OASIS
Definitely Maybe
[Creation, 1994]
Sobre os Oasis já tudo terá sido dito e escrito. E do muito que se discorreu, nem tudo foi o mais abonatório. Sobre isso, demos a mão à palmatória, e admitamos que no, apogeu da novela dos tablóides, a banda dos irmãos Gallhager era presa fácil para os detractores. Para complicar as coisas, ali pelo terceiro álbum, era facto consumado de que o momentum se tinha desvanecido às vistas da cegueira da ambição. O que talvez tenha escapado aos emissores da crítica fácil é o par de álbuns que tinham ficado para trás, gerados por uma banda disposta a conquistar o mundo e com as canções certas para o efeito. Para tal, o compositor exclusivo Noel Gallagher não necessitou de qualquer rasgo de génio, ou até de ser particularmente original, apenas da receita do cocktail perfeito de três décadas de pop/rock genuinamente brit.
Sobre a edição de Definitely Maybe, o primeiro e mais glorioso desses dois álbuns, passam hoje exactamente vinte anos. Este hiato de tempo parece um ápice quando constatamos o total vazio de bandas desta estirpe desde então, capazes de se estrear com discos que, volvidas duas décadas, preservam toda a sua ferocidade e pujança da primeira audição. Algum do mérito tem de ser atribuído à mistura final, alto-e-bom-som, de Owen Morris, a qual dispensa reedições remasterizadas, apesar de elas andarem por aí, algumas com a contenção que deveria ser decreto-lei para o mercado das reedições. A subida dos Oasis até este patamar foi lenta e a pulso, com a paciência que já não é hábito na fugacidade dos novos tempos. Bem documentados estão os dias de Noel como roadie dos Inspiral Carpets, ou do irmão puto Liam Gallagher a venerar e a interiorizar tiques da atitude dos Stone Roses ou dos Happy Mondays. A história destes rapazes de modos pouco delicados, rebentos da Madchester dispostos a cortar com o cinzentismo associado ao passado da cidade, até tinha tudo para não dar certo. No entanto, o olho/ouvido clínico de Alan McGee acreditou neles e com a aposta conquistou a glória (e o declínio) da fulgurante Factory Records. O intrépido escocês queria algo mais que as críticas francamente favoráveis e as vendas moderadas dos Teenage Fanclub, dos Primal Scream, ou dos Ride, e os Gallagher tinham a ambição desmedida para tal.
Definitely Maybe até nem foi o mais vendido dos discos dos Oasis, mas a sua surpreendente compreensão dos códigos pop/rock enquanto disco de estreia foi determinante para as conquistas posteriores. A primeira demonstração de propósitos está na capa, uma imagem icónica mesmo que as canções que abriga não valessem um chavo. Mas valem muito, todas as onze, qualquer delas um potencial single, como só acontece talvez em uma ou duas mão-cheias de discos nestes sessenta anos de cultura pop. A própria sequência das faixas é ardilosa e, como tal, Definitely Maybe não poderia abrir com melhor manifesto de intenções que "Rock 'N' Roll Star", na voz do reguila e enfadado Liam, com a confiança e a arrogância bastantes para afrontar os dinossauros precoces que chegavam do outro lado do Atlântico. Neste tema inaugural, o sentido pop é uma evidência, mesmo que não se enjeite a distorção e a cacofonia que, à data, ainda eram marca da Creation.
A dezena de temas que se segue mantém a fasquia em níveis altos, com idênticos processos, e combinando com despudorada sabedoria citações e atitudes do tal cocktail da história pop britânica. Os inevitáveis The Beatles são referência primeira, ainda que nesta fase algo difusa numa paleta que abrange The Who, T-Rex, Sex Pistols, The Jam, The Stone Roses, Teenage Fanclub, e o que mais se possa imaginar do melhor que a Grã-Bretanha produziu em trinta anos. Do equilibrado lote é quase criminoso destacar qualquer dos temas, mas porque representativos das diferentes nuances de Definitely Maybe vê-mo-nos obrigados a referir o psicadelismo revisitado do ocioso "Shakermaker", o non-sense gingão do orelhudo "Supersonic", o balanço do bocejo laddish de "Cigarettes & Alcohol" e, last but not least, a matéria de que se fazem os hinos do soberbo "Live Forever". Este último, de um optimismo latente que sobressai no ennui juvenil do todo, foi alegadamente escrito com John Lennon em mente, mas ganha actualidade com a morte de Kurt Cobain ainda fresca na memória da comunidade pop. Ou talvez seja apenas, sem qualquer tipo de profundidade romântica, porque os Oasis até nem eram dessas merdas, mais uma declaração de intentos da parelha Gallagher e companheiros. Afinal de contas, ainda não nos esquecemos que eram eles que diziam, há uns minutos atrás, "tonight, I'm a rock 'n' roll star"...