"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

As vinhas do Senhor
















É algo que já dura uma boa dúzia de anos, esta coisa da incapacidade de novos nomes se firmarem no firmamento musical e construírem carreiras sólidas. Curiosamente, este período coincide precisamente com o da democratização da internet e da facilidade de divulgação e acesso à música que daí adveio, bem como com o do decreto da morte indústria. Talvez falte o crivo que outrora pertenceu às editoras, e em consequência o que nos é oferecido são decalques de diferentes passados, onde rareiam traços de personalidade própria. Já nem falo do enjoo revivalista do post-punk ou daquelas coisas coloridas que recuperam alguns pesadelos de oitentas, felizmente confinadas a locais de que fujo a sete pés. A tendência mais recente é recuar na máquina do tempo, com cópias a papel químico de sons do tempo em que ainda não éramos nascidos. Não questiono a competência de bandas como os Black Keys, os Alabama Shakes, ou os Allah-Las, apenas duvido da necessidade da sua existência quando tenho ao dispor a música dos "originais", que além de originais escreviam melhores canções. Neste contexto, e para mostrar à garotada como se faz, tem sido necessário recuperar "velhas glórias", operação que resulta num saldo francamente positivo. Basta lembrar-mos as revitalizações de carreiras levadas a cabo por Rick Rubin, o regresso apoteótico do malogrado Solomon Burke e, ainda nos territórios da soul, a recuperação do esquecimento de nomes como Sharon Jones ou Lee Fields.

No sector da música negra, e no que a regressos de veteranos mais ou menos esquecidos, temos agora de somar a diva Mavis Staples, ela que iniciou carreira nas Staple Singers, grupo de gospel e tudo à volta dirigido pelo patriarca Roebuck Staples e partilhado com as irmãs. Depois da experiência de há três anos, já septuagenária, esta representante da alma negra de Chicago, reincide na aliança com Jeff Tweedy, líder dos Wilco, que então produziu o mui recomendável You Are Not Alone. Quanto ao novo One True Vine, não sei se derivado do melhor conhecimento de ambos, resulta pura e simplesmente assombroso, como poucos discos que tenham ouvido nestes últimos anos. Além de produzir, Tweedy toca também quase todos instrumentos, excepção para as percussões, a cargo do filho Spencer, e dos sopros. É também responsável pela composição de metade dos dez temas, sendo os restantes uma versão de um tema recente dos Low (também por ele produzido), uma regravação de um tema do tempo das Staple Singers, uma versão dos Funkadelic, outra de Washington Phillips, e um inédito escrito propositadamente pelo britânico Nick Lowe. A produção não se dispõe a grandes sumptuosidades, deixando a Voz de Mavis Staples assumir todo o protagonismo, num esplendor que parece ter-se refinado com os anos. Podemos dizer que a toada dominante é a da soul, com umas ligeiras pinceladas bluesy, e com a omnipresença das contaminações gospel, infiltradas de modo idêntico ao de Jason Pierce desta fase redentora dos Spiritualized. Como é costume em Mavis, excluindo a afirmação de orgulho negro mais abaixo, o que se canta são sobretudo manifestações de religiosidade, autênticas orações de fé. Porém, One True Vine é disco capaz de penetrar no coração de ateus militantes, agnósticos convictos , e crentes praticantes. A todos assegura a subida aos céus.

 
"I Like The Things About Me" [Anti-, 2013]

Sem comentários: