"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Há 20 anos era assim #7









GIRLS AGAINST BOYS
Venus Luxure No. 1 Baby
[Touch and Go, 1993]




Num exercício de memória para os mais atentos às movimentações underground, recuemos até a inícios de noventas, e recordemos as possibilidades abertas pela insistente rotação de "Smells Like Teen Spirit" e a consequente explosão dos Nirvana. Eram tempos de grandes expectativas, de algum orgulho até, que os nossos heróis estivessem a alterar os paradigmas do mainstream. Acreditava-se que, à boleia do "fenómeno", outras bandas até aí invendáveis lhe seguissem, mas rapidamente a indústria deu a volta ao prego, e desatou a vender gato por lebre, ou seja, apenas actualizações das mesmas azeiteirices megalómanas de setentas. Talvez tenhamos sido ingénuos, mas por momentos foi um sonho lindo, o da disfuncionalidade dos Butthole Surfers, da brutalidade dos Jesus Lizard, ou da crueza dos Girls Against Boys a invadir as tabelas de vendas.

Pegando nos últimos, um colectivo com sede em Nova Iorque, mas com raízes no contexto hardcore de Washington D.C., se saiu frustrada a expectativa do sucesso, convém referir o culto sólido que construíram ao longo de toda a década de 1990, inclusive como uma das bandas mais acarinhadas desse período junto de alguns sectores. Nada o faria prever, com um disco de estreia a meio gás, a acusar alguma indefinição numa encruzilhada entre o post-hardcore e o math-rock. O sucessor, este Venus Luxure No. 1 Baby, parte das mesmas premissas, mas é um passo evolutivo de gigante numa linguagem própria que haveria de fazer escola. Desaconselhável a pessoas dadas à sensibilidade, este é um disco que expõe as entranhas, o lado mais perverso e doentio da mente humana, numa postura de constante afronta. Não há nos onze temas um pingo de afecto, apenas carnalidade em estado bruto. Porém, e ao contrário de muitas outras bandas similares, há nos Girls Against Boys um groove macabro que os torna atractivos, conferindo aos seus temas uma fisicalidade que outros não têm. A razão para tal advém da particularidade de o quarteto incluir dois baixistas, o que o torna um rolo compressor rítmico. Para o aferir basta ouvir os instantes iniciais de "In Like Flynn", e abandonar o corpo ao ritmo do groove frenético antes de se ser triturado pela rispidez circular da guitarra. Num registo próximo, "Rockets Are Red", aumenta a rapidez do compasso promovendo a dança espasmódica. "Bullet Proof Cupid" é menos rítmico, mas nem por isso menos absorvente numa espiral contínua que desagua num mar de distorção. Em todos os temas a voz de Scott McCloud é de uma rispidez próxima do agressão, comparável à de um Richard Butler, dos Psychedelic Furs, sem qualquer sentido moral. É num tom ameaçador que o vocalista vai discorrendo fantasias, constantes invectivas ao sexo oposto, sem demonstrar qualquer tipo de emoção, apenas desejo carnal. Mesmo quando concedem uma trégua à trituração, como acontece em "Satin Down" ou "Bug House", ambos fruto da estranha obsessão dos Girl Against Boys pela cultura lounge de sessentas, a atmosfera que nos rodeia é igualmente malsã. Em ambos localizamos McCloud em digressões nocturnas por estabelecimentos mal afamados, num estado ébrio tão disponível para o engate como para a zaragata.

O mundo negro de horrores dos Girls Against Boys, que no fundo também é o nosso, rendeu ainda mais dois compêndios de idêntica excelência à de Venus Luxure No. 1 Baby, nomeadamente nos dois álbuns imediatamente seguintes: Cruise Yourself (1994) e House Of GvsB (1996). A partir daí registou-se um decréscimo qualitativo das edições, talvez o principal motivo para que a banda esteja em banho-maria desde há uma década. No entanto, o hiato tem merecido aparições esporádicas em festivais da especialidade, com concertos que são a prova de que aquele tríptico de discos ainda representa algo para uma geração que anda agora na viragem dos trintas para os quarentas.

