"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Discos pe(r)didos #66









KITCHENS OF DISTINCTION
Strange Free World
[One Little Indian, 1991]




Com o fim dos The Smiths, pairou um certo sentimento de orfandade sobre a facção mais emotiva da comunidade indie. Nada que bandas como The Wedding Present ou The House of Love não tratassem rapidamente de corrigir, pelo menos até que as vagas baggy e shoegaze não se propagaram por todo o Reino Unido. Hoje menos referidos que aqueles, mas na época com idêntico protagonismo, os Kitchens of Distinction (KoD), um trio da grande metrópole londrina, impregnou com uma aura sonhadora o meio, ao ponto de, inclusive, terem servido de inspiração a alguns dos shoegazers que lhes tomariam o lugar.

Depois de um óptimo álbum de estreia (Love Is Hell, de 1989), mas ainda a acusar alguma verdura nas imperfeições que se detectam ao longo de uma audição, os KoD lograram a obra definitiva dos seus intentos com o sucessor. Alegadamente, o disco recebeu o título de Strange Free World (SFW) após uma carta de um fã japonês, que com aquelas palavras definiu a música da banda. A definição é mais que ajustada se tivermos em conta que a música dos KoD habita um lugar único, no qual uma melancolia não derrotista convive com a esperança traduzida num romantismo de cunho poético, algo que tanto fica expresso na ambiguidade das palavras, como na componente instrumental.

Em toda a obra da banda, e mais intensamente em SFW, o principal traço distintivo é a delicadeza das guitarras altamente processadas de Julian Swales, capazes de reproduzir as diferentes intensidades do zumbido de um enxame de milhões de insectos. Basta conferir no par de temas que abre o disco ("Railwayed" e "Quick As Rainbows"), qualquer deles assinalado pelo tinir das cordas como filigrana. O primeiro, tal como mais à frente "Drive That Fast", o single que mereceu relativo airplay, denuncia uma vontade de evasão, algo recorrente na obra dos KoD. A este propósito, talvez valha a pena referir que o vocalista, baixista e letrista Patrick Fitzgerald é um homossexual assumido, que muitas vezes, nas canções de cunho pessoal, expressava uma franca insatisfação pela discriminação a que se via sujeito, particularmente num universo indie à data manifestamente straight e algo sectarista. Ainda assim, em SFW tais temáticas são abordadas com maior subtileza, talvez à excepção de "Gorgeous Love", por sinal o tema mais ligeiro do alinhamento. 

Se a toada atmosférica tem a predominância, por vezes os KoD também ensaiam estruturas de canções que fogem à lógica da ortodoxia. É o caso de "Hypnogogic", marcado por uma batida sincopada que chega a conter até algum groove. Ou de "He Holds Her, He Needs Her", com as guitarras de cristal a debaterem-se com as ameaças de tensão, que acabam por levar a melhor no refrão em crescendo. Não sendo o mais imediato dos seus temas, arrisco a elegê-lo o mais brilhante do seu reportório, tanto pela estrutura peculiar, como pela letra, súmula dos altos e baixos de uma relação amorosa com forte carga poética. Idêntico teor lírico encontramos em "Within The Daze Of Passion", este com a mais angustiante vocalização de Fitzgerald. E se já aqui falámos de tensão, convém referir "Polaroids", um tema em que se evocam memórias distantes enquanto a guitarra reproduz a violência do tumulto das ondas a colidir contra as rochas.

Depois de um primeiro álbum em regime de auto-produção, em SFW é parece determinante a intervenção do experiente produtor Hugh Jones, que terá trazido à música dos KoD um desejo de grandeza que já tinha ajudado a concretizar no seu trabalho com os Echo & The Bunnymen. Com estes, SFW tem também em comum uma aura marítima, materializada no derradeiro "Under The Sky, Inside The Sea", tema de proporções épicas com uma longa introdução instrumental, marcada por incursões de sopros jazzísticos, que culmina num tom vitorioso quase hínico. Um encerramento à la Bunnymen, portanto.

A seguir a SFW, haveria ainda mais dois álbuns com a marca KoD, qualquer deles bem aceite pela crítica, mas em termos de exposição mediática ofuscado pelas novas orientações, para outras paragens, do pop/rock de guitarras. Uma década exacta após este disco superlativo, não se sabe se de forma consciente, se por mero acidente, e quando o mundo os parecia ter esquecido de vez, uma banda de nome Interpol usaria a matriz única dos KoD no seu primeiro álbum, com franqueza, o único que realmente interessa.

He Holds Her, He Needs Her by Kitchens Of Distinction on Grooveshark

Polaroids by Kitchens Of Distinction on Grooveshark

Drive That Fast by Kitchens Of Distinction on Grooveshark

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Hey kids, rock & roll, nobody tells you where to go



Por mais do que uma vez já aqui me terão visto a rogar pragas aos eighties. Na realidade, o que me aborrece relativamente a essa década não é propriamente a década em si, mas a recuperação ad nauseum a que temos assistido através de sub-produtos mil vezes mais tóxicos do que o esterco original. Feito o balanço do que realmente interessa, é uma década na qual ainda assenta uma boa parte da minha dieta musical, tanto em revisitações recorrentes, como em descobertas que uma imensa curiosidade me proporciona.

Gostava que soubessem que, por exemplo, alguns dos discos que nos tempos mais recentes mais tenho ouvido pertencem àquela época. Uma boa quota-parte pertence aos R.E.M., mais concretamente aqueles primeiros cinco discos da chamada "fase independente". Foi nesta altura que a banda de Athens, Geórgia, fascinada pela pop de raíz americana dos magníficos The Byrds, e devota em partes iguais dos Velvet Underground e dos Big Star, traçou um percurso semelhante em relevância aos dos The Smiths no Reino Unido, com tudo o que isso possa ter de justo como de redutor. Depois veio o estrelato, ainda com muitos pontos de interesse, ao qual se seguiu um longo definhar que poderia ter sido evitado se tivesse havido a sensatez de cessar funções logo que se desfez o quarteto original.

Estas visitas frequentes levaram-me a ser atacado pelo chamado "síndroma Alta Fidelidade", que se manifestou na vontade de elaborar um top ten dos meus dez temas favoritos dos R.E.M.. Confesso-vos que não foi tarefa fácil, não tanto pela vastidão da obra gravada, mas mais porque, normalmente, os discos dos R.E.M. valem mais pelo seu todo do que por este ou aquele tema isolado. Mas, com muita ponderação, lá se fez a coisa, que agora vos apresento em regime countdown. Obviamente, a maioria dos temas eleitos são retirados daquela mão-cheia de pequenas obras primas da fase inicial. Recados e reparos aceitam-se e são bem- vindos.

10. "Low" (1991)
09. "Let Me In" (1994)
08. "Finest Worksong" (1987)
07. "Cuyahoga" (1986)
06. "Orange Crush" (1988)
05. "Radio Free Europe" (1983)
04. "Talk About The Passion" (1983)

 
03. "Drive" [Warner Bros., 1992]

 
02. "So. Central Rain" [I.R.S., 1984]

 
01. "Fall On Me" [I.R.S., 1986]

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Os bons filhos à casa tornam
















Foto: Jo McCaughey

Podem não ter a projecção de uns No Age ou de uns Wavves, mas o que é certo é que os Times New Viking estavam lá, na linha da frente, do "novo" lo-fi norte-americano. Por eles responde também uma obra substancialmente mais vasta do que a daqueles "concorrentes", inclusive com incursões por algumas das mais gigantescas independentes da terra-natal. Primeiro passaram pela Matador, depois pela Merge Records, sem, contudo, atingirem os níveis de aceitação pública que deles eram expectáveis por parte daquelas editoras.

Goradas as expectativas de uma subida de escalão, os Times New Viking resignam-se com o regresso Sitlbreeze Records, a casa que primeiro os acolheu e a mais uma data de bandas no mesmo comprimento de onda. Para assinalar a ocasião acabam de lançar Over & Over, um EP de seis temas que, por sinal, não é um regresso às massas disformes de ruído dos tempos da anterior ligação entre ambas as partes. Antes pelo contrário, Over &  Over reforça a inclinação para canções dignas desse nome, próximas de merecer o rótulo de pop, algo que o óptimo álbum Dancer Equirred (2011) já introduzia no universo dos TNV. No entanto, as guitarras de pontas afiadas de Jared Phillips e os teclados dissonantes de Beth Murphy, continuam presentes de uma forma nada dissimulada. Os jogos resultantes da combinação da voz desta última com a do baterista Adam Elliot, somados de um maior cunho melódico, são os principais factores que determinam este EP como o melhor conjunto de temas dos TNV até à data. Por agora são apenas uns curtos catorze minutos, que nos deixam a salivar pelo álbum que se adivinha.


"Middle Class Drags" [Siltbreeze, 2012]

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Secção de frescos


















De quando ouvi pela primeira vez Play It Strange (2010), o terceiro álbum dos franciscanos The Fresh & Onlys, lembro-me de ter ficado agradado pela forma como a banda conseguia extrair melodias catchy de temas que enveredavam por via de psicadelia que já não é destes tempos. Era um disco declaradamente ancorado na década de sessentas, e talvez pela sua rugosidade vagamente lo-fi, só gradualmente assimilável. O deslumbramento foi, por isso, um processo por etapas, que só conheceu o auge num concerto de fim de tarde de boa memória. A partir daí, o interesse pelos The Fresh & Onlys tornou-se quase obsessivo, passando, obrigatoriamente, pela necessidade de conhecer o restante trabalho.

Um devoto convicto e confesso só pode sentir-se agraciado com o novo Long Slow Dance, lançado há coisa de mês e meio. As premissas deste disco são as dos anteriores, porém, os The Fresh & Onlys destaparam as novas canções daquela nebulosa que as cobria, deixando revelar mais imediatamente a veia pop que lhes está intrínseca. A reverberação ainda é uma presença, engrandecendo cada tema naquela forma muito sessentista, muito west coast, que tem nos Byrds os maiores embaixadores. No jangle das guitarras há agora também algo dos seguidores daqueles em meados da década de 1980. No entanto, toda a sedução de Long Slow Dance não deve ser menorizada por assentar em referências tão vincadas, antes deve ser enaltecida pela grandeza do mentor Tim Cohen enquanto escritor de canções. Recomendo que se arrume junto de Bend Beyond, o novo e mui recomendável dos Woods, parentes próximos que também, aos poucos, se aproximam de uma linguagem pop, fazendo com que perdurarem as nossas memórias dos fins de tarde do Verão que já lá vai.

"Presence Of Mind" [Mexican Summer, 2012]

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Pacote para a austeridade

















Nasceram em San Diego, no extremo sul da Califórnia, sob a designação The Muslims, nome que abandonaram a fim de evitar interpretações indesejadas. Já na terra das oportunidades de Los Angeles, rebaptizaram-se como The Soft Pack, nome não menos provocatório se vos lembrar que se refere a um certo "brinquedo sexual". A veia travessa que os nomes sucessivos sugerem seria materializada num primeiro álbum, homónimo, que integrava os hoje tão recorrentes elementos surf e garage num ardiloso disco que, no fundo, era uma súmula destas seis décadas passadas de rock'n'roll. Quando chegou a hora do balanço do ano de 2010, The Soft Pack seria merecedor dos mais rasgados encómios.

Com tal antecessor, eram tão altas as expectativas como os receios relativamente ao novo Strapped, que numa primeira abordagem deita por terra muito do nosso entusiasmo em torno do quarteto californiano. Então não é que esta gente se virou para aquela facção mais despreocupada da pop oitentista, com sintetizadores e tudo, e solos de saxofones à discrição?! No sugestivamente intitulado "Bobby Brown", o raio da corneta chega ao cúmulo de acompanhar uma daquelas melodias que imaginamos em videoclipes com cocktails e danças tolas à beira-mar. Se a sensação deixada por este tema não é recuperável com novas audições, o mesmo não se poderá dizer da quase totalidade dos restantes. Com a insistência, Strapped acaba por se revelar uma espécie de reactualização da receita do disco de estreia, com uma instrumentação mais variada do que a trindade genérica do rock. Pode não ter as guitarras nervosas do anterior, mas não abre mão da mesma postura irrequieta, do cinismo implícito na voz, e de um ambiente festivo mesmo a propósito agora que do Verão já só restam as recordações. Quanto ao famigerado saxofone, acaba por se redimir com distinção no delirante outro do derradeiro "Captain Ace", momento em que os Soft Pack se afastam claramente da norma pop/rock.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Mil imagens #33



