz nem um assomo, já que a estrela da companhia passou a quase hora e meia maioritariamente entregue ao saxofone, e a espaços também à guitarra e a alguns efeitos electrónicos. O início, para além de surpreendente, é até prometedor, com o trio naquilo que julgamos ser a introdução de algo que sugere imagens (os vários monitores de televisão ajudam) urbanas e nocturnas. Porém, este começo é o mote para toda a peça, sem grandes variações e até bastante simplista, ao ponto de motivar o abandono precoce de muitos. Não foi o meu caso, resisti até final, embora tenha de confessar que os 15 derradeiros minutos chegaram a ser penosos, antecipando mentalmente uma boa meia dúzia de vezes aquilo que julgaria ser um final adequado. Alex Zhang Hungtai e companhia não estiveram pelos ajustes, e prologaram ad nauseum o calvário de uma peça frustrada na qual a ambição não foi correspondida pela variedade de ideias.

domingo, 6 de abril de 2014

Ao vivo #116
















Sun Kil Moon + Thurston Moore @ Casa da Música, 29/03/2014

Para começar, uma confissão: não sou daqueles incondicionais que têm os Red House Painters no top das preferências da tendência sad/slowcore com mais de vinte anos. No entanto, sinto-me impressionado por uma boa meia dúzia de temas, mormente do trio inicial de álbuns, e pela voz de Mark Kozelek, capaz de condensar toda a tristeza do mundo mesmo que nos alheemos das palavras. O desinteresse foi crescendo com o avolumar da obra, e prolongou-se para o vasto catálogo subsequente, tanto em nome próprio como à frente do projecto Sun Kil Moon. De modos que, mesmo no auge da quase indigência, quando Kozelek era presença assídua no nosso país, nunca senti o estímulo para assistir a um dos seus concertos. A necessidade de colmatar tal lacuna foi provocada pelo recente e excelente Benji, pretexto também para a visita periódica e obrigatória à Invicta.

No espectáculo integrado em mais uma edição do Clubbing da Casa da Música, é precisamente esse trabalho que preenche na íntegra o alinhamento. Acompanhado por um trio de músicos (teclas, guitarra eléctrica e bateria) Kozelek apresenta-nos boa parte do álbum, baseado em memórias da infância e da juventude, com histórias povoadas pela sombra da morte mas com uma considerável dose de bom humor. Apesar da temática, este é seguramente a faceta mais upbeat conhecida do músico, progressivamente mais afoito e aventureiro na guitarra e com aquela voz - quase inexpressiva mas infalível - capaz de encher o mais amplo dos templos. Do concerto registe-se a capacidade de reproduzir cada tema quase a papel químico da sua versão gravada, pormenor que pode não conter o efeito surpresa, mas com o condão de preservar cada detalhe da complexidade destas canções, porém aparentemente simples numa audição desinteressada. Para o par de temas final, Kozelek ergue-se, larga a guitarra, e apenas de microfone em punho numa penumbra que contrasta com os holofotes que iluminam o trio acompanhante, mostra-se capaz de representar o entertainer. Ou, pelo menos, a antítese deste.

Perante a toda acústica do primeiro concerto da noite, seria expectável que Thurston Moore enveredasse pela mesma via, trazendo ao palco temas recolhidos do último par de álbuns em nome individual. Ao invés, o ex-Sonic Youth, à frente de um trio no qual pontifica o velho companheiro Steve Shelley na bateria, fez questão de mostrar os seus créditos ao serviço da manipulação da electricidade. O alinhamento assenta num novo álbum no horizonte, e será certamente ao desconhecimento por parte do público, mas também às muitas semelhanças entre temas, que fica a dever-se a recepção algo morna. Para fugir à monotonia, por um par de vezes Moore entre pela divagação free, aplaudida por muitos, rejeitada por outros tantos, mas bem demonstrativa das suas capacidades com uma guitarra em punho. Para o final, talvez o momento alto, pela revisitação de "Ono Soul", tema do já distante Psychic Hearts (1995), e paradigma daquele limbo entre a pop e o experimentalismo em que Thurston Moore é figura de proa.

sábado, 5 de abril de 2014

Load up on guns


Foto: Charles Peterson

Hoje, dia 5 de Abril de 2014, data precisa dos vinte anos passados desde a morte de Kurt Cobain, seria uma data simbólica para suspender definitivamente as actividades neste tasco, já de si progressivamente mais irregulares pela escassez de tempo do seu timoneiro. Foi algo que ponderei, confesso, mas uma réstia de entusiasmo, somada do respeito pela meia dúzia (se tanto) de visitantes habituais, dá-me alento para continuar. 

A continuidade fica também a dever-se à memória de Kurt Cobain, seguramente o último grande ícone gerado no velho universo da música popular, tal como o conhecíamos e do qual já temos saudades. Nos dias que correm, como um diz um grande amigo, já se precisava um novo Cobain para sacudir o estado de coisas. Duvido seriamente que apareça, neste tempo do consumo de música como forma de seguidismo gregário, do micro-fenómeno incompreensível com prazo de validade de umas semanas, da intoxicação pelo excesso de oferta, da clonagem descarada e apresentada como a oitava maravilha, da falta de aprofundamento do que quer que seja. Estou praticamente certo de que em nada o April Skies contribuirá para o surgimento desse novo "messias", mas desta parte poderão continuar a contar, com a regularidade possível, com o reconhecimento daqueles que são ofuscados pela carneirada da mediocridade, bem como com a denúncia dos clones de hoje, que surripiam o passado e o vendem como produto novo. Faço-o por tudo aquilo que Kurt Cobain representa para todos aqueles que ainda vêm na música algo mais que elemento comum com o rebanho. E também porque ainda tenha uma ténue esperança de que haja salvação para a música pop/rock.

Portanto, e já que estamos na Primavera, vamos acreditar que hoje é dia de reflorescimento neste blogue.

 
Nirvana - "In Bloom" [Geffen, 1992]