"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Ao vivo #88















Julia Holter @ St. George's Church, 27/06/2012

Aquando do seu anúncio inicial, o concerto de anteontem estava programado para o espaço exíguo da ZdB. Depois da experiência vivida, tenho a dizer que, em boa hora, as gentes daquele espaço do Bairro Alto transferiram a coisa para a igreja anglicana para os lados da Estrela. A mudança, não só permitiu o acesso a público em maior número e com outra comodidade, como encontrou o ambiente perfeito para a proposta musical muito peculiar de Julia Holter. E ainda, com o benefício de, ao contrário do se previa à partida, o espaço dispor de óptimas condições de acústica.

Se a audiência, em número de cabeças apreciável, estava à partida conquistada, diria que, após pouco mais que um minuto, estaria completamente rendida. Para tal, bastaram apenas os primeiros sons saídos das cordas vocais de Julia, dona de uma voz significativamente mais expressiva e poderosa do que os registos em disco deixam adivinhar. Com ela vêm um baterista e um violoncelista, qualquer um com participações discretas que tentam apenas sublinhar um dos muitos pormenores escondidos nos interstícios de cada tema. As atenções vão todas para a pequena "diva", ela que, talvez derivado da tenra idade revela algum nervosismo, expresso tanto nos tiques do menear da cabeça, como nos gestos exagerados ao mover os dedos nas teclas. E como jovem emociona-se e impressiona-se com a imponência do local, tal como fez questão de deixar escapar naquele abrir de braços enquanto descia para o mais que desejado encore. Porém, em Julia Holter, com a juventude, contrasta uma lucidez inabalável que faz do concerto da passada quarta-feira algo de semi-conceptual ou, pelo menos, um espectáculo de alternância de tons: primeiro a luminosidade, depois as trevas, para um final de regresso à claridade. O público, rendido à solenidade do local e ao intimismo da música, e toldado no jogo de nuances, guarda o silêncio reverencial que as circunstâncias exigem. No final, todos saem com a certeza de ter presenciado algo de único nesta capital em que pouco de realmente relevante acontece.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Exploding Fantastic Inevitable















Até há relativamente pouco tempo desconhecia em absoluto estes Pond (conhecia outros, que nos idos de noventas chegaram a lançar pela Sub Pop), colectivo australiano de formação variável assente num núcleo duro de três elementos. Desse trio, dois terços são também membros dos Tame Impala, mas fazem questão de esclarecer que não se trata de um simples projecto pararelo. É que, contra o até agora solitário e fulgurante disco de estreia destes últimos, os Pond têm já para mostrar um total de quatro álbuns. O mais recente é Beard, Wives, Denim, e poderia ser o disco que uns tais de MGMT teriam feito à segunda aparição se, além da óptima colecção de psicadelia, tivessem a arte e o engenho para tal.

Pelas linhas acima, já terão percebido que estamos, inevitavelmente, em terrenos próximos aos dos Tame Impala. Contudo, e pelo menos em Beard, Wives, Denim, que alegadamente foi gravado por um grupo de dez elementos ao longo de duas semanas com poucas horas de sono, os Pond expandem a paleta do psicadelismo e não se ficam pelo derivativo meio-caminho entre Cream e The Beatles. Desde os primeiros instantes, pressente-se um menor rigor no aperfeiçoamento dos temas, com alguma sujidade "garageira" a colidir com discretos laivos kraut. Mais à frente, um ou outro apontamento electrónico coexiste pacificamente com os falsettos e os sortidos de riffs descaradamente "zeppelianos". No todo, realce-se a capacidade que, a partir de fontes facilmente reconhecíveis, os Pond têm para proporcionar viragens bruscas - muitas das vezes dentro do mesmo tempo - que provocam no ouvinte o atordoamento pretendido. O tema de abertura, por exemplo, pega em restos da british invasion, ou até nos melhores Oasis em modo rolling, e atira tudo para o vácuo pelo meio de uma berraria ensandecida.

 
"Fantastic Explosion Of Time" [Modular, 2012]

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Discos pe(r)didos #64










SUGAR
Beaster
[Creation, 1993]



Lambidas as feridas do fim tumultuoso dos Hüsker Dü no quase predominantemente acústico Workbook (1989), disco de estreia a solo, Bob Mould estava pronto, à entrada da década de noventas, para nova investida nos mares da electricidade à frente de uma nova banda. A altura não poderia ser a mais indicada, pois as guitarras furiosas que ecoavam pelos quatro cantos do planeta tinham, invariavelmente, carimbo da obra de Mould enquanto integrante dos huskers. Neste propósito de reclamar os louros junto dos jovens discípulos formou os Sugar, mais um trio que, alegadamente, deve o nome a uma tirada do próprio, recuperada pelo baixista David Barbe, relativamente as intenções musicais do projecto - "some of the songs would be like sugar and others like spice".

Se o lado "açucarado" ficou demonstrado com Copper Blue (1992), o magnífico álbum de estreia com um inesperado sentir pop que rendeu airplay em concordância com a aclamação crítica, o lado mais negro e angustiado de Mould ficaria reservado para a meia dúzia de temas que compõem Beaster. Gravado em simultâneo com o anterior registo, este mini-álbum é um autêntico bestiário que faz jus ao título. Os dedilhados suaves de "Come Around" ainda fazem crer na esperança de alguma luminosidade mas, já neste, a submersão da voz com uma letra minimalista deixa antever o sufoco que se avizinha. As certezas chegam com a cavalgada vertiginosa de "Tilted", com aquela rispidez na voz de arame farpado que traz à memória os melhores momentos dos Hüsker Dü. A cantilena de pregador que encerra este tema, pelo meio de assombros de distorção, denuncia as questões de fé e de culpa com que se debate Beaster. A expiação dos demónios prossegue com "Judas Cradle", exercício de riffs monstruosos em regime pára-arranca e de berraria lancinante. Numa espiral descendente ao âmago do inferno interior, "JC Auto", a peça central deste pequeno compêndio de fustigação sónica, opõe momentos relativamente melódicos à velocidade trepidante que acompanha o suposto refrão, basicamente um "I know, I know, I know" descarregado com toda a fúria que os pulmões de Mould permitem. Num primeiro contacto, "Feeling Better" pode enganar pelo título e pela incursão dos sopros, mas logo que os riffs elípticos agudizam o ritmo, o equívoco é desfeito e somos de novo arrastados numa maré negra de emoções. A meia hora de calvário só tem término com "Walking Away", semi-redenção a golpes de órgão de igreja atonal e vocalizações afogadas em distorção. Embora não totalmente apaziguador, o tema de encerramento funciona como uma subida aos céus depois da violência sónica e emocional a que estivemos expostos. 


Este e os restantes discos dos Sugar, que além de Copper Blue editaram ainda o segundo e derradeiro álbum File Under: Easy Listening (1994), acabam de merecer reedição remasterizada e pejada de extras. É pois ocasião imperdível para (re)descobrir uma banda que, apesar curto período de vida e da obra escassa, deixou marca indelével na produção rock de há duas décadas.

"Tilted"

domingo, 24 de junho de 2012

First exposure #45

















TOY

Formação: Tom Dougall (voz, gtr); Dominic O'Dair (gtr); Alejandra Diez (tcls); Maxim Barron (bx); Charlie Salvidge (btr)
Origem: Londres, Inglaterra [UK]
Género(s): Indie-Rock, Psych-Rock, Krautrock, Post-Punk
Influências / Referências: Neu!, The Horrors, Stereolab, Sonic Youth, Moon Duo

 
"Motoring" [Heavenly, 2012]

Ao vivo #87
















Josh T. Pearson @ Teatro Maria Matos, 22/06/2012

Nunca tive a oportunidade de ver os Lift to Experience em palco, mas imagino que os concertos fossem algo de incendiário, mesmo que os seus músicos (talvez) não fossem crentes de todas as profecias bíblicas que as canções versavam. À falta dessa feliz ocasião, tal foi a fugacidade daquela banda genial, congratulo-me por este ensejo de me cruzar com Josh T. Pearson, o seu mentor que recentemente ressuscitou de um percurso errático e até traumático.

Com uma proposta radicalmente diferente, integralmente acústica, Pearson também faz questão de jogar no contraste, relativizando o peso das canções, de um profundo cariz pessoal, com tiradas de um humor cáustico que solta nos intervalos entre as mesmas. De maneira que, a dada altura, sentimo-nos algo confusos se estamos perante um concerto de música dolente de matriz country, se perante um espectáculo de stand-up comedy. É um jogo perigoso, que a bem da reputação do próprio convém que não se perpetue, mas por ora resulta a bem da ligeireza de um concerto que, de outra forma, poderia ser mais penoso.

Quanto às canções propriamente ditas, são interpretadas com a entrega que elas exigem, deixando libertar toda a mágoa de quem as compôs. A voz, que nos primeiros instantes não surge devidamente equalizada, é a mesma dos velhos calejados da country, com uma série de nuances e uma limpidez que assusta pela clareza das palavras duras de dor. Mas é no manejo das seis cordas que mais me concentro. Neste particular, Pearson é dono de uma técnica apurada, com uma destreza de dedos que deixa leigos como nós boquiabertos. 

No pós-concerto, e ultrapassada a fase "a quente" dos rabiscos nos bilhetes e as palmadinhas nas costas, Pearson deixa cair a capa de comediante subversivo, e demonstra que também consegue conviver com humanos como nós em conversas mundanas. Agora, é aguardá-lo para próxima visita, de preferência na sua outra "versão" - a eléctrica. Com ou sem número humorístico, tanto faz...

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Mixtape #17: How I Long To Feel That Summer In My Heart



Pode não parecer pelas temperaturas amenas, mas o Verão já chegou. Como já é costume, neste que é o dia mais longo do ano, o April Skies oferece música aos seus amigos. É a habitual summer mixtape, uma vez mais recheada de música leve e descontraída, própria para a estação que entra. Este ano não nos quisemos ficar apenas pela produção recente e fizemos umas quantas incursões pelo passado mais ou menos distante, de maneira que, a coisa fica mais ou menos meio por meio. Espero que a selecção seja do vosso agrado... e que neste Verão tenham juizinho!


01. MOON TIDES _ 1966 (2012)
02. THE CONCRETES _ You Can't Hurry Love (2003)
03. THE PRIMITIVES _ Single Girl (2012)
04. THE FLATMATES _ Happy All The Time (1987)
05. THE BOO RADLEYS _ Wish I Was Skinny (1993)
06. TWO WOUNDED BIRDS _ To Be Young (2012)
07. VIOLENS _ Totally True (2012)
08. BETTIE SERVEERT _ Tom Boy (1992)
09. ALLO DARLIN' _ Capricornia (2012)
10. THE SPRINGFIELDS _ Sunflower (1988)
11. BROWN RECLUSE _ Impressions Of A City Morning (2011)
12. REAL ESTATE _ Wonder Years (2011)
13. ERIC'S TRIP _ Girlfriend (1994)
14. TALULAH GOSH _ Talulah Gosh (1987)
15. BEACH FOSSILS _ Out In The Way (2011)
16. BIG TROUBLES _ She Smiles For Pictures (2011)
17. SPEARMINT _ Scottish Pop (2001)
18. VELOCITY GIRL _ I Can't Stop Smiling (1994)
19. THE BATS _ When The Day Comes (2011)
20. LIGHTSHIPS _ Sweetness In Her Spark (2012)
21. MAZARIN _ Another One Goes By (2005)
22. ECHO LAKE _ Everything Is Real (2011)

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Do cabeleireiro ao matadouro















Um pouco à semelhança de Nathan Williams (Wavves) ou do malogrado Jay Reatard, Ty Segall é um daqueles putos americanos que combatem o tédio com uma hiperactividade estonteante no que respeita a edições discográficas. Depois de uma catrefada de discos de confecção caseira nos vários formatos, no ano passado, brindou-nos com o álbum Goodbye Bread, um óptimo registo significativamente mais "limpo" que os esboços toscos dos anteriores. Neste, os impulsos garage abriam espaço para alguns laivos glam que denunciavam apreço por Marc Bolan. Também na progressão rumo a um formato de canção mais escorreita, o percurso de Segall é em tudo semelhante ao daqueles dois outros ícones do novo lo-fi.

Já no decurso do corrente ano, Ty Segall uniu-se a White Fence, que é como quem diz Tim Presley, outro puto californiano hiperactivo, para editar Hair. Neste trabalho conjunto, que tem rodado com alguma insistência por estas paragens, a dupla oferece um conjunto de temas em que o garage e o psych dão as mãos num autêntico puzzle que desafia o ouvinte pelas estruturas pouco ortodoxas de cada faixa. Ainda mal refeito do último assalto sónico, saído há escassos dois meses, sei que Ty Segall tem nova investida prevista para a próxima semana. O novo álbum chama-se Slaughterhouse e é creditado à Ty Segall Band, já que, tal como as duas outras duas luminárias referidas, também o nosso jovem intrépido se viu na necessidade de se fazer acompanhar de uma banda completa para fazer face ao número crescente de solicitações para concertos. A amostra infra faz-nos crer que a feitura de canções dignas desse nome é tendência para continuar. Basta que se descortine a pop borbulhante de travo clássico que se oculta por detrás das barreiras de eco e reverberação.

 
Ty Segall & White Fence _ "I Am Not A Game" [Drag City, 2012]

   
Ty Segall Band _ "I Bought My Eyes" [In The Red, 2012]

terça-feira, 19 de junho de 2012

Good cover versions #66












SEAPONY _ "Just Like Honey" [www.JustLikeHoney.co.uk, 2012]
[Original: The Jesus and Mary Chain (1985)]



Oriundos de Seattle, os Seapony poucas ou nenhumas familiaridades têm com as bandas que, há coisa de vinte anos, puseram a cidade do noroeste dos states no mapa rock. No cenário actual, também não são os mais óbvios devotos dos Jesus and Mary Chain, muito embora uma moderada dose de fuzz na sua pop sonhadora e melodiosa denuncie uma pequena dívida à banda dos manos Reid. Mas nada que os impedisse de serem convidados a participar numa compilação solidária de venda on-line, juntamente com outras dez bandas substancialmente mais obscuras, para a qual, e no intuito de recolher fundos para uma organização britânica de combate ao cancro da mama, todas elas gravaram uma versão de "Just Like Honey".

Fixemo-nos apenas nos Seapony, que arrebatam a melhor das versões do conjunto. Sem constituir um corte radical com o original, contrapõe uma inocência açucarada ao erotismo dissimulado do original. Pelo tom imaculado, uma boa parte da responsabilidade cabe ao tom de menina de Jen Weidl, que decerto ouviu atentamente as "madrinhas" twee. À distorção contida do original, os Seapony respondem com candura melodiosa, e à atmosfera narcótica contrapõem pureza juvenil. Desta abordagem descomprometida nasce uma versão que, sem augurar o nível qualitativo do original (haverá alguma?), não só o respeita como nos propicia uma diferente perspectiva. Já agora, aproveito a deixa e encaminho-vos para as restantes versões da dita compilação, algumas delas relativamente interessantes: http://justlikehoney.bandcamp.com/.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

10 anos é muito tempo #35









SONIC YOUTH
Murray Street
[Geffen, 2002]




A deriva experimentalista levada ao limite perto do final do milénio, como que em reacção consciente às aproximações pop da primeira metade de noventas, levou muitos devotos dos Sonic Youth à beira de um ataque de nervos. As pazes foram seladas com Murray Street, que, não sendo propriamente um disco de fácil assimilação, reintroduziu o termo "canção" no léxico das velhas raposas novaiorquinas. Gravado no rescaldo do 11 de Setembro, é também o mais reflexivo dos dezasseis ábuns da discografia "regular dos Sonic Youth, aqui a tecer considerações ambíguas sobre como tal acontecimento mudou irremediavelmente a cidade que os viu nascer. A maior evidência salta à vista logo na capa, que nos mostra os dois filhos de Kim Gordon e Thurston Moore protegidos por uma rede, numa clara alusão à paranóia pela segurança que desde então alastrou pelos quatro cantos do globo.

Como grande novidade, Murray Street traz a integração de Jim O'Rourke como membro da banda a tempo inteiro. Ao contrário do que havia sucedido com os Smog ou com os Wilco, que com ele se aventuraram na experimentação, o envolvimento com o "mago" (também responsável pela mistura final) trouxe uma maior contenção e uma especial atenção ao detalhe. A dar o mote, o inaugural "The Empty Page" envereda por um via melancólica, com Thurston Moore num registo vocal próximo das mais recentes aventuras a solo. Tema de uma beleza rara no cancioneiro dos Sonic Youth, caracteriza-se pela leveza das guitarras que, no entanto, não enjeitam as possibilidades do desalinho no segmento instrumental intermédio. Embora donos de uma maior carga eléctrica, "Disconnection Notice", "Rain On Tin", e "Radical Adults Lick Godhead Style", todos igualmente cantados por Moore, seguem uma lógica semelhante, com os longos dedilhados a alternar com as partes cantadas. O longuíssimo "Karen Revisited" pode não recuperar a fantasmagoria do tema que evoca ["Tunic, de Goo (1990)], mas concede a melhor performance vocal de Lee Ranaldo - num registo mais próximo do canto do que do habitual quase-spoken word panfletário - em toda a carreira dos Sonic Youth. Peça central do disco, "Karen Revisited" tem ainda tempo e espaço para uma progressão do quase silêncio à descarga ruidosa que uns tais Godspeed You Black Emperor! não desdenhariam. Disco atípico no que à alternância das vozes diz respeito, só no par de temas finais Murray Street permite a aparição da voz de Kim Gordon. No curto "Plastic Sun" ela desunha-se pelo meio das guitarras incisas, enquanto que no significativamente mais planante "Sympathy For The Strawberry" recupera aquele tom de gata assanhada que lhe deu fama.

Nos seus escassos sete temas, a maioria deles com durações muito para além do convencional, Murray Street é, um pouco à semelhança do magistral Daydream Nation (1988), uma espécie de meio caminho entre o rigor formal e os impulsos de rebeldia punky, sem compromissos com qualquer das partes. Se me permitem a "heresia" de tal comparação, permitam-me ainda de eleger Murray Street o último trabalho relevante da discografia dos Sonic Youth, a última ocasião em que, de facto, desbravaram fronteiras. Perdoem-me a provocação os inúmeros acólitos do mui propalado Rather Ripped (2006), que apesar de considerar um óptimo disco (como quase todos da banda), mais não será do que uma súmula de fórmulas já anteriormente usadas com alguma insistência.

 
"The Empty Page"

sexta-feira, 15 de junho de 2012

O jogo das diferenças #8



RAMONES
Ramones
[Sire, 1976]


ELASTICA
Elastica
[Deceptive, 1995]

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Pássaros feridos

















Ingleses de Londres, os Two Wounded Birds mais parecem saídos da América de outras eras. Foram notados por estas bandas há uns dois anitos, na altura em que editaram um belíssimo EP de canções de uma pop de recorte clássico essencialmente imersas no espírito surf, mas também com umas pinceladas de doo-wop e rock'n'roll de travo antigo. Com tais características, não surpreende que tenham tido como "padrinhos" os norte-americanos The Drums, reconhecidos por se moverem nos mesmos territórios.

Como fervoroso adepto de tais sonoridades tratadas à luz da actual indie-pop, não podia estar mais expectante em relação ao primeiro longa-duração desta rapaziada. E não é que Two Wounded Birds, o disco lançado há poucos dias, cumpre em pleno as esperanças nele depositadas? Não só cumpre as premissas do EP, como expande a paleta para uma pop de tons mais sombrios, um pouco à semelhança dos também mui recomendáveis Veronica Falls. Tem também um par de temas de uma melancolia suavizada pelo sentir juvenil, um deles o nosso bem conhecido "My Lonesome", no qual o vocalista Johnny Danger pede meças tanto a Chris Isaak como a Richard Hawley. Contudo, as melodias ensolaradas continuam a merecer a nota de destaque, num conjunto de temas que nos fazem recuar até tempos em que a pureza pop ainda não tinha sido corrompida. Consta que o mestre Brian Wilson já tenha dado a sua aprovação a pérolas deste calibre:

"If Only We Remain" [Holiday Friends, 2012]

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Mil imagens #30



Chan Marshall / Cat Power - Zurique, 1998
[Foto: Joe Dilworth]

Ao vivo #86

















Foto: JN

Optimus Primavera Sound @ Parque da Cidade - Porto, 09/06/2012

Perante a falta de vontade (ou de engenho, ou de interesse) dos promotores nacionais em apostar em cartazes de festivais que não sejam apenas mais-do-mesmo, nada como uns bons ventos vindos de Espanha. Ainda que substancialmente menos recheado que o congénere catalão, o primeiro Primavera Sound portuense soube atrair um público numeroso que procura nos festivais algo mais que o previsível "banda consagrada decadente + hype efémero do momento". Quem não esteve pelos ajustes foi o São Pedro, que sabotou o início do último dia de concertos no Parque da Cidade com uma irritante chuva, miúda mas persistente, o que me leva a ponderar se não estará o santo ao serviço dos ditos promotores roídos de inveja. Mesmo em processo de recuperação física e emocionalmente do festival-mãe, não pude deixar de marcar presença, ainda que só por um dia. O cartaz de sábado assim o exigia, e as gentes mais hospitaleiras que existem neste rectângulo também. Portanto, houve convívio, mas também alguns concertos. Cinco ao todo, relatados nas breves linhas que se seguem:

Spiritualized
Prejudicados pelo horário (19h00?), pela teimosia da chuva, e pelo som demasiado baixo, não lograram os níveis de empolgamento do festival catalão. Ainda assim, J Spaceman e a banda que lhe tem servido de suporte presentearam os corajosos com um concerto de bom nível, com alinhamento alternado pelos (poucos) temas do novo álbum, os "hits" do magistral Ladies And Gentlemen..., o devaneio psicadélico em loop, e o inevitável recuo ao tempo dos seminais Spacemen 3. À falta de melhor atestado para o sucesso do espectáculo, refira-se a resistência às condições adversas por parte do público, que na sua esmagadora maioria não arredou pé até final.

The Afghan Whigs
Com condições diametralmente opostas, Greg Dulli e os seus foram absolutamente demolidores. O horário mais tardio, o som com um volume monstruoso e uma limpidez próximo da perfeição, e a entrega absoluta de um número considerável de fiéis, foram meio caminho andado para o melhor concerto realizado em solo luso nos últimos meses. O outro meio foi o próprio Dulli, com a voz numa forma assombrosa, ainda capaz de exprimir todo o angst berrado das mais viscerais canções de dor-de-corno. As pontes com a música negra são por demais evidentes, isto apesar da fúria incessante das guitarras. Tal união de contrastes não poderia ter final mais feliz, quando, em jeito de remate, "Faded" se funde com um assomo de "Purple Rain", do pequenote de Minneapolis.

Wavves
Momento mais dado ao convívio do que propriamente ao desenrolar dos acontecimentos em palco. Apesar da desatenção, pude verificar que Nathan Williams e seus acólitos agitadores persistem na demanda de fazer do surf-punk uma festa recheada de pequenas provocações. Pelo canto do olho, verifiquei que "So Bored" e a versão de "100%" foram motivo para significativa agitação da turba mais próxima do palco.

Saint Etienne
Por falar em festa, faça-se descer a bola de espelhos! A banda sonora fica a cargo de Sarah Cracknell e companhia. Para os convivas, trazem um manancial de canções que, apesar de invariavelmente resvalarem para o Ibiza-touch ou para o easy listening de hotel burguês, mantêm-se sobriamente do lado de cá da fronteira do bom-gosto. Pena foi que o público não tivesse aderido em maior número a esta lição de história da pop ministrada numa versão ligeirinha.

The xx
Tenho uma especial simpatia por estes miúdos, tantas vezes injustiçados pelas dualidades de um hype que não pediram. Se em disco há que lhes reconhecer o feito de desenvolver canções dignas desse nome assentes numa base dubstep, é no palco que essas mesmas canções, prenhes de uma ingenuidade apaixonada, ganham toda a sua dimensão. Para tal, usam os recursos mínimos, sem quaisquer artifício supérfluo: uma guitarra esparsa, um baixo, os beats e os samples certeiros de Jamie xx, e duas vozes em de uma contenção próxima do sussurro em constante diálogo. Trazem novos temas de um álbum que se avizinha, e que, a julgar pela amostra, desenvolve uma veia mais orgânica sem, contudo, descaracterizar a premissa inicial. No passado sábado, o público de milhares não merecia aquela irritante falha técnica da distorção dos graves durante demasiado tempo para ser admissível em profissionais no seu ofício. Muito menos a banda, que na sua timidez juvenil quase militante, se mostrou imperturbável.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Ao vivo #85


Foto: Bloodbuzzed

San Miguel Primavera Sound 2012 @ Arc de Triomf, Parc del Fòrum - Barcelona, 30/05-03/06/2012

À semelhança de anos anteriores gostaria de lhes fazer uma resenha exaustiva, concerto a concerto, daquele que será, porventura, o melhor festival de música popular da actualidade no continente europeu. Porém, a escassez de tempo, algo que o meu vasto auditório já terá detectado pela redução drástica no número de postadelas mensais, impede-me de o fazer. Não queria, no entanto, defraudar as expectativas de um punhado de gente que ainda tem a paciência para ler o que por aqui se escreve e gostava de deixar uns breves considerandos.

Por exemplo, gostava de vos dizer que, não obstante o acréscimo de público das últimas edições, o Primavera Sound ainda é festival para deixar o melómano menos dado aos cartazes assentes em valores seguros plenamente satisfeito. Este ano, e em particular no campo das electrónicas, ninguém se pôde queixar. A tendência dominante é a do recuperação dos sons da época dourada de noventas, a cargo de gente como Hype Williams, Benga, Rustie, ou Aeroplane. Mais radical, a dupla Demdike Stare impressiona com a sua muralha drone de paisagens apocalípticas. 

Como não podia deixar de ser, as velhas "glórias" indie, algo que, ao contrário do que sucede por cá, o público espanhol ainda não deixou de acreditar, foram representadas por Saint Etienne, Spiritualized, Yo La Tengo e The Wedding Present. Os últimos eram desejo antigo deste escriba, que foi contemplado com o magistral Seamonsters na íntegra e ainda dois ou três clássicos da dor-de-corno. A prestação da banda merecia um tratamento de som mais esmerado. Também os regressos ao serviço do saudosismo preencheram boa parte do cartaz. Com diferentes níveis de interesse, Archers of Loaf, Mazzy Star, Codeine, The Afghan Whigs e The Pop Group não desapontaram e, no caso dos últimos, apesar do estado ébrio de Mark Stewart, atingiram níveis próximos da perfeição. O mesmo se pode dizer da maioria das novas coqeluches (The Drums, Girls Names, Lower Dens, The xx, The Walkmen, e os incontornáveis Real Estate). Uns furos abaixo estiveram Dirty Beaches e os dinamarqueses Iceage, em qualquer dos casos prejudicados pelo som sofrível do palco Pitchfork, algo que, lamentavelmente, já começa a tornar-se um hábito. Por seu turno, os Wild Beasts, aos quais dava ainda o benefício da dúvida, só não levam o coroa de bosta do festival à conta de um tal Neon Indian. À falta de personalidade e de garra, some-se uma irritante e ostensiva "deriva U2" (algo de que as novas canções dos The Walkmen tmabém padecem mas que é compesado com uma entrega inesgotável), para obter o momento mais amorfo de todo o festival

O escasso tempo disponível entre concertos e deslocações entre palcos permitiu ainda assim algumas abertas, aproveitadas na circunstância para espreitar as chamadas "sonoridades extremas". Os contemplados pela minha faceta voyeurista foram os Napalm Death e os Mayhem. Nos primeiros apreciei a atitude positiva que a brutalidade e algum preconceito nem sempre permitem discernir. Nos últimos, sai reforçada a ideia pré-concebida de que são um bando de sociopatas dos quais, em habitat natural, não teria a coragem de me aproximar.

A finalizar gostava de realçar a melhor organização dos últimos quatro anos em termos logísticos (bares, casas-de-banho), o que evitou as sempre desagradáveis esperas, tanto mais quando o tempo urge. Ou ainda o ambiente descontraído que prevaleceu, agora que os hipsters e o cocaine chic parecem começar a perder terreno.

Portanto, praticamente só notas positivas para um festival que teve a particularidade de me oferecer um bom punhado de concertos para mais tarde recordar. Um em particular, por diversas ordens de razões, algumas emocionais, entra directamente para aquele grupo restrito dos concertos de uma vida. Mais do que um concerto, um verdadeiro all-star: Jody Stephens, Ken Stringfellow, Jon Auer, Norman Blake, Ira Kaplan, Mitch Easter, Georgia Hubley, Ken Stringfellow, Jon Auer, Mike Mills, Alexis Taylor, Sharon van Etten, Jeff Tweedy, Chris Stamey e mais uns quantos em homenagem à memória de Alex Chilton e das suas canções. Com arranjos de cordas de Stamey, porque a POP com maiúsculas se presta a estes serviços, reinterpretou-se essencialmente o disco maldito Third/Sisters Lovers, mas também um par de pérolas esquecidas dos Big Star e outras tantas de Chris Bell. No final, o estado de êxtase era tal que, ninguém resistiu a quebrar a circunspecção do auditório e todos correram para as proximidades do palco a pular de alegria e satisfação ao som de "September Gurls". Foi bonito, pá!

TOP 15:

  1. BIG STAR'S THIRD
  2. THE POP GROUP
  3. MAZZY STAR
  4. THE AFGHAN WHIGS
  5. SPIRITUALIZED
  6. THE DRUMS
  7. REAL ESTATE
  8. THE WALKMEN
  9. THE WEDDING PRESENT
  10. LOWER DENS
  11. THE xx
  12. YO LA TENGO
  13. BENGA
  14. GIRLS NAMES
  15. DEMDIKE STARE

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Da tragédia ao êxtase















Deixem-me fazer futurologia e prever, para breve trecho, grandes parangonas para Julia Holter. Por ora, nas chamadas "franjas", o burburinho é já quase ensurdecedor. O motivo de todo o falatório são os dois discos que esta californiana editou no curto espaço de sete meses. Qualquer deles é merecedor daquele rótulo de "incatalogável", tão adequado quando o produto que se nos oferece congrega elementos da folk, da electrónica, da música erudita, ou da pop barroca, e ainda assim soa mais coeso e personalizado do que 99,5% da produção musical da última meia dúzia de anos. Sem desprimor, poderemos sempre referir que o trabalho de Holter não disfarça ecos das propostas mais arrojadas de uma Laurie Anderson ou de uma Kate Bush. Contudo, estaríamos a ser clamorosamente redutores ao confiná-la aos nichos específicos daquelas duas.

O primeiro desses discos, mas o segundo no catálogo da moça, é Tragedy, caído como uma nuvem plúmbea no pico do Verão do ano passado. Denso e quase monolítico, carrega um negrume que é também o de uma tal EMA, outro fruto atípico gerado sob o sol intenso da Califórnia. Também neste particular, Julia Holter faz questão de se demarcar da comparação fácil ao sublinhar a faceta "esquizóide" que o ouvinte com ouvidos desempoeirados assimila com um par de audições. Já deste ano, o mais recente Ekstasis é aquilo a que habitualmente chamamos evolução na continuidade. Igualmente arrojado na fuga à previsibilidade, é talvez até mais rico nos detalhes, com o piano a ganhar algum destaque. É também - pasme-se! - algo radioso e substancialmente mais arejado, pese embora pareça ter uma maior carga de intimismo. Qualquer deles irá, previsivelmente, merecer destaque no concerto já marcado pela ZdB para a Igreja de St. George, ali ao Jardim da Estrela. Será a 27 de Junho próximo, dia que, de resto, já está assinalado com um círculo vermelho no calendário de parede.

"Try To Make Yourself A Work Of Art" [Leaving, 2011]

   
"Moni Mon Amie" [RVNG Intl., 2012]