Mudhoney - Atlanta, Geórgia, 1998
[Foto: Dennis Kleiman]

domingo, 14 de outubro de 2012

'Allelujah, here it comes
















No submundo hoje superpovoado do post-rock, facção instrumental, duas bandas funcionam hoje como unidade de medida, sob a qual todas as outras são avaliadas: os escoceses Mogwai e os canadianos Godspeed You! Black Emperor. Se os primeiros, talvez pela omnipresença, são já aceites como um produto pop, os últimos ainda carregam uma aura de mistério em seu redor, factor determinante para o culto acérrimo que geram. Muito provavelmente cientes de que a abundância de edições num "género" tão restrito poderia implicar riscos de repetição, os GY!BE entraram em hiato por tempo indeterminado em 2003, sem que daí adviesse qualquer perda de devoção por parte dos seus fiéis seguidores. Foi pois, em ambiente de euforia que se recebeu a notícia do regresso do colectivo aos palcos, há coisa de dois anos, sem, contudo, se especular sobre o eventual interesse mercantilista da operação. A filosofia anti-capitalismo, bem expressa nos títulos deveras eloquentes dos temas sem letras, e a estratégia que pouco ou nada se coaduna com a norma pop são por demais conhecidas de todos para serem postos em causa.

Seguindo esta rigorosa ética, portanto sem qualquer anúncio com meses de antecedência, o mundo prepara-se para receber (amanhã) 'Allelujah! Don't Bend! Ascend!, o quarto longa-duração dos GY!BE, desde há alguns dias em streaming exclusivo no sítio on-line do jornal britânico The Guardian. Composto por quatro temas, dois deles perto da marca dos 2o minutos de duração, os outros dois substancialmente mais curtos para os padrões habituais, o novo álbum soa-me mais como uma espécie de reactualização das mini-sinfonias do esplendoroso álbum de estreia, do que como um desenvolvimento da menor linearidade dos registos posteriores. Opção compreensível, se tivermos em conta que a aura apocalíptica de F#A#Infinity (1997) faz tanto sentido no mundo em convulsões de hoje, como fazia na tensão pré-milenar em que foi gerado. O tema mais imediatamente assimilável é o inaugural "Mladic", com um crescendo de rompante a evoluir para uma cavalgada próxima de ser catalogada como "industrial". Neste, não passam despercebidos os elementos étnicos, primeiro com tonalidades arabizantes, perto do final com percussões e chocalhadas índias. Os três temas remanescentes reforçam a tese de que os GY!BE têm uma capacidade única de extrair rara beleza de ambientes opressivos em que o ruído não é factor de todo desprezável. Ainda que 'Allelujah! fosse um prolongar da semi-desilusão que foi Yanqui U.X.O. (2002), experiência mal sucedida com Steve Albini nos comandos técnicos, o que fica já definido que está longe de ser, teríamos sempre a quase certeza de que qualquer vislumbre dos GY!BE num palco será sempre uma experiência de contornos próximos do sacro. A próxima cerimónia a que farei os possíveis por assistir terá lugar dentro de duas semanas exactas, na mui nobre e invicta cidade do Porto.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

A solidão (ainda) é uma bênção

















Na altura do meu primeiro contacto com os australianos Tame Impala ainda estes eram uns autênticos putos (antes que venham com conjecturas de mau-gosto, esclareça-se que ainda eram um trio inteiramente masculino), surpreendentemente, para aquela idade, fascinados com o mundo da psicadelia sessentista. Em carteira tinham apenas um EP que, embora demasiado derivativo de uns Cream ou até de Hendrix, deixava antever algum potencial aos miúdos das antípodas. Entretanto, chegou o tão badalado álbum Innerspeaker (2012), viragem dentro do espectro psicadélico para uma abordagem mais próxima da pop, por vezes a tanger os fab four, e com ele a certeza de que os Tame Impala eram para se seguir com atenção.

Para tirar as teimas, aí está Loneirism, o novíssimo segundo álbum cujo título reforça a ideia de que esta gente cresce a enaltecer as benesses da solidão. Para o caso, talvez interesse referir que os Tame Impala vêm de Perth, conhecida como a metrópole mais isolada do mundo, o que poderá ter neles a mesma influência que teve na aura de alienação da música dos conterrâneos The Triffids, há vinte e tal anos. Passando à música contida na rodela, as diferenças estéticas - sempre dentro da psicadelia, como uma espécie de reactualização da coisa - relativamente ao antecessor são notórias. Logo no começo, sente-se um apelo das raízes, expresso numa batida tribal que, por mais do que uma vez, assoma ao longo do disco. As influências são agora mais difusas, com as aproximações beatlescas a resumirem-se aos escassos momentos em que a voz de Kevin Parker se assemelha à de Lennon, enveredando agora, na maioria dos temas, por uma espécie de semi-falsetto. Embora omnipresentes, as guitarras perdem terreno para os teclados, alargando os segmentos instrumentais em regime quase jam, e conferindo ao álbum uma certa uniformidade. Do todo, pressente-se um desejo de aspirar à grandiosidade, facto a que será alheio o envolvimento de Dave Fridmann, homem versado nesta "matéria", que alegadamente coadjuvou Kevin Parker na produção de Loneirism. Curiosamente, e em sentido contrário à tendência dominante, os Tame Impala escolheram para primeira amostra o tema em que os delírios guitarrísticos se revelam mais prementes:

