"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

terça-feira, 31 de julho de 2012

R.I.P.



BILL DOSS
[1968-2012]

Morreu, por causas ainda desconhecidas, Bill Doss, vocalista, guitarrista, co-fundador e co-compositor da banda The Olivia Tremor Control, colectivo responsável por alguma da música mais estimulante da década de 1990.

Fundados em 1992 por Doss, Will Cullen Hart e Jeff Magnum, antes desde último abandonar para seguir carreira com os Neutral Milk Hotel, os OTC cedo demonstraram uma obsessão pelas sensibilidades pop de meados de sessentas. Um par de álbuns imersos em The Beatles, The Zombies ou The Beach Boys, e imbuídos de uma forte componente psicadélica, seriam o seu passaporte para o estatuto de banda de culto. Ambos os discos são compostos por um número infindável de temas, que tanto podem ir dos escassos segundos de duração aos 10 minutos. Não obstante a concepção lo-fi, e as múltiplas interferências de bizarria de origens várias, qualquer deles procura seguir um conceito. Music From The Unrealized Film Script, Dusk At Cubist Castle (1996), por exemplo, funciona como uma espécie de banda sonora para um filme surrealista imaginário. Desde o fim dos OTC, em 2000, Doss dedicou-se ao projecto pessoal The Sunshine Fix, uma aproximação experimental ao universo dos Beatles de meados da carreira. De há um par de anos a esta parte, esteve também envolvido na reunião dos OTC, que já havia rendido diversos concertos e até um single, bem como na formação de palco dos The Apples in Stereo.

O nome de Bill Doss fica também registado para a posteridade como um dos fundadores, juntamente com o camarada Will Cullen Hart, Jeff Magnum e Robert Schneider (The Apples in Stereo), do colectivo Elephant 6, um coglomerado de músicos e bandas - e por vezes também editora - com igual afectividade pelas sonoridades psych-pop de outras eras. Para além das bandas dos citados, o colectivo que marcou indelevelmente a produção musical de meados de noventas em diante, incluía afiliados como Beulah, The Ladybug Transistor, Elf Power, ou Of Montreal, entre muitos outros.

 
The Olivia Tremor Control _ "Love Athena" [Elephant 6, 1994]

 
The Sunshine Fix _ Innerstates [spinART, 2004]

segunda-feira, 30 de julho de 2012

First exposure #46
















Foto: Steve Gullick

SAVAGES

Formação: Jehnny Beth (voz); Gemma Thompson (gtr); Ayse Hassan (bx); Fay Milton (btr)
Origem: Londres, Inglaterra [UK]
Género(s): Post-Punk, Noise-Rock, Indie-Rock
Influências / Referências: The Pop Group, Killing Joke, Liars, Joy Division, Siouxsie & The Banshees, Public Image Ltd.

https://www.facebook.com/savagestheband


"Husbands" [Pop Noire, 2012]

terça-feira, 24 de julho de 2012

A sexta mentira


















Quando apareceram, nos alvores do século XXI, os Liars foram pioneiros na reapropriação das linguagens post-punk que, em pouco tempo, se tornaria uma tendência gasta. Os próprios terão profetizado tal esgotamento rápido, e cedo se demarcaram da "corrente". Abandonaram Nova Iorque, rumaram a Nova Jérsia, depois a Berlim, e foram operando metamorfoses estéticas capazes de apanhar desprevenido o mais acérrimo seguidor. Nos três álbuns seguintes à estreia, sucessivamente, ensaiaram o experimentalismo noise, as potencialidades da percussão como ferramenta principal, e o indie-rock de cariz fuzzy. Só no último Sisterworld (2010) davam alguns sinais de abrandamento com um disco que resulta como uma mescla dos vários caminhos percorridos.

Se esse último álbum, o primeiro concebido desde a mudança para Los Angeles, dissertava sobre a vivência naquela metrópole, o novo WIXIW (leia-se "wish you") é anunciado como uma viagem interior dos membros da banda na sua relação com a nova cidade de acolhimento. Criado e gravado numa cabana nos arredores remotos de L.A., sob a supervisão de Daniel Miller (fundador e patrão da Mute Records), o disco, o mais reflexivo dos Liars até à data, espelha essa atmosfera de isolamento numa aura vagamente sinistra. Falta dizer que marca também mais uma reviravolta estilística, desta feita privilegiando as ferramentas electrónicas. É por isso, o disco mais "sintético" da meia dúzia que os Liars já levam no currículo. Não se pense, porém, que houve uma rendição a qualquer praga dançante da época. Longe disso, WIXIW mantém intactos os impulsos experimentalistas, fazendo da criação de atmosferas uma prioridade em relação à elaboração de temas indistintos. Não é descabido, salvas as devidas distâncias, citar alguns trabalhos de Aphex Twin ou The Future Sound of London como produtos aparentados. Como um todo, WIXIW deixa escapar um certo mal de vivre, bem evidente na voz desencantada de Angus Andrew, por vezes num timbre assustadoramente semelhante ao de um Beck em dia não. A única excepção à toada dominante talvez seja "Brats", um assalto de bleeps distorcidos com vocalizações animalescas. Para ilustrar WIXIW, porque melhor representa o conjunto, escolhemos aquele que foi o single de avanço, merecedor de vídeo promocional ao nível do melhor que os Liars já nos habituaram.

 
"No. 1 Against The Rush" [Mute, 2012]

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Pára tudo!
















Já não será novidade para os devotos mais atentos, mas fica aí a notícia do ano para os mais distraídos: os Sebadoh estão de volta aos discos! Não é a formação "clássica", pois Eric Gaffney abandonou o barco logo a seguir à série de concertos que assinalou a reedição de boa parte do catálogo desta que é uma das mais importantes "instituições" indie de noventas. Nem tão pouco é a formação que gravou o último The Sebadoh (1999), pois o papel de baterista é agora entregue ao ex-Fiery Furnaces Bob D'Amico. Mas tem, obviamente, os eternos Lou Barlow e Jason Loewenstein que, como é hábito, alternam os créditos da composição e as vozes.

Secret, o EP de cinco temas hoje lançado pode ser escutado aqui. Como poderão constatar, longe vão os tempos das catarses de ruído e berraria. Agora os Sebadoh, sem beliscar a identidade, apostam em temas mais ortodoxos, pese embora a distorção e o modo caseiro de fazer as coisas ainda façam parte da ementa. Os três temas de Barlow têm uma maior carga melancólica, os dois de Loewenstein alternam entre o rock descarnado e o folksy e são mais ambíguos. As boas notícias não se ficam por aqui, pois o EP antecede um álbum já em preparação com edição prevista para o próximo ano. Este regresso súbito é também motivo para mais uma ronda de concertos, por ora com datas marcadas apenas para os states. Agora, é tudo uma questão de cruzar os dedos e torcer para que as boas gentes da Catalunha nos realizem um desejo antigo...

Ao vivo #91
















Moon Duo + Pega Monstro @ MusicBox, 21/07/2012

Apesar de todo o reconhecimento de que são alvo os Wooden Shjips, Erik "Ripley" Johnson parece presentemente mais apostado na promoção do Moon Duo, a aventura paralela que mantém com a companheira Sanae Yamada. No que concerne à vida na estrada, talvez a opção se justifique com a maior "portabilidade" deste projecto, logo com menores custos versus maiores proveitos. Por outra lado, e embora as referências das duas bandas sejam similares (todas as décadas de rebeldia rock filtradas pelos Spacemen 3), há no Moon Duo um certo groove que os torna mais imediatos.

Por conseguinte, o alinhamento do concerto de sábado, que visava promover o álbum Mazes (2011) e preparar terreno para o sucessor lá mais para o Outono, consistiu numa réplica dos tiques e truques sónicos que fizeram a fama da banda de Sonic Boom e J Spaceman. Invariavelmente, cada início de tema bem que poderia ser o de um dos Spacemen 3 ou de um dos seus derivados subsequentes. Na estrutura também não se registam grandes variações, pois a totalidade dos temas consiste na combinação batida sintética e teclado kraut + solo de guitarra intermédio + apoteose de ruideira final. Tudo acompanhado pela voz monocórdica de Ripley e o menear de Sanae. A grande vantagem que o Moon Duo extrai da aposta da monotonia, quando combinada com a alto volume do som irrepreensível (curiosamente mais sentido nas partes mais afastadas do palco) e com as projecções cromáticas, é a facilidade com que induzem estados de relativa hipnose. Caso o espectador não esteja propriamente virado para a deriva mental, o concerto poderá ser apreciado como relativamente aborrecido e parco em ideias próprias.

Quanto às Pega Monstro, dupla de jovens irmãs lisboetas geradora de um relativo hype nos circuitos indie lo-fi, o maior elogio que se lhes pode fazer é admitir que estão a par das tendências externas, algo pouco comum por cá. Ainda algo verdes, retiram alguns ensinamentos das Vivian Girls mas, ao contrário destas, não aprofundam as fontes na procura da essência da canção pop a partir dos mais escassos recursos. As letras, duma inanidade flagrante, não são propriamente uma pecha, pois estão de acordo com os padrões do género. Piores são as vozes, algo desencontradas quando procuram o uníssono. Em particular a da guitarrista, francamente inferior à da baterista (que ganha também em carisma), pelo que não se compreende o maior protagonismo da primeira. Têm, portanto, um longo caminho a percorrer, pese embora um ou outro apontamento nos novos temas apresentados faça crer que, num futuro próximo, possam convencer alguém mais além da meia dúzia de acólitos irrequietos que marcaram presença.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Good cover versions #67
















THE COLOURFIELD _ "Can't Get Enough Of You Baby" [Chrysalis, 1985]
[Original: The Toys (1966); Popularizada por: ? and the Mysterians (1967)]




No contexto da história da música popular britânica, Terry Hall é uma figura incontornável. Em rescaldo punk, indicou novos caminhos e granjeou considerável sucesso tanto à frente dos The Specials como dos Fun Boy Three. Depois da curta aventura new wave destes últimos, rumou da ghost town de Coventry a Manchester e lá formou The Colourfield. Antes da subida aos píncaros da crítica com um excelente álbum de estreia, e do flop do segundo e derradeiro, o projecto lançou um punhado de singles nos quais foi desenvolvendo uma linguagem musical em consonância com a intelectualizada pop "sofisticada" da Inglaterra de meados de oitentas. Alguns desses temas preparatórios para voos mais altos eram versões, algo pelo qual Terry Hall sempre teve alguma predilecção. Um dos temas visados foi "Can't Get Enough Of You Baby", curiosamente com uma estrutura em tudo semelhante à versão que o imortalizou. Contudo a suavidade da voz de Hall, a produção "limpa" própria da época, e uma certa aura de romantismo clássico, fazem da versão uma actualização perfeitamente válida para o seu tempo.

Embora originalmente gravado pelo girl group The Toys num registo típico das bandas do género, "Can't Get Enough Of You Baby" conheceu a sua versão definitiva, e aquela que foi revista uma míriade de vezes, um ano mais tarde pela mão de ? and the Mysterians. Hoje votado a uma relativa obscuridade, este colectivo norte-americano de origem hispânica (talvez a primeira banda rock desta etnia a obter sucesso de monta) é nome de referência para os arqueologistas do garage-rock e do chamado proto-punk. Liderados por um carismático Question Mark (de seu verdadeiro nome Rudy Martinez), senhor de um timbre capaz de ir do charme meloso ao grito animalesco num instante, os Mysterians tinham como imagem de marca os riffs desengonçados de um órgão Vox, os mesmos que os Colourfield recuperam logo no início da sua versão. Por isso, faz todo o sentido subverter os factos históricos, e atribuir aos Mysterians a autoria de "Can't Get Enough...".

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Mil imagens #31



Johnny Marr (The Smiths) - Rough Trade, Kings Cross, Londres, 1985
[Foto: Tom Sheehan]

terça-feira, 17 de julho de 2012

Always crashing in the same car


















Acompanhada desde há muito por estas bandas, a dupla escocesa Strawberry Whiplash é ideia da cabeça de Lawrence McCluskey, responsável pela totalidade dos instrumentos. Se nos similares Bubblegum Lemonade trabalha em solitário, aqui conta com a preciosa ajuda da voz cândida de Sandra. O nome do projecto deriva de uma combinação do das bandas conterrâneas Strawberry Switchblade e Meat Whiplash, o que diz algo da sonoridade da parelha, com a doçura dos primeiros e a propensão fuzzy dos últimos. Depois de uma série de lançamentos em pequeno formato, saídos quase a conta-gotas, tardou mas chegou o álbum de estreia. Chama-se Hits In The Car e está ao nível das expectativas criadas junto da falange devota da indie-pop mais canónica.

