GIRLS AGAINST BOYS
Venus Luxure No. 1 Baby
[Touch and Go, 1993]
Num exercício de memória para os mais atentos às movimentações underground, recuemos até a inícios de noventas, e recordemos as possibilidades abertas pela insistente rotação de "Smells Like Teen Spirit" e a consequente explosão dos Nirvana. Eram tempos de grandes expectativas, de algum orgulho até, que os nossos heróis estivessem a alterar os paradigmas do mainstream. Acreditava-se que, à boleia do "fenómeno", outras bandas até aí invendáveis lhe seguissem, mas rapidamente a indústria deu a volta ao prego, e desatou a vender gato por lebre, ou seja, apenas actualizações das mesmas azeiteirices megalómanas de setentas. Talvez tenhamos sido ingénuos, mas por momentos foi um sonho lindo, o da disfuncionalidade dos Butthole Surfers, da brutalidade dos Jesus Lizard, ou da crueza dos Girls Against Boys a invadir as tabelas de vendas.
Pegando nos últimos, um colectivo com sede em Nova Iorque, mas com raízes no contexto hardcore de Washington D.C., se saiu frustrada a expectativa do sucesso, convém referir o culto sólido que construíram ao longo de toda a década de 1990, inclusive como uma das bandas mais acarinhadas desse período junto de alguns sectores. Nada o faria prever, com um disco de estreia a meio gás, a acusar alguma indefinição numa encruzilhada entre o post-hardcore e o math-rock. O sucessor, este Venus Luxure No. 1 Baby, parte das mesmas premissas, mas é um passo evolutivo de gigante numa linguagem própria que haveria de fazer escola. Desaconselhável a pessoas dadas à sensibilidade, este é um disco que expõe as entranhas, o lado mais perverso e doentio da mente humana, numa postura de constante afronta. Não há nos onze temas um pingo de afecto, apenas carnalidade em estado bruto. Porém, e ao contrário de muitas outras bandas similares, há nos Girls Against Boys um groove macabro que os torna atractivos, conferindo aos seus temas uma fisicalidade que outros não têm. A razão para tal advém da particularidade de o quarteto incluir dois baixistas, o que o torna um rolo compressor rítmico. Para o aferir basta ouvir os instantes iniciais de "In Like Flynn", e abandonar o corpo ao ritmo do groove frenético antes de se ser triturado pela rispidez circular da guitarra. Num registo próximo, "Rockets Are Red", aumenta a rapidez do compasso promovendo a dança espasmódica. "Bullet Proof Cupid" é menos rítmico, mas nem por isso menos absorvente numa espiral contínua que desagua num mar de distorção. Em todos os temas a voz de Scott McCloud é de uma rispidez próxima do agressão, comparável à de um Richard Butler, dos Psychedelic Furs, sem qualquer sentido moral. É num tom ameaçador que o vocalista vai discorrendo fantasias, constantes invectivas ao sexo oposto, sem demonstrar qualquer tipo de emoção, apenas desejo carnal. Mesmo quando concedem uma trégua à trituração, como acontece em "Satin Down" ou "Bug House", ambos fruto da estranha obsessão dos Girl Against Boys pela cultura lounge de sessentas, a atmosfera que nos rodeia é igualmente malsã. Em ambos localizamos McCloud em digressões nocturnas por estabelecimentos mal afamados, num estado ébrio tão disponível para o engate como para a zaragata.
O mundo negro de horrores dos Girls Against Boys, que no fundo também é o nosso, rendeu ainda mais dois compêndios de idêntica excelência à de Venus Luxure No. 1 Baby, nomeadamente nos dois álbuns imediatamente seguintes: Cruise Yourself (1994) e House Of GvsB (1996). A partir daí registou-se um decréscimo qualitativo das edições, talvez o principal motivo para que a banda esteja em banho-maria desde há uma década. No entanto, o hiato tem merecido aparições esporádicas em festivais da especialidade, com concertos que são a prova de que aquele tríptico de discos ainda representa algo para uma geração que anda agora na viragem dos trintas para os quarentas.