"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

terça-feira, 7 de maio de 2013

Há 20 anos era assim #4









PJ HARVEY
Rid Of Me
[Island, 1993]




Em inícios de noventas, quando as guitarras enfurecidas vindas da América ameaçavam tomar conta do mundo rock, tardava a resposta britânica. O "reino", entretido a assistir ao definhar do shoegaze, tardou mas acertou, embora com escassa representação. Tudo se resumiu, basicamente, à voz feminina de PJ Harvey, acabada de entrar nos vintes, mas com a agrura de quem parece já ter vivido muitas décadas. E não vinha só, já que, relembre-se, na altura a designação era a de uma banda e não de uma artista a solo. Para além de Polly Jean Harvey, a cantora e guitarrista, o colectivo albergava ainda o baixista Steve Vaughan e o baterista Rob Ellis. Foi nesta condição que gravaram um par de álbuns, talvez menos bem sucedidos comercialmente que os posteriores da artista principal, mas ambos com estatuto de essenciais para se entender as voltas do rock na década de 1990. O primeiro foi Dry (1992), que propunha uma visão pós-feminista com forte acento blues, que conheceu um sucessor que desenvolvia a fórmula mas com um carácter bastante mais pessoal.

Para a gravação de Rid Of Me, Polly Jean requereu os serviços de Steve Albini, na altura no seu apogeu de enfant terrible que combatia o mainstream com unhas, dentes, e uma língua afiada, de onde depreendemos que o propósito era gravar um disco que fugisse aos cânones dessa, ou de qualquer outra época. Com efeito, desde a capa, à brutalidade impressa na rodela, não há em Rid Of Me qualquer intento de fazer o "bonitinho", de acordo com as regras estabelecidas para uma banda/artista acabada de chegar às multinacionais. É impressionante a crueza, porém com uma pureza intacta, da gravação registada por Albini, como se a voz, a guitarra, o baixo, e as percussões, com alguma distorção à mistura, fossem atiradas contra uma tela em branco, deixando uma mancha que permite a destrinça de cada pedaço de som. Com as muitas nuances da voz de Polly Jean, fazem-se algumas partidas, ora distorcendo-a, ora alternando-a entre o sussurro quase inaudível e o grito lancinante. Isto é música em estado bruto, sem adereços supérfluos, reduzida praticamente à trindade básica do rock da guitarra-baixo-bateria. Uma excepção é "Man-Size Sextet", número acústico com secção de cordas que, curiosamente, é o único no disco que não é registado por Albini. O mesmo tema aparece, no entanto, numa outra versão, esta sim autêntica descarga eléctrica com aroma punky.

Louvado o trabalho do produtor (ou gravador, ou engenheiro, ou lá como ele gosta de ser tratado), passemos ao elogio de Polly Jean Harvey, no fundo a força propulsora de Rid Of Me, expondo as entranhas de forma tão despudorada que se torna quase chocante. Na altura com uns tenros 22 anos, foram precisos esperar mais dez para que aparecesse uma mulher tão jovem a expor a intimidade com igual à-vontade, na circunstância uma tal de Amy Winehouse. Ao longo dos catorze temas, percorremos temas tão "incómodos" como o ardor do desejo ("Rid Of Me"), a carência carnal ("Missed"), a masturbação ("Rub 'Til It Bleeds" e "Man-Size"), o sentimento de posse ("Legs" e "50ft Queenie"), a submissão ("Yuri-G"), a frigidez ("Dry"), a hiper-actividade sexual ("Me-Jane"), descrições gráficas do orgasmo ("Ecstasy"), e ainda referências sem pudores à genitália masculina ("Snake"). Acrescente-se que, à data, houve quem apontasse à cantora ter como únicos interesses o sexo e o sangue, juízo algo injusto se atendermos a que, na sua essência, Rid Of Me é uma espécie de catarse pessoal, alegadamente na sequência do fim de um caso amoroso. Para além dos temas próprios, Polly Jean tem ainda tempo para atacar o clássico "Highway '61 Revisited", original de Bob Dylan autenticamente esventrado numa versão feita de tensão e electricidade, cuja audição nos faz pensar no que diriam do resultado aqueles que chamaram "Judas" ao autor na célebre mudança do acústico para o eléctrico.

Pela suas características, em toda a sua brutalidade e crueza, e pelo voyeurismo a que se sujeita, Rid Of Me poderá não ser de fácil digestão para gente menos dada a uma maior dureza rock. Contudo, quer pelas alternâncias próprias do travo bluesy, quer pelas mudanças bruscas de ritmo impostas pela produção, o disco flui com assinalável facilidade até para o mais duro de ouvido. Este último detalhe, já utilizado com êxito em Surfer Rosa, dos Pixies, diz-se que terá sido determinante para a escolha do produtor. Consta ainda que, somado à paixão pelo mítico quarteto de Boston, o resultado final de Rid Of Me terá sido determinante para que um tal de Kurt Cobain recorresse também a Steve Albini para a gravação de In Utero, tentativa mais ou menos declarada de sabotar o improvável sucesso para o qual se viu catapultado. Polly Jean, essa seguiu o seu caminho em solitário, levando consigo a "marca" PJ Harvey. Num primeiro instante, reinventou-se com êxito no também altamente recomendável To Bring You My Love (1995), disco em que melhor explora as capacidades da sua voz. Depois, os trabalhos foram-se sucedendo, lançados normalmente com parangonas de tamanho inversamente proporcional à sua relevância, algo que se justifica pela ascensão à chamada "burguesia alternativa" à medida de um público adulto conformado, normalmente requisitada para colaborações com outros da mesma igualha.

Rid of Me by PJ Harvey on Grooveshark

Man-Size Sextet by PJ Harvey on Grooveshark

Highway '61 Revisited by PJ Harvey on Grooveshark

50ft Queenie by PJ Harvey on Grooveshark

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