In Like Flynn by Girls Against Boys on Grooveshark

Bullet Proof Cupid by Girls Against Boys on Grooveshark

Bug House by Girls Against Boys on Grooveshark

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

As vinhas do Senhor
















É algo que já dura uma boa dúzia de anos, esta coisa da incapacidade de novos nomes se firmarem no firmamento musical e construírem carreiras sólidas. Curiosamente, este período coincide precisamente com o da democratização da internet e da facilidade de divulgação e acesso à música que daí adveio, bem como com o do decreto da morte indústria. Talvez falte o crivo que outrora pertenceu às editoras, e em consequência o que nos é oferecido são decalques de diferentes passados, onde rareiam traços de personalidade própria. Já nem falo do enjoo revivalista do post-punk ou daquelas coisas coloridas que recuperam alguns pesadelos de oitentas, felizmente confinadas a locais de que fujo a sete pés. A tendência mais recente é recuar na máquina do tempo, com cópias a papel químico de sons do tempo em que ainda não éramos nascidos. Não questiono a competência de bandas como os Black Keys, os Alabama Shakes, ou os Allah-Las, apenas duvido da necessidade da sua existência quando tenho ao dispor a música dos "originais", que além de originais escreviam melhores canções. Neste contexto, e para mostrar à garotada como se faz, tem sido necessário recuperar "velhas glórias", operação que resulta num saldo francamente positivo. Basta lembrar-mos as revitalizações de carreiras levadas a cabo por Rick Rubin, o regresso apoteótico do malogrado Solomon Burke e, ainda nos territórios da soul, a recuperação do esquecimento de nomes como Sharon Jones ou Lee Fields.

No sector da música negra, e no que a regressos de veteranos mais ou menos esquecidos, temos agora de somar a diva Mavis Staples, ela que iniciou carreira nas Staple Singers, grupo de gospel e tudo à volta dirigido pelo patriarca Roebuck Staples e partilhado com as irmãs. Depois da experiência de há três anos, já septuagenária, esta representante da alma negra de Chicago, reincide na aliança com Jeff Tweedy, líder dos Wilco, que então produziu o mui recomendável You Are Not Alone. Quanto ao novo One True Vine, não sei se derivado do melhor conhecimento de ambos, resulta pura e simplesmente assombroso, como poucos discos que tenham ouvido nestes últimos anos. Além de produzir, Tweedy toca também quase todos instrumentos, excepção para as percussões, a cargo do filho Spencer, e dos sopros. É também responsável pela composição de metade dos dez temas, sendo os restantes uma versão de um tema recente dos Low (também por ele produzido), uma regravação de um tema do tempo das Staple Singers, uma versão dos Funkadelic, outra de Washington Phillips, e um inédito escrito propositadamente pelo britânico Nick Lowe. A produção não se dispõe a grandes sumptuosidades, deixando a Voz de Mavis Staples assumir todo o protagonismo, num esplendor que parece ter-se refinado com os anos. Podemos dizer que a toada dominante é a da soul, com umas ligeiras pinceladas bluesy, e com a omnipresença das contaminações gospel, infiltradas de modo idêntico ao de Jason Pierce desta fase redentora dos Spiritualized. Como é costume em Mavis, excluindo a afirmação de orgulho negro mais abaixo, o que se canta são sobretudo manifestações de religiosidade, autênticas orações de fé. Porém, One True Vine é disco capaz de penetrar no coração de ateus militantes, agnósticos convictos , e crentes praticantes. A todos assegura a subida aos céus.

 
"I Like The Things About Me" [Anti-, 2013]

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Singles Bar #87









CAMPER VAN BEETHOVEN
Take The Skinheads Bowling
[Rough Trade, 1986]




Há canções assim, que pela intensidade da penetração no imaginário colectivo, são julgadas como sucessos comerciais retumbantes sem sequer estarem perto de o ter sido. Talvez não me ocorra melhor exemplo que o de "Take The Skinheads Bowling", que inicialmente nem foi programada pelos seus autores para single promocional, e quando foi lançada neste formato já tinha um distanciamento temporal relativamente ao álbum de origem suficiente para considerarmos a opção tardia. Entretanto, já as college radios americanas tinham adoptando este mesmo tema como prioritário na divulgação do álbum de estreia dos Camper Van Beethoven, causando tal impacto na juventude de então que as versões sucederam-se a bom ritmo ao longo dos anos seguintes.