 
"Elephant" [Modular, 2012]

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Fisrt exposure #48




















Foto: Thomas McCaul

FAT CREEPS

Formação: Gracie Jackson (voz, gtr); Mariam Saleh (voz, bx); Jim Leonard (btr)
Origem: Boston, Massachusetts [US]
Género(s): Indie-Pop, Noise-Pop, Garage-Pop, Riot-Grrrl, Post-Punk
Influências / Referências: Sleater-Kinney, The Breeders, Scrawl, The Raincoats, Throwing Muses, The Rogers Sisters

http://fatcreeps.bandcamp.com/


 
"Cherry" [Lemon Popsicle, 2012]

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Mixtape #19: (Under)Covers - Vol.3



Ora digam lá se não estavam já a estranhar nova prendinha? Para hoje proponho-vos a terceira e última colectânea de versões, temática que tem merecido rubrica regular neste pasquim. Como não poderia deixar de ser, a presente compilação segue as linhas estéticas que têm norteado este April Skies, com 20 temas mais ou menos conhecidos das massas nas suas versões originais, aqui revistos, julgo eu, com alguma graça. É conferir no link imediatamente antes do alinhamento, sff.


01. MY BLOODY VALENTINE - "We Have All The Time In The World" (Louis Armstrong)
02. BELLE & SEBASTIAN - "Crash" (The Primitives)
03. VERONICA FALLS - "Under My Thumb" (The Rolling Stones)
04. THE BEETS - "The Loco-Motion" (Little Eva)
05. BECK - "I Only Have Eyes For You" (Dick Powell & Ruby Keeler / The Flamingos)
06. ROGUE WAVE - "Debaser" (Pixies)
07. THE DUKE SPIRIT - "A House Is Not A Motel" (Love)
08. THE WEDDING PRESENT - "Cattle And Cane" (The Go-Betweens)
09. BRAKES - "Sometimes Always" (The Jesus and Mary Chain)
10. ROYAL TRUX - "Theme From M*A*S*H (Suicide Is Painless)" (Johnny Mandel)
11. ELECTRELANE - "I'm On Fire" (Bruce Springsteen)
12. JAPANDROIDS - "Shame" (PJ Harvey)
13. SONS AND DAUGHTERS - "Killer" (Adamski & Seal)
14. THE DETROIT COBRAS - "Last Nite" (The Strokes)
15. VIOLENT FEMMES - "Do You Really Want To Hurt Me" (Culture Club)
16. VELVET CRUSH - "She Cracked" (The Modern Lovers)
17. CROCODILES - "Groove Is In The Heart " / "California Girls" (Deee-Lite / The Beach Boys)
18. DIRTY BEACHES - "The Singer" (Johnny Cash)
19. ATLAS SOUND - "Unchained Melody" (The Righteous Brothers)
20. ENGINEERS - "Song To The Siren" (Tim Buckley)

terça-feira, 9 de outubro de 2012

The future is unwritten
















Não estarei a acrescentar nada de novo ao que tem sido dito e escrito ao afirmar que os A.R. Kane são a mais criminalmente esquecida banda da ebulição indie de finais de oitentas e inícios de noventas. Formados por Alex Ayuli e Rudi Tambala, dois negros de dreadlocks que causaram estranheza no meio, quase exclusivamente branco, desde cedo despertaram a cobiça da principais editoras de então, tendo, inclusive, editado por três selos de renome: primeiro pela One Little Indian, depois pela 4AD, por fim pela Rough Trade. 