Tendo a dupla base em Glasgow, não surpreende que o álbum vagueie num limbo entre as memórias da C86 e da pop "clássica" de sessentas, o que por si só não traz grandes novidades. Sucede, porém, que os treze temas que compõem Hits In The Car são de primeira estampa sob o ponto de vista melódico, com a particularidade de o todo ser vagamente conceptual. Na circunstância discorre-se sobre as minudências de uma relação amorosa: os altos e os baixos, a felicidade e a amargura. Quando envereda por uma via retro, o par faz lembrar os melhores The Primitives do recente e surpreendente álbum de versões. Já quando o fuzz contamina as melodias, vêm-nos à memória uns My Bloody Valentine de Isn't Anything injectado de uma boa dose de luminosidade, ou até uns Mary Chain de meados de noventas. Para amostra fica um exemplar de cada uma destas últimas estirpes. Oiçam e depois digam-me das semelhanças do segundo com determinado dueto da banda dos manos Reid.


"Sleepy Head" [Matinée, 2012]


"You Make Me Shine" [Matinée, 2012]

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Ao vivo #90

















Foto: JN

Optimus Alive 2012 @ Passeio Marítimo de Algés, 13/07/2012

Chamem-me pretensioso, chamem-me mete-nojo, mas cada vez me falta mais a paciência para os festivais realizados no rectângulo (desde que não organizados por espanhóis, está claro!). O Optinus Alive em particular, com as pretensões a Rock in Rio, tem a particularidade de me afugentar como nenhum outro. Ele é a salganhada do cartaz, ele é a morosidade inexplicável no acesso ao recinto, ele é o próprio recinto de dimensões mais que reduzidas para o número de público... Só que, no meio da salganhada, vai de quando em quando aparecendo um nome que me faz esquecer a fobia e lá me faz rumar ao circo de Algés. Foi assim há quatro anos por causa dos Spiritualized, e foi assim na passada sexta-feita por causa dos Stone Roses

Sobre a actuação da regressada banda de Manchester já muito se disse, em particular da fraca prestação vocal de Ian Brown. São justas as críticas, mas se querem que lhes diga dele não esperava propriamente um tenor, pelo que neste aspecto não fui tomado de surpresa. Porém, também serei justo se referir que o rapaz se desenrasca com maior desenvoltura quando se lhe pede que cante num tom mais melódico, e isso acontece na maioria dos temas que interessam, ou seja, os do simbólico primeiro álbum. Pontos altos, sem falhas dignas de nota, foram "This Is The One", o fulgurante final com "I Am The Resurrection", e "Fools Gold". Neste último, transfigurado para palco, com Brown fora de cena, John Squire, Mani e Reni, qual máquina afinada, proporcionam uma longa deriva psicadélica que sacia a maioria dos fiéis. Voltando aos débeis dotes vocais de Ian Brown, eles estiveram mais evidentes quando procurava ser mais contido, e isso aconteceu essencialmente com os temas do desequilibrado segundo disco, pelo que penso que ninguém que realmente tenha alguma devoção pelos Stone Roses terá ficado particularmente desiludido. Excepção feita, claro está, a "Love Spreads" e "Ten Storey Love Song", o par de canções pelos quais o disco ainda vale a pena, e onde o vocalista não comprometeu. Quando ao resto da banda, e em adenda ao que acima se disse, estará hoje tecnicamente mais evoluída do que no seu período de maior fulgor, na viragem dos oitentas para os noventas. Mas não é por isso que entra em demonstrações técnicas desnecessárias, limitando-se a executar a música na sua essência, com um ou outro floreado que em nada a descaracteriza.

Do resto do cartaz gostava ainda de realçar, muito pela positiva, os Death in Vegas. Antes do início do concerto disse a alguém que o aguardava com alguma curiosidade e algumas reticências, tal a particularidade dos discos do projecto de Richard Fearless, normalmente pejados de convidados que, obviamente, estavam ausentes. Cedo se desvaneceu o cepticismo, com a imersão numa espiral de densidade que incorpora laivos de kraut em fundo de negritude. Combinando o lado electrónico com a vertente orgânica sem predominância de nenhuma das facetas, a banda transfigura cada tema como parte de um todo, deixando escapar pontos de reconhecimento, quanto mais não seja pelas extractos de vozes sampladas. No final, soube a pouco pela curta duração.

