"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Fazer por merecer















Posso estar redondamente enganado, mas julgo que já só escapa aos mais distraídos a avultada importância na música da última meia dúzia de anos de uma dupla que se apresentou ao mundo sob a designação Hype Williams. Os seus integrantes eram Dean Blunt e Inga Copeland que, eventualmente para prevenir conflitos com o realizador de vídeos de serviço à burguesia pop actual, a partir de dada altura passou a assinar os seus lançamentos frequentes com o nome (artístico) dos intervenientes. Alterou-se a nomenclatura mas manteve-se a imprevisibilidade, numa obra que num curto espaço de tempo transpôs o reduto da electrónica. Já distante da frieza inicial, The Redeemer, o majestoso álbum do ano passado creditado apenas a Blunt que se assume sem pudores as canções, naquilo que poderá ser uma forma de soul pós-moderna para o século em curso. Consumada a separação da dupla, como viemos a saber mais tarde, Inga respondeu pouco depois com Don't Look Back, That's Not Where You're Going (2013), um curto EP próximo das formas mais avançadas da dance music que serviu para se afirmar como algo mais que a sombra da metade masculina do projecto.

Se dúvidas houvesse quanto à importância da metade feminina de origem estónia no duo desfeito, o recente álbum Because I'm Worth It, assinado simplesmente por copeland - assim mesmo, em minúsculas -, está aí para as dissipar, com todo eclectismo imaginável contido no espaço de menos de meia hora. À versatilidade, o novo trabalho junta uma certa tendência para a estranheza, algo que não será novidade para os conhecedores da obra anterior da rapariga. Digamos que a porta de entrada, com "Faith OG X", por sinal o tema mais longo do alinhamento, é até algo hostil, com cinco minutos à base de uma sequência de estática a que se junta um silvo incisivo aí pela marca dos dois minutos. Ainda numa toada esquizóide, "insult 2 injury" tem no contraste da batida opressiva com os apontamentos cinemáticos a apropriação dos processos hip-hop, enquanto "Serious" é apenas um curto esboço digital de sons quase liquefeitos. Para trazer algum apaziguamento, "Fit 1" e o curto "DILIGENCE" são a quase subversão da balada nocturna, com uma atmosfera densa, mas com uma serenidade considerável, mesmo que o primeiro não rejeite a intromissão das batidas contundentes. No leve "Inga", a voz da homónima é de uma frescura girlish que lhe desconhecíamos. É algo que contrasta com a cadência mecânica de "advice to young girls", com copeland no papel da conselheira anjo/demónio das jovenzinhas do mundo moderno, acompanhada pela síncope da batida rigorosa do convidado/produtor Actress, também este um dos criadores em estado de graça no universo da actual música urbana do Reino Unido. 

Este último tema - segundo no alinhamento - é o ponto alto de um disco intrigante, revelador de diversas facetas após o impacto inicial, e que faz o uso engenhoso do contraste da luz e das sombras. Agora ficamos a aguardar pela "resposta" do velho compincha Dean Blunt, com o sugestivo título de Black Metal, álbum e livro do mesmo nome, provavelmente já em finais do mês que vem. À cautela, estejam preparados para o que der e vier.

[edição de autor, 2014]

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