Nascidos sob o sol da Califórnia, e ainda sob a égide dos estilhaços punk, estes Camper Van Beethoven ainda são do tempo em que o universo indie se envergonhava de ir beber às raízes. Não era o caso deste colectivo de filosofia do-it-yourself, que à dominância dos elementos folk juntava pitadas de ska, punk, world music, e a inevitável e apelativa pop. "Take The Skinheads Bowling", que acasala sem atritos a folk e a pop, destaca-se do alinhamento do álbum debute (Telephone Free Landslide Victory, de 1985) por ser irremediavelmente catchy, ficando para a posteridade como o tema mais emblemático destes californianos. A melodia é de uma simplicidade quase chocante, traçada pelo violino de Jonathan Segel, e o refrão em coro remete para ecos country & western. O estilo da voz de David Lowery, semi-cantado, semi-falado, é em tudo reminiscente da postura desinteressada com que Jonathan Richman nos contou histórias dos sub-mundos da América. Porém, não há em "Take The Skinheads Bowling" qualquer intenção de seriedade, já que a letra é delirante non-sense, embora se tente ler nas entrelinhas recado tanto aos sisudos visados no título como aos fundamentalistas hardcore da época.

O trunfo de não pretenderem levar-se demasiado a sério ("folk surrealista e absurdista", como os próprios proclamavam) poderá ter sido também o maior estigma dos Camper Van Beethoven, com o público a corresponder a essa pretensão. Porém, o que é certo é que, pelo menos junto da facção de oitentas que já tinha perdido a paciência para jovens a carregar o peso do mundo sobre os ombros, produziram temas de puro entretenimento em quantidade suficiente. "Take The Skinheads Bowling" é o melhor exemplar, claro.

Take the Skinheads Bowling by Camper Van Beethoven on Grooveshark

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

I hate myself and I want to die

















É no mínimo estranho o caso dos norte-americanos Superchunk, que em casa são vistos como uma autêntica "instituição" indie, e na Europa nunca foram além da adoração de uns quantos ao longo de quase um quarto de século de história. Mais incompreensível se torna a indiferença do Velho Continente se referirmos o facto de o vocalista Mac McCaughan e a baixista Laura Ballance serem os fundadores da Merge Records, uma das editoras independentes mais bem sucedidas na actualidade, ou que o baterista Jon Wurster, além de comediante, tem sido convidado a colaborar com uma infinidade de bandas e músicos bem estabelecidos junto do público europeu. O que é certo é que, desde a sua formação em 1989 em Chapel Hill, que à data era uma espécie underground daquilo que Seattle se tornaria em breve, já lançaram uma dezena de álbuns, qualquer deles pejados daquela estirpe de canções que condensam o espírito e a energia juvenis. Talvez derivado às actividades extra-curriculares, o ritmo de edições abrandou na década anterior, com o silêncio de quase dez anos interrompido apenas pelo fulgurante Majesty Shredding (2010), que sossegou os fiéis quanto aos rumores de um fim.

Com o novo e altamente recomendável I Hate Music, os Superchunk confirmam que o regresso foi para ficarem por muito mais tempo. Para tal não precisam de acrescentar algo de novo, tal como acontece neste disco, que um "especialista" deverá considerar um dos mais coesos do reportório. No entanto, e não obstante ainda se opere naquela encruzilhada do reboliço da punk-pop com a melodia contagiante da power-pop, há nestes onze temas algo de reflexivo, por vezes ensombrado, tornando óbvio que a inevitabilidade da meia-idade toca a todos. Consta que as palavras, por vezes pesarosas, que saem do habitual timbre nasalado de McCaughan foram inspiradas pela morte de um amigo próximo da banda, o que faz com que I Hate Music tenha a pairar sobre si a sombra da mortalidade, mas não deixando, contudo, de ser uma celebração da vida enquanto ela dura. A título de exemplo remeto-vos para para o curto "Staying Home", obviamente sobre a falta de vontade para saídas nocturnas, que por acaso é um dos petardos mais noisy da carreira dos Superchunk. De resto, e com alguma atenção às letras, a facção music geek não vai ficar indiferente à abordagem de assuntos como as descobertas e partilhas musicais da juventude a servirem de ponto de partida para amizades eternas, como acontece no exemplar abaixo, ou das sensações e arrepios, misto de felicidade e nostalgia, sentidos no final de mais um festival rock, no momento em que procissão abandona o recinto ("Trees Of Barcelona"). Posto isto, penso que nem é preciso dizer que, vindo de gente como os Superchunk, que entregaram a sua vida à música ("What Can We Do", dizem-nos no tema de encerramento com chave de ouro), um título como I Hate Music só pode ser sarcástico.

 
"Me & You & Jackie Mittoo" [Merge, 2013]

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

First exposure #58

















TRAVIS BRETZER

Nestes tempos em que a arte da canção pop parece perdida, um puto que percebe da cepa mostra como se faz.

Formação: Travis Bretzer (voz, gtr, etc.)
Origem: Edmonton, Alberta [CA]
Género(s): Pop, Indie-Pop, Jangle-Pop, Lo-Fi
Influências / Referências: The Smithereens, Elvis Costello, Orange Juice, Prefab Sprout, Felt, Mac DeMarco

"Trying To Learn" [Mexican Summer, 2013]

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Discos pe(r)didos #72









THE THREE O'CLOCK
Sixteen Tambourines
[Frontier, 1983]




Seguramente já vos devo aqui ter falado por várias vezes do Paisley Underground, um "movimento" com epicentro em Los Angeles, mas com ramificações a outros pontos dos states, que, de inícios para meados de oitentas, revisitava o psicadelismo west coast dos sixties filtrado pelas novas possibilidades pop abertas pelo punk e pela new-wave. Em todas essas vezes, talvez me tenha esquecido de referir a autoria do nome dado a esta efémera mas proveitosa tendência a um tal Michael Quercio, numa alusão às camisas de cornucópias usadas por muitos dos músicos ligados à "cena". Na altura, aquele era baixista e vocalista de uma banda chamada The Salvation Army, que gravou um álbum homónimo em 1982 e abandonou a designação para evitar problemas legais com a organização de caridade cristã do mesmo nome.

Com a mudança de identidade, o quarteto angelino aproveitou para mudar de azimutes. Assim, para trás ficou alguma rugosidade ainda algo aproximada ao punk, e deu-se a investida numa sonoridade eminentemente pop, daquela pop que não conhece tempo e faz da celebração da juventude a sua razão de ser, com todas as inanidades que isso acarreta. O tubo de ensaio da nova entidade The Three O'Clock deu-se com Baroque Howdown, um fulgurante EP que abriu caminho a Sixteen Tambourines, o álbum debute hoje mais que esquecido mas que na altura fez boa figura junto de crítica e público alvos. A receita, olhada a esta distância, até é bastante simples, consistindo em pouco mais do que melodias infecciosas em quantidade apreciável e uma celebração da vida que transborda felicidade por se ser jovem. A título de exemplo remeto-vos para temas como o inaugural e efusivo "Jet Fighter", o delicioso "And So We Run", ou o classicista "Tomorrow", que transpira The Zombies por todos os poros. No primeiro, que é talvez o tema mais rodado dos The Three O'Clock, está a súmula perfeita da sua proposta divergente da maioria dos correlegionários: guitarras exaltadas em diálogo com teclados modernaços, ou seja, a power-pop e a new-wave numa simbiose igualitária. Apesar da juventude, pressente-se uma banda conhecedora do passado, e evidência, se não mesmo vénia, surge na versão de "In My Own Time", dos Bee Gees, respeitadora do original mas sobejamente personalizada. Como os verdes anos não são apenas feitos de festa contínua, mas também de dúvidas e dissabores, Sixteen Tambourines também sabe ser sério e reflexivo. Esta faceta é representada pelos laivos de psicadelismo sombrio de "A Day In Erotica", e pela delicadeza ferida do derradeiro "Seeing Is Believing".

Característica comum a todos os dez temas do álbum é o registo alto da voz de Michael Quercio, sempre num tom de uma inocência quase infantil, algo que na altura parece ter colhido adeptos no Reino Unido junto da eminente vaga twee-pop. Já em solo pátrio, e apesar de praticamente ter ficado perdido nas espirais da memória, Sixteen Tambourines conseguiu algo tão notável com servir de matriz a sucessivas gerações do chamado college-rock. Por estas e mais razões, entre elas o recente anúncio do regresso dos The Three O'Clock um quarto de século depois da dissolução, é quase imperativo recuperá-lo. Interessa ainda referir que, coincidindo com a notícia do retorno, surge no mercado a compilação The Hidden World Revealed, ideal para "principiantes". O alinhamento assenta essencialmente neste disco de estreia e no sucessor, e igualmente recomendável, Arrive Without Traveling (1985). São raras a incursões aos dois restantes e desinteressantes registos, o último dos quais (Vermillion, de 1988) lançado com selo da Paisley Park Records, propriedade de um tal Prince Roger Nelson, que contribuiu com a autoria de um tema, talvez numa tentativa de repetir o golpe que mudou a carreira das camaradas paisleyanas The Bangles. Tentativa em vão, escusado será dizê-lo.

Jetfighter by The Three O'Clock on Grooveshark

A Day in Erotica by The Three O'Clock on Grooveshark

Tomorrow by The Three O'Clock on Grooveshark

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Mil imagens #41


Paul Weller & Pete Townshend - Londres, 1980
[Foto: Janette Beckman]

domingo, 18 de agosto de 2013

Too many broken hearts
















Desconheço que Craig Dermody seja um australiano patriota, mas tenho a certeza que é alguém consciente da importância de alguma iconografia da cultura popular do país dos cangurus. Digo isto por causa do nome de baptismo do seu veículo musical, uma referência ao momento das vidas das personagens de Jason Donovan e Kylie Minogue em Neighbours, a infindável novela que lançou estas duas estrelas precoces de destinos diferentes para a fama mundial. Foi como Scott & Charlene's Wedding que, em 2010, lançou internamente Para Vista Social Club, um álbum de canções áridas num registo indie-pop de traça clássica que só conheceu edição extramuros no ano passado. Seguida de um EP já nos primeiros meses de 2013, a reedição do disco de estreia serviu essencialmente para preparar terreno para o brilhante sucessor.

Gravado já com Craig Dermody emigrado em Nova Iorque, para onde se mudou alegadamente no rasto de uma miúda, e na companhia de banda completa, o novo Any Port In A Storm é, desde logo, um trabalho relativamente mais polido. No entanto, ainda exibe rugosidade em doses assinaláveis, e uma postura de quase arrogância, herdada de mestres do lema que-se-foda como Television ou The Only Ones. Refira-se, contudo, que as principais referências assentam nas tendências indie-pop de inícios de noventas, mormente pela evocação do sentido melódico de uns Lemonheads ou o sarcasmo de uns Pavement, elementos bem dissimulados numa proposta deveras personalizada. Se a música, seca mas orelhuda, é um petisco para tímpanos habituados a algumas imperfeições, é na capacidade para urdir letras inteligentes que reside o grande trunfo de Craig Dermody. Uma espécie de diário da vida na Grande Maçã de um desterrado de Melbourne, Any Port In A Storm contém algumas confissões de coração partido, bem como muitas crónicas da realidade da imigração e dos empregos precários, tudo confeccionado com o cepticismo suficiente para nem sequer se aproximar da fronteira da auto-comiseração.

"Lesbian Wife" [Fire, 2013]

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Arrepios na espinha

















Como sabem os entendidos na matéria, o pioneirismo da torrente indie-pop proveniente da Nova Zelândia há mais de três décadas, intimamente ligada à Flying Nun Records, pertence a bandas como Toy Love, Tall Dwarfs ou The Clean. Porém, não estaremos a ser injustos ao eleger como nome mais representativo daquilo que é muitas vezes designado como Dunedin Sound os The Chills. Na realidade, esta entidade criada em 1980 mais não tem sido do que Martin Phillips, variando na companhia consoante aqueles que estiverem disponíveis nas espaçadas interrupções do exílio, em muito provocado por uma longa dependência narcótica. Desde então, a chancela The Chills, que não dava sinais de vida há quase uma década, rendeu apenas três álbuns, outros tantos EPs, e mais de duas mãos cheias de singles. É pouco, é certo, mas muito se vos disser que esta parca produção contém pérolas pop em maior número que muitos catálogos de gente madura habituada ao ritmo das edições bianuais.

Neste contexto, é com incontida emoção que é recebida  junto dos adeptos POP, facção indie, a notícia de uma nova edição dos The Chills. Mesmo tratando-se apenas de um single com selo da Fire Records, editora responsável por algumas alegrias recentes através do que melhor se vai fazendo nas antípodas. Mas que single, meus caros! Sem qualquer ponta de exagero, e consciente da emotividade do momento, elevaria este novo tema ao nível da alquimia pop dos eternos "Pink Frost" (1984), "Wet Blanket" (1988), ou "Heavenly Pop Hit" (1990). Como poderão constatar mais abaixo, permanecem intactas todas as marcas identitárias do "som The Chills", i.e., sunshine pop intemporal de travo agridoce, desta feita adornada pela elegância das cordas. Agora é cruzar os dedos para que o álbum não tarde. E, já agora, porque não alguém aproveitar a saída do casulo para trazer Martin Phillips & C.ª a essas primaveras da vida?


"Molten Gold" [Fire, 2013]

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

R.I.P.


JON BROOKES
[1969-2013]

Na passada terça-feira, dia 13, morreu Jon Brookes, baterista dos britânicos The Charlatans, vítima de um tumor cerebral que lhe fora diagnosticado há três anos. Esta baixa é já a segunda na formação original da banda, depois da morte do problemático teclista Rob Collins em 1996, na sequência de um acidente rodoviário.

Jon Brookes esteve, portanto, na origem dos The Charlatans, em 1989, em pleno frenesim Madchester. Acompanhou todo o percurso, desde as nem sempre abonatórias comparações a bandas como Inspiral Carpets ou The Stone Roses, passando pela resistência e aceitação junto da geração britpop, até à consagração como uma das bandas britânicas mais consistentes do último quarto de século. O estatuto adquirido ao longo dos tempos, enquanto a quase totalidade dos contemporâneos ia ficando pelo caminho, seria algo difícil de prever pelos olhares de desconfiança dos primeiros tempos. Mesmo sendo uma banda habituada a duros reveses, teme-se agora pela continuidade, já que o vocalista Tim Burgess parece de uma vez por todas apostado na carreira a solo. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos...

 
The Charlatans - "Weirdo" [Situation Two, 1992]

Floating in space


















John Dwyer faz parte daquela estirpe rara de músicos incansáveis, daqueles cuja hiper-actividade é difícil de acompanhar até pelo seguidor mais acérrimo. Tem sido essa a metodologia com os Thee Oh Sees, o combo que encabeça e que, no curto espaço de sete anos, já rendeu a impressionante soma de onze álbum de estúdio. É também nome de culto junto da crescente falange da retromania, já que a sua música não esconde uma profunda afeição pelas sonoridades "garageiras" de sessentas, com um modus operandi respeitador pelos princípios lo-fi.

Com o mais recente Floating Coffin, Dwyer vem baralhar um pouco as contas, já que este é o seu trabalho mais robusto em termos de gravação, uma quase rendição à "alta-fidelidade". É também um mergulho assumido na psicadelia, algo que já estava latente no passado recente em esboços de alienação rock'n'roll. Extremamente enérgico, Floating Coffin é percorrido por um manancial de riffs insidiosos, acompanhados por um órgão inebriante e pelos falsettos tresloucados de John Dwyer, muitas vezes impossíveis de distinguir dos momentos em que Brigid Dawson dá um ar da sua graça no microfone. Quando os Thee Oh Sees concedem um abrandamento para recuperar fôlego, como acontece no planante "No Spell", a um sentir kraut que confirma que as musicalidades mais marginais andam sempre próximas. Perante a dificuldade subjacente à quantidade e à qualidade da oferta de o eleger como o melhor trabalho dos Thee Oh Sees, como tem acontecido nalguns quadrantes, faço-lhe a devida justiça ao proclamar Floating Coffin uma das trips musicais mais delirantes do ano corrente. Com capa a condizer, é preciso que se diga.

 
"Toe Cutter - Thumb Buster" [Castle Face, 2013]

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

R.I.P.



TIM WRIGHT
[1952-2013]

Morreu no passado domingo, dia 4 de Agosto, Tim Wright, músico intimamente ligado ao underground norte-americano de finais de setentas e inícios de oitentas. Talvez derivado ao facto de ter vivido as últimas três décadas em quase completa obscuridade, a notícia da sua morte chega com algum atraso.

Em 1975, Wright foi um dos membros fundadores dos Pere Ubu. Nas funções de baixista, gravou ao lado David Thomas & C.ª alguns dos primeiros singles da lendária banda de Cleveland, entre eles os seminais 30 Seconds Over Tokyo e Final Solution. Permaneceu com estes até 1978, data da edição de The Modern Dance, álbum de estreia no qual ainda chegou a participar em alguns temas. Depois de abandonar os Pere Ubu, rumou a Nova Iorque onde se juntou a Arto Lindsay e Ikue Mori nos DNA. Permaneceu até à sua dissolução, em 1982, tendo sido determinante como baixista na sonoridade da banda, já que veio substituir um teclista. No entanto, a sua chegada não se deu a tempo de participar nos temas destes agitadores no-wave na compilação No New York, o talvez sobrevalorizado resumo da "cena" nova-iorquina produzido por Brian Eno. O encontro com o produtor britânico dar-se-ia na condição de convidado para My Life In The Bush Of Ghosts (1981), disco conjunto deste com David Byrne, marco pioneiro na arte do sampling e da fusão com expressões musicais do mundo ocidental com a chamada world music.

Ainda não oficialmente confirmada, a causa da morte de Tim Wright poderá ter sido uma overdose.

30 Seconds Over Tokyo by Pere Ubu on Grooveshark
[Hearthan, 1975] 

New Fast by DNA on Grooveshark
[American Clavé, 1981]

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

O jogo das diferenças #20


NIRVANA
Nevermind
[DGC, 1991]

SMITH WESTERNS
Smith Westerns
[Fat Possum, 2009]

terça-feira, 6 de agosto de 2013

The revolution will not be televised

















Já todos sabemos como se regem os meandros da divulgação musical actual, que não consiste em mais do que a busca incessante da next big thing que, uma vez elevada aos píncaros, é de imediato votada ao desprezo. Neste cenário, passam quase despercebidas as actividades daqueles que já têm carreira feita, aos quais vai valendo o culto firme que assenta num público fiel que se está nas tintas para os fazedores de estrelas instantâneas. Um dos músicos que tem resistido estoicamente a esta tendência é Julian Cope, ele que chegou a ser uma verdadeira pop star, tanto nos tempos finais dos Teardrop Explodes, como nos primeiros anos do subsequente percurso a solo. Três décadas volvidas desde a dissolução daquela seminal banda do post-punk, leva já quase idêntico número de discos, num trajecto de gradual mergulho na obscuridade. O afastamento do mainstream não o desencoraja, antes pelo contrário, tem-lhe fortalecido o carácter interventivo do discurso de rebelde incurável. Paralelamente à actividade discográfica, é ele próprio um incansável divulgador, com obra literária publicada e dedicada às tendências mais obscuras e leftfield da música popular, com especial incidência no kraut e no submundo do rock japonês.

Tal como os últimos registos de alguém que há muito se divorciou do sistema, o novo Revolutionary Suicide é lançado por editora própria, e também quase gravado e tocado na íntegra por Julian Cope. Concluído no preciso dia da morte de Margaret Thatcher, ela que foi a "musa" de tantas outras ocasiões, e como o título deixa supor, segue a lírica de boa parte do trabalho recente: anti-capitalismo, ideologias políticas radicais, considerandos sobre acontecimentos históricos, análise de comportamentos sociais, e um ateísmo militante. Embora, pela sua duração, Revolutionary Suicide caiba num só disco, Cope opta por separá-lo em duas rodelas, escolha que aprovamos depois de assimilar as relativas diferenças entre as duas partes. Numa primeira, que funciona como introdutória, e que culmina no épico "The Armenian Genocide", domina a tendência acústica, com as secções de cordas sintetizadas e o piano a juntarem-se à guitarra como companhia à voz de Julian Cope, numa forma incrível apesar de há algum tempo ter ultrapassado o meio século de existência. No segundo disco, que podemos classificar como uma revisão "madura" da fase de oitentas, abundam os sintetizadores e os sopros. É nesta parte de Revolutionary Suicide que os monólogos se politizam por via da crítica social, com mais ironia do que propriamente desencanto. Num crescendo de estranheza, somos encaminhados para o derradeiro "Destroy Religion", delírio de tribalismo e descargas de ruído. Pela descrição, concluirão os mais familiarizados com a obra do artista que ainda não é este o disco que acrescenta algo à sua obra. Mas, com a insistência na audição, estou em crer que esses concordarão comigo se disser que este é o seu trabalho mais sólido desta última vintena de anos.


"The Armenian Genocide" [Head Heritage, 2013]

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Há 20 anos era assim #6









SMASHING PUMPKINS
Siamese Dream
[Hut, 1993]




Certamente ainda se lembrarão do período que se seguiu ao boom dos Nirvana, e do sem número de bandas que beneficiaram em exposição com o acaso, que a dada altura nos eram impingidas a um ritmo incessante e sem qualquer espécie de crivo qualitativo. Curiosamente, e pelo menos cá pelo burgo, os Smashing Pumpkins necessitaram das primeiras manifestações de megalomania do líder Billy Corgan para serem notados por um número vasto de jovens de noventas, apenas depois da rotação massiva dos singles do álbum Mellon Collie And The Infinite Sadness (1995). A história foi bem diferente lá pelas Américas, onde o debutante Gish (1991) já fora caso de culto considerável, e o subsequente Siamese Dream expôs a banda às massas. Ainda me lembro de desfrutar de ambos, quase na clandestinidade, e de me deliciar com a doce melancolia do primeiro, e depois com a descarga catalizadora da adrenalina dos nossos 20 anos do segundo.

No hiato compreendido entre o lançamento dos dois discos que realmente interessam da banda de Chicago, muito mudou tanto na estética como na abordagem às influências setentistas. Nesse espaço de dois anos perdeu-se quase em absoluto o elo de ligação às sonoridades dream-pop e shoegaze que ecoavam de Inglaterra, mas refinou-se uma identidade que, sem qualquer pudor, colhia ensinamentos das escolas progressiva e do heavy metal, então pouco ou nada identificáveis com o universo indie-rock. Por conseguinte, Siamese Dream contém uma mão cheia de descargas de electricidade, misto de fúria e desepero, propícias à velocidade de cabelos ao vento, isto no tempo em que a nossa massa capilar ainda era algo densa. O par de temas de abertura - "Cherub Rock" e "Quiet" - é demolidor nesse propósito, com cavalgadas, riffs, e solos vistosos que vão claramente beber à obra dos Black Sabath. Seguindo uma linha próxima, "Rocket" realça ecos de psicadelismo, enquanto "Geek U.S.A." adensa o peso na rapidez das batidas e numa das vocalizações mais furiosas da carreira de Billy Corgan. Ainda nesta categoria, "Today" é melódico, feliz, e ensolarado o suficiente para espelhar as raízes indie da facção ruidosa dos Smashing Pumpkins. Por oposição a este grupo de temas mais enérgicos, a banda oferece quase idêntico número de temas calmos, quase essencialmente acústicos. Se "Spaceboy" e "Disarm" têm já alguns indícios do sinfonismo que haveria de tornar a banda numa autêntica abjecção, com episódio zero no pouco modesto e desequilibrado Mellon Collie..., "Sweet Sweet" é delicioso na recuperação do soft-rock de setentas, outra das simpatias indisfraçadas que faziam dos Pumpkins aves-raras face aos contemporâneos. Melhor ainda, o derradeiro "Luna" e sua guitarra preguiçosa inscrevem-se numa linhagem anestesiante do psicadelismo. Vivendo da dinâmica daquelas sonoridades antagónicas, talvez Siamese Dream tenha os seus melhores momentos quando elas se alternam, normalmente nos temas mais longos. Com uma variação de texturas, ora a descarga eléctrica, ora a calma planante, temos o relativamente homogéneo "Hummer" e o crescendo de "Soma". Contudo, no lote destacam-se as quebras inebriantes de "Mayonaise" e os mil e um rodopios do avassalador "Silverfuck".

Pertencendo aquele grupo de discos que já não se ouvem porque já estão completamente alojados numa parte recôndita do nosso cérebro, Siamese Dream mereceu uma boa meia dúzia de audições antes de vos escrever estas linhas. Depois de lhe retirar o pó, concluo que, em termos de resistência ao tempo, fica claramente a perder para Gish. Os principais motivos para tal talvez se prendam com a produção lustrosa de Butch Vig, e sobretudo com a mistura final de Alan Moulder. O trabalho deste, caracterizado pela colagem dos instrumentos como um todo, que facilmente impressionava na altura, soa hoje datado, para não dizer algo artificial, neste tempo em que se volta a privilegiar a pureza em detrimento do aparato. Não obstante a constatação desta erosão, deixem-me dizer-vos que a experiência não deixou de ser motivo para um bom número de arrepios de nostalgia.