Foto: Richard Dumas
É reacção mais ou menos natural a desconfiança relativamente a algo que nos é anunciado como a oitava maravilha do mundo musical, aquilo a que vulgarmente se chama hype. A tendência para este comportamento faz parte da nossa natureza, embora, com alguma racionalidade, muitas vezes tenhamos de admitir que aquilo que querem impingir à nossa autonomia pensante é de facto muito bom. Envoltas numa aura deste género, há mais de um ano, as londrinas Savages são um daqueles casos que nos levam a considerar que, por vezes, o hype é justificado. Isso é algo que já sabíamos do par de pequenos formatos lançados em 2012, que apesar de derivados de tendências post-punk mil vezes revisitadas, exibiam uma genica que envergonha a esmagadora maioria de bandecas revivalistas da última dúzia de anos.
Faltava às raparigas a prova dos nove do álbum de estreia, teste que, afirmo sem hesitações, passam com distinção. Embora só chegue às lojas na próxima segunda-feira, a audição de Silence Yourself já foi disponibilizada em streaming. A meia dúzia de escutas a que me sujeitei nas últimas 48 horas leva-me a crer que será um dos discos mais aclamados do ano, em diferentes estratos de público, e a concluir o que já desconfiava: as Savages são algo mais, muito mais, do que um mimetismo de Siouxsie & The Banshees. Apesar de alguns tiques vocais de Jehnny Beth remeterem para os trejeitos da "madrinha dos góticos", sou da opinião que Silence Yourself revela outros ecos post-punk talvez mais evidentes, nomeadamente dos Public Image Ltd. e dos Crass, bem como de um número considerável de expressões de feminismo daquela época. Dos PiL recupera-se uma certa frieza, traduzida num pulsar kraut que faz do minimalismo uma ferramenta usada com abundância. Já em comum com a filosofia dos Crass há uma certa militância política, não necessariamente engajada, antes como uma espécie de porta-vozes de uma imensa minoria que se rebela contra inimigos invisíveis neste nosso mundo em desagregação, onde o excesso de informação conduz à desinformação, onde todos opinam sobre tudo. Nesta postura faz todo o sentido o negro da indumentária, usado quase como um uniforme nos concertos que nos relatam como electrizantes. Da inflamabilidade das Savages em palco é algo que apenas poderei aferir, logo em dose dupla, lá mais para o final do mês...
"Shut Up" [Matador, 2013]
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