Os primeiros passos deram-nos ainda na vigência do fuzz-pop pós-C86, mas já indicando novas pistas para um "género" que parecia confinado à escassez de ideias. Já na editora de Ivo Watts-Russell, foram co-responsáveis (juntamente com os Colourbox, sob a desiganação M/A/R/R/S) por "Pump Up The Volume", tratado de samplagem cujo sucesso retumbante quase ditava o fim da inexperiente 4AD. Pela mesma editora teriam apenas um EP (Lollita, de 1987), já nos meandros de uma dream-pop de alto teor experimentalista. Chegados à Rough Trade, os A.R. Kane chegaram também aos álbuns, o primeiro dos quais - 69, de 1988 - constitui a afirmação absoluta como arquitectos sonoros que teriam influência determinante nos desenvolvimentos dos My Bloody Valentine de Loveless. Do ano seguinte, "i" alinha por um avant-pop contaminado de funk que, num passado recente, teve ecos nos TV on the Radio ou nos aparentados Apollo Heights. Impressionado pela sonoridade única e aventureira da dupla, David Byrne lançaria, através da sua Luaka Bop, a compilação Americana (1992), destinada a promover os A.R. Kane junto do público norte-americano. Esta manobra seria condenada ao fracasso, e foi já em desagregação que a parelha editaria o terceiro e derradeiro New Clear Child (1994), este a revelar inclinações soul a cada recanto.

Por ironia do destino, no mesmo ano em que os "seguidores" My Bloody Valentine receberam igual tratamento, a One Little Indian acaba de editar Complete Singles Collection, compilação de dois discos com todos os temas incluídos pelos A.R. Kane nos seus muitos lançamentos em pequeno formato entre 1986 e 1994. Ao todo são 33 temas, muitos deles remisturas fortemente marcadas por um elemento dub que, não só confere um certo apelo dançante, como realça a veia lisérgica da música dos A.R. Kane. Alinhada por ordem cronológica, esta compilação é um documento essencial para quem procura compreender os desenvolvimentos da pop mais inconformista do último quarto de século e até, arrisco, da do futuro que nos espera.

 
"Green Hazed Dazed" [Rough Trade, 1988]

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Dores de ouvidos

















Num passado não muito distante, o Canadá andava nas bocas do mundo musical. Não se passava uma semana sem que, nessa blogosfera, não assistíssemos ao incensamento de uma nova banda praticante de uma pop entendida como "erudita". Perante o deslumbramento de hordas de novos burgueses, na produção musical do país da folha de ácer parecia não haver espaço para a urgência rock, essencial para o chamamento das novas gerações à melomania. Até que, há pouco mais de três anos, entraram em cena os Japandroids e com eles revisitou-se aquele período de inícios de noventas em que as guitarras desalinhadas ameaçavam dominar o mundo.

À celebrada dupla de Vancouver, e salvas as devidas distâncias estéticas, juntam-se agora os METZ, trio de Toronto que promete não deixar pedra na facção mais abrasiva do indie-rock actual. Com um álbum homónimo disponível comercialmente desde hoje (ouvir na íntegra aqui), estes três rapazes de aspecto perfeitamente normal, culminam um processo que já se desenrola desde 2009 na demanda de impressionar as almas rock mais inquietas, sedentas de uma descarga de adrenalina sónica como há muito não se ouvia. Generoso no volume, METZ remete-nos para uma certa brutalidade que marcou pontos naquele mesmo período da década de 1990, trazendo à liça memórias da aridez de gente como os Jesus Lizard, os Shellac, os Unsane, ou até os Nirvana dos primórdios. Além disso, as projecções do som e a demência latente remetem-nos para alguns dos sons mais desafiadores da era post-punk, relembrando algumas experiências de gente como Public Image Ltd. ou The Pop Group. Porém, a força unitária da banda vale muito mais do que a soma de todas essas partes. Como se de um monstro de três cabeças se tratasse, o poder demolidor da bateria, a incisão da guitarra, as linhas viciosas do baixo, e a fúria berrada da voz, encontram-se num uníssono que é bem capaz de deixar muita boa gente boquiaberta.


"Headache" [Sub Pop, 2012]

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Ao vivo #94

















Thurston Moore c/ Gabriel Ferrandini & Pedro Sousa + Sunflare @ Galeria Zé dos Bois, 04/10/2012

Se há concertos com um ambiente estranho, o de ontem à noite, incluído nas comemorações do 18.º aniversário da ZdB foi um deles. Devido há "dimensão" da estrela do cartaz, mais do que ao simbolismo da data, o público acorreu em massa. Contudo, e como se previa pela dupla portuguesa que o acompanhava, Thurston Moore não trazia na bagagem nada da sua mais recente e intimista faceta, muito menos as derivações noise-pop/rock que lhe deram fama nos Sonic Youth. Perante a radicalidade da proposta apresentada, assente num free-jazz da variante ruidosa, a reacção do público mais incauto foi de uma frieza assinalável. Refira-se que a postura do trio em palco, sem uma única palavra dirigida à assistência, também não favoreceu a empatia.

Digamos que o concerto abriu em alta, com uma longa peça de alternância de ritmos e texturas. Nesta, os espasmos guitarrísticos de Moore surgiam constantemente desafiados pelos ataques dissonantes do saxofone tenor de Pedro Costa, numa espécie de duelo de sons extremos que terminou num mar de distorção. Daí em diante, e com o refrear das expectativas iniciais, também as jams em palco entraram também numa toada mais morna. As duas ou três peças que se seguiram ao assalto sónico inicial enveredaram por uma sucessão de sons avulsos a carecer de alguma consistência. Do trio de músicos destaque-se a prestação do baterista Gabriel Ferrandini, jovem baterista já com invejável currículo no "género" que revelou uma assinalável precisão nas constantes alternâncias de velocidade e engrenagem. Quanto à "estrela" do cartaz, digamos que apresentou uma destreza única na demonstração das potencialidades de uma guitarra, pese embora a inconsequência detectada a espaços.

Na abertura do serão estiveram os portugueses Sunflare, trio que integra o guitarrista Guilherme Canhão (dos recomendáveis Lobster) e que começa a dar que falar lá por fora nas publicações "da especialidade". Do que pude discernir no meio da conversa do lado de fora do "aquário", a banda alinha por longas derivas instrumentais banhadas de distorção suficientemente envolventes. Contudo, pareceram-me ainda algo derivativos de alguns nomes grandes da música dedicada à "expansão da mente" como os Hawkwind ou os Comets on Fire, algo que, estou em crer, a banda saberá dissimular num futuro próximo.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O jogo das diferenças #11



THE BEATLES
With The Beatles
[Parlophone, 1963]



THE RESIDENTS
Meet The Residents
[Ralph, 1974]

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O desencanto das sereias

















Foto: Steven Dewall

Ainda aqui há atrasado fazia um diagnóstico do state of the heart da indie-pop no feminino que se vai fazendo nas terras do Tio Sam, apontando um esvaziamento progressivo do nível qualitativo das propostas. No lote incluí as Dum Dum Girls, eventualmente as "rainhas" desta tendência dream/noise pop com vistas para a C86, os Ramones, e os girl-groups de sessentas. Talvez tenha sido algo injusto com as moças, não só porque o último álbum superava a concorrência, mas sobretudo porque, poucos meses antes tinham dada à estampa He Gets Me High, um fulgurante EP que nos deixou a desconfiar do óbvio: a coesão tem maiores probabilidades de acontecer em registos de mais curta duração.

Com o novo, bem recente e mui recomendável End Of Daze, Dee Dee Penny y sus muchachas atestam tal teoria acerca dos pequenos formatos. Com este EP de cinco temas, as californianas vão-se libertando do espartilho das referências óbvias, ao mesmo tempo que revelam na sua mentora uma escritora de canções pop, entre o melodioso e o planante, de excepção. Não que as raparigas tenham inventado a pólvora, pois os ecos das suas influências ainda se fazem notar, sobretudo pela profusão de coros típicos dos grupos femininos de outras eras. No entanto, parecem-me agora perfeitamente assimilados nas canções de cariz (presumivelmente) pessoal de Dee Dee, ela que parece não se preocupar muito em disfarçar as semelhanças vocais com uma Chrissie Hynde. No alinhamento não falta a habitual versão, na circunstância "Trees And Flowers", original da dupla twee/synth-pop escocesa Strawberry Switchblade, transfigurado numa das cinco semi-baladas sombrias, quase trágicas, de End Of Daze. Portanto, e à semelhança do que acontecia no último álbum, alegadamente ensombrado pela morte da mãe da autora, estas canções acentuam algum desencanto. O público masculino das Dum Dum Girls anseia que este advenha agora - o título assim o parece indicar, as letras também - de fissuras no casamento de Dee Dee e o maridinho vocalista dos Crocodiles. Por puro interesse musical, claro, pois a julgar pela amostra em apreço, é matéria para canções de elevado calibre.

 
"Lord Knows" [Sub Pop, 2012]