Já todos sabemos como se regem os meandros da divulgação musical actual, que não consiste em mais do que a busca incessante da next big thing que, uma vez elevada aos píncaros, é de imediato votada ao desprezo. Neste cenário, passam quase despercebidas as actividades daqueles que já têm carreira feita, aos quais vai valendo o culto firme que assenta num público fiel que se está nas tintas para os fazedores de estrelas instantâneas. Um dos músicos que tem resistido estoicamente a esta tendência é Julian Cope, ele que chegou a ser uma verdadeira pop star, tanto nos tempos finais dos Teardrop Explodes, como nos primeiros anos do subsequente percurso a solo. Três décadas volvidas desde a dissolução daquela seminal banda do post-punk, leva já quase idêntico número de discos, num trajecto de gradual mergulho na obscuridade. O afastamento do mainstream não o desencoraja, antes pelo contrário, tem-lhe fortalecido o carácter interventivo do discurso de rebelde incurável. Paralelamente à actividade discográfica, é ele próprio um incansável divulgador, com obra literária publicada e dedicada às tendências mais obscuras e leftfield da música popular, com especial incidência no kraut e no submundo do rock japonês.
Tal como os últimos registos de alguém que há muito se divorciou do sistema, o novo Revolutionary Suicide é lançado por editora própria, e também quase gravado e tocado na íntegra por Julian Cope. Concluído no preciso dia da morte de Margaret Thatcher, ela que foi a "musa" de tantas outras ocasiões, e como o título deixa supor, segue a lírica de boa parte do trabalho recente: anti-capitalismo, ideologias políticas radicais, considerandos sobre acontecimentos históricos, análise de comportamentos sociais, e um ateísmo militante. Embora, pela sua duração, Revolutionary Suicide caiba num só disco, Cope opta por separá-lo em duas rodelas, escolha que aprovamos depois de assimilar as relativas diferenças entre as duas partes. Numa primeira, que funciona como introdutória, e que culmina no épico "The Armenian Genocide", domina a tendência acústica, com as secções de cordas sintetizadas e o piano a juntarem-se à guitarra como companhia à voz de Julian Cope, numa forma incrível apesar de há algum tempo ter ultrapassado o meio século de existência. No segundo disco, que podemos classificar como uma revisão "madura" da fase de oitentas, abundam os sintetizadores e os sopros. É nesta parte de Revolutionary Suicide que os monólogos se politizam por via da crítica social, com mais ironia do que propriamente desencanto. Num crescendo de estranheza, somos encaminhados para o derradeiro "Destroy Religion", delírio de tribalismo e descargas de ruído. Pela descrição, concluirão os mais familiarizados com a obra do artista que ainda não é este o disco que acrescenta algo à sua obra. Mas, com a insistência na audição, estou em crer que esses concordarão comigo se disser que este é o seu trabalho mais sólido desta última vintena de anos.
"The Armenian Genocide" [Head Heritage, 2013]
"The Armenian Genocide" [Head Heritage, 2013]
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