THE THREE O'CLOCK
Sixteen Tambourines
[Frontier, 1983]
Seguramente já vos devo aqui ter falado por várias vezes do Paisley Underground, um "movimento" com epicentro em Los Angeles, mas com ramificações a outros pontos dos states, que, de inícios para meados de oitentas, revisitava o psicadelismo west coast dos sixties filtrado pelas novas possibilidades pop abertas pelo punk e pela new-wave. Em todas essas vezes, talvez me tenha esquecido de referir a autoria do nome dado a esta efémera mas proveitosa tendência a um tal Michael Quercio, numa alusão às camisas de cornucópias usadas por muitos dos músicos ligados à "cena". Na altura, aquele era baixista e vocalista de uma banda chamada The Salvation Army, que gravou um álbum homónimo em 1982 e abandonou a designação para evitar problemas legais com a organização de caridade cristã do mesmo nome.
Com a mudança de identidade, o quarteto angelino aproveitou para mudar de azimutes. Assim, para trás ficou alguma rugosidade ainda algo aproximada ao punk, e deu-se a investida numa sonoridade eminentemente pop, daquela pop que não conhece tempo e faz da celebração da juventude a sua razão de ser, com todas as inanidades que isso acarreta. O tubo de ensaio da nova entidade The Three O'Clock deu-se com Baroque Howdown, um fulgurante EP que abriu caminho a Sixteen Tambourines, o álbum debute hoje mais que esquecido mas que na altura fez boa figura junto de crítica e público alvos. A receita, olhada a esta distância, até é bastante simples, consistindo em pouco mais do que melodias infecciosas em quantidade apreciável e uma celebração da vida que transborda felicidade por se ser jovem. A título de exemplo remeto-vos para temas como o inaugural e efusivo "Jet Fighter", o delicioso "And So We Run", ou o classicista "Tomorrow", que transpira The Zombies por todos os poros. No primeiro, que é talvez o tema mais rodado dos The Three O'Clock, está a súmula perfeita da sua proposta divergente da maioria dos correlegionários: guitarras exaltadas em diálogo com teclados modernaços, ou seja, a power-pop e a new-wave numa simbiose igualitária. Apesar da juventude, pressente-se uma banda conhecedora do passado, e evidência, se não mesmo vénia, surge na versão de "In My Own Time", dos Bee Gees, respeitadora do original mas sobejamente personalizada. Como os verdes anos não são apenas feitos de festa contínua, mas também de dúvidas e dissabores, Sixteen Tambourines também sabe ser sério e reflexivo. Esta faceta é representada pelos laivos de psicadelismo sombrio de "A Day In Erotica", e pela delicadeza ferida do derradeiro "Seeing Is Believing".
Característica comum a todos os dez temas do álbum é o registo alto da voz de Michael Quercio, sempre num tom de uma inocência quase infantil, algo que na altura parece ter colhido adeptos no Reino Unido junto da eminente vaga twee-pop. Já em solo pátrio, e apesar de praticamente ter ficado perdido nas espirais da memória, Sixteen Tambourines conseguiu algo tão notável com servir de matriz a sucessivas gerações do chamado college-rock. Por estas e mais razões, entre elas o recente anúncio do regresso dos The Three O'Clock um quarto de século depois da dissolução, é quase imperativo recuperá-lo. Interessa ainda referir que, coincidindo com a notícia do retorno, surge no mercado a compilação The Hidden World Revealed, ideal para "principiantes". O alinhamento assenta essencialmente neste disco de estreia e no sucessor, e igualmente recomendável, Arrive Without Traveling (1985). São raras a incursões aos dois restantes e desinteressantes registos, o último dos quais (Vermillion, de 1988) lançado com selo da Paisley Park Records, propriedade de um tal Prince Roger Nelson, que contribuiu com a autoria de um tema, talvez numa tentativa de repetir o golpe que mudou a carreira das camaradas paisleyanas The Bangles. Tentativa em vão, escusado será dizê-lo.
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