Gostava ainda que ficassem a saber que, à margem de um verdadeiro delírio infanto-juvenil, tomei finalmente contacto com a música do fenómeno LMFAO. E se querem que lhes diga, palhaçadas da dupla à parte, detectei um hip-hop festivo de travo clássico que não me causa qualquer aversão. O mesmo não se poderá dizer de uma tal Zola Jesus, que quando se cruzou pela primeira vez no meu caminho mal sabia ainda encarar o público em cima de um palco. Agora é toda ela de uma teatralidade despropositada, e como tal, não menos ridícula. Quanto à "música" propriamente dita, é toda uma súmula de clichés da facção mais negra do post-punk, com os tiques de uma Siouxsie mais madura (e mais desinteressante) em maior evidência.

domingo, 15 de julho de 2012

O jogo das diferenças #9



NICK DRAKE
Bryter Layter
[Island, 1970]



BORIS
Akuma No Uta
[Diwphalanx, 2003 / Southern Lord, 2005]

O sol quando nasce não é para todos















Quando se fala de slow/sadcore ocorrem-nos os nomes dos Galaxie 500 e dos American Music Club como pioneiros, ou os dos Red House Painters e dos Low como vedetas da "cena". No entanto, dada a definição que o rótulo encerra, penso que não haverá no meio banda mais paradigmática do que os Codeine. No curto período que estiveram activos, entre 1990 e 1994, estes nova-iorquinos foram também um dos nomes mais sui generis do "género", com uma aproximação relativamente mais experimental e ruidosa da coisa do que os seus pares, como que estabelecendo a ponte entre a urgência post-hardcore e a contemplação post-rock. Para a posteridade deixaram uma singela obra de três registos: os álbuns Frigid Stars (1990) e The White Birch (1994) e o EP Barely Real (1992). Confesso que a minha preferência recai sobre o primeiro, embora de forma algo relutante, pois qualquer dos trabalhos dos Codeine é marcado pela mesma carga dramática, os mesmos ambientes claustrofóbicos, as mesmas notas repetidas com todo o vagar do mundo, e mesmas guitarras ríspidas a sublinhar os momentos de maior tensão. Se estão a pensar chamar-lhes repetitivos, chamem-lhes antes coerentes ou homogéneos.

Se o baterista Chris Brokaw cedo abandonou para se dedicar ao papel de guitarrista nos aparentados Come e se notabilizar em múltiplas colaborações com outros músicos, e o substituto Doug Scharin ocupou o tempo pós-Codeine em bandas de um espectro que vai do slowcore ao math-rock, passando pelo post-rock (Rex, June of 44, HiM), de 1994 para cá pouco ou nada se soube do vocalista/baixista Stephen Immerwahr e do guitarrista John Engle. A dupla voltou a ser falada só muito recentemente quando, juntamente com Brokaw, anunciou o regresso aos palcos. Desta ressurreição da qual se desconhecem outros planos já beneficiei com a presença num belíssimo concerto na última edição barcelonesa do Primavera Sound, concerto obviamente apinhado de devotos acérrimos. A ocasião proporcionou também a reedição quase obrigatória da obra integral dos Codeine, há muito fora de catálogo. A tarefa ficou a cargo do Numero Group, casa especializada neste género de edições com embalagens sempre cuidadas. Ao alinhamento original de cada disco foram acrescidos inúmeros temas extra (demos, Peel sessions, temas ao vivo) em edições duplas, tanto em vinil como em CD. O preço unitário é que não é o mais apelativo, mas ainda assim é bem mais acessível do que o da luxuosa caixa When I See The Sun, composta pelos mesmos três registos em ambos os formatos. Caso ainda gozem de algum desafogo nestes tempos de contenção orçamental, tentem a vossa sorte, mas sem demasiadas esperanças, pois consta que o pacote é limitado a 1000 exemplares.

 
"Loss Leader" [Sub Pop, 1994]

terça-feira, 10 de julho de 2012

Let's move to the country!















Sonny Smith é um dos mais empenhados e produtivos arqueologistas da pop actual. Concorrente à altura, só talvez John Dwyer, o "senhor Thee Oh Sees". Mas se este último envereda pela toada mais rockeira e psicadélica do garage, Smith está mais empenhado na escrita de temas que poderemos catalogar como pop. À frente de Sonny and the Sunsets, projecto que tem contado com a colaboração de aliados variáveis, leva já algum tempo a revisitar conceitos de outras eras, quando, no universo pop, a pureza se sobrepunha à seriedade. O ponto alto aconteceu com o projecto 100 Records, concepção de 200 canções (lado A e lado B) para 100 bandas imaginárias. A ideia não chegou a passar para disco mas virou exposição, com capas exclusivamente criadas por artistas gráficos amigos e uma jukebox onde tocam a totalidade dos temas compostos e gravados para o efeito.

Num passado recente, Smith já tinha anunciado uma mudança de azimutes, nomeadamente com a gravação de um disco country. A promessa é cumprida com o novíssimo Longtime Companion, álbum no qual dominam os instrumentos acústicos, com lap steels a rodos. Contudo, Smith não perdeu o norte pop, bem como aquele travo lo-fi que põe em cada trabalho. Longtime Companion tem ainda a particularidade de ser o mais pessoal dos seus discos, já que, alegadamente, aborda o fim da relação com Thalia Harbour, companheira de longa data inclusive nos Sunsets. Contém, por isso, uma aura de melancolia que estabelece alguns paralelismos com Sea Change de Beck, embora longe da densidade deste. Uma boa amostra do resultado final, talvez a melhor, é este delicioso remake do tema de encerramento do anterior Hit After Hit (2011):


"Pretend You Love Me" [Polyvinyl, 2012]

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Ao vivo #89

















Wanda Jackson @ Ritz Clube, 06/07/2012

Pouco adepto das aventuras musicais de Jack White, tanto em nome próprio como em banda, tiro-lhe o chapéu na qualidade de produtor, sobretudo por ter sabido resgatado ao esquecimento algumas estrelas de outras eras. Foi assim há quase uma década com a diva country Loretta Lynn, e foi assim mais recentemente com Wanda Jackson. É mesmo na sequência de The Party Ain't Over, o disco do ano passado desta última por ele produzido, que a proclamada "rainha do rockabilly" aterrou na capital, depois de na véspera já ter passado pela Invicta.

Com uma assistência composta de devotos das sonoridades billy, melómanos em geral, ou simples curiosos, Wanda entrou em palco muito para além das 23h00 previstas, portanto, já em horário impróprio para a sua idade. Já lá estavam os Lost Highway, uma banda de jovens músicos franceses que a tem acompanhado e que me parece uma escolha acertada. A juventude da banda contrasta com a maturidade da estrela principal, com ar de velhinha que costumamos encontrar em salões de chá a aparentar mais do que os 74 anos do bilhete de identidade. Às primeiras notas sente-se que as cordas vocais já não têm o fulgor de outrora, mas nem por isso a voz deixa de reter bos parte das suas qualidades. Mas eis que, aí pelo terceiro tema, emperra e teme-se que a função possa vir a ser abruptamente encurtada. Falso alarme, pois logo a seguir, com a ajuda de um misterioso líquido milagroso, Wanda, qual máquina fiável com um grão na engrenagem, emabala para quase hora e meia de puro rock'n'roll. Os desvios à sonoridade dominante dão-se com os temas do último disco, com alguns desvios ao swing, à country, ou até à soul. É o caso de "You Know I'm No Good", de Amy Winehouse, interpretado com uma fidelidade reverente ao original. O resto são verdadeiras pérolas da história do rock'n'roll ("Let's Have A Party", "Mean, Mean Man", "Funnel Of Love", "Fujiyama Mama") recebidos num frenesim dançante.

Pelo pedaço de história proporcionado, e pelo clima de festa que ainda é capaz de incutir, a Wanda perdoamos os longos discursos entre cada tema, típicos de estrelas em curva descendente. Ela agradece a Elvis, ela agradece a Jack White, ela elogia Amy e auto-elogia-se, ela aborda episódios da vida pessoal acerca de namoricos, de drogas e do encontro com a fé... Mas nem por isso deixa de reinar a festa e, quando assim é, tudo o resto passa para segundo plano...

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Manobras de diiversão

















Mais do que uma banda propriamente dita, os DIIV são, na sua essência, ideia da cabeça de Zachary Cole Smith, ele que também ocupa parte do tempo como guitarrista dos Beach Fossils. Por explicar ainda está o pequeno retoque no nome do projecto que deu a conhecer os primeiros temas como Dive, alegadamente em honra do tema dos Nirvana com este título. Não se pense, contudo, que os DIIV sejam executantes de uma sonoridade daquelas mosntros sagrados. Digamos, de forma simples, que são antes devotos da indie-pop britânica pós-C86 que tanto impressionou o jovem Kurt Cobain.

Até aqui, nada de extraordinariamente novo, se tivermos em conta que já são incontáveis os jovens ianques que gostam de recuperar aqueles gloriosos tempos pop a partir da solidão dos seus quartos. Com efeito, Oshin, o primeiro álbum recentemente editado, tem até um bom punhado de temas que tresandam a amadorismo caseiro, confeccionados naquele estado de quem passa os dias apenas semi acordado. O que talvez distinga Cole Smith da "concorrência" é que, para além destes temas mais decorativos de vocalizações quase imperceptíveis, tem para oferecer canções pop escorreitas em igual número. Nestas últimas, a voz desinibe-se e as guitarras cristalinas traçam encantadoras linhas melódicas. Posso ainda dizer-vos que a alternância da "baixa-fidelidade" com os temas mais trabalhados faz de Oshin um disco de sã variedade. Ao ponto de afirmar, sem hesitações, que o rapazola Cole Smith passou a perna à banda que normalmente de dá "emprego".

 
"How Long Have You Known?" [Captured Tracks, 2012]

terça-feira, 3 de julho de 2012

Django Quartet

















O excesso de oferta para o tempo disponível leva a que, por vezes, algumas das mais interessantes propostas musicais nos escapem ao "radar". Isto a propósito do primeiro álbum dos escoceses Django Django, saído logo no começo deste ano, e do qual apenas tinha, até há pouco, escutado alguns temas avulsos, mesmo com a curiosidade aguçada dos grandes encómios tecidos pelas fontes mais fidedignas.

Finalmente escutado com alguma insistência, Django Django poderá não ser o disco que irá salvar a música pop, mas é seguramente motivo para a revisão de algumas opiniões menos favoráveis em relação à música britânica de guitarras, das quais tenho discordado amiúde. E já que se fala em música de guitarras, convém referir que o quarteto de Edimburgo também não tem qualquer complexo em recorrer abundantemente às electrónicas para a obtenção de uma sonoridade que prima pela modernidade dançável, facção arty. No álbum homónimo, e contornando o par de temas que remetem para os insuportáveis Hot Chip (felizmente sem aquela voz de cana rachada), o global assenta em batidas tribais, guitarras subtilmente surfy, e complexos jogos vocais que causam um efeito psicadélico, estabelecendo muitas familiaridades com os saudosos conterrâneos The Beta Band. As ligações não se ficam pela sonoridade, pois há um par de irmãos entre os membros das duas bandas. Em abono dos Django Django, diga-se ainda que, ao psicadelismo de raízes mais ancestrais, adicionam uma obliquidade pós-punk que raramente se detectou nesta quase dúzia de anos de regurgitação de tiques daquele período de extrema ebulição de ideias.

 
"Storm" [Because Music, 2012]

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Singles Bar #76










MUDHONEY
Touch Me I'm Sick
[Sub Pop, 1988]



Com o primeiro de uma série de singles hoje verdadeiro objecto de colecção, a Sub Pop Records definiu aqueles que eram, pelo menos no curto prazo, os seus propósitos. Carta de apresentação dos Mudhoney, "Touch Me I'm Sick" tem ainda a particularidade de ter motivado o primeiro uso do termo grunge no contexto de "género" musical. Cedo se perceberia que, nas mãos de executivos e jornalistas musicais confusos, o rótulo colaria a algo bem mais próximo do rock dito tradicional. Porém, no seu período de vida underground, grunge era sinónimo de sujidade garage filtrada por uma atitude punk e alimentada por uma massiva dose de distorção. Todas estas características estão patentes em "Touch Me I'm Sick", petardo com riff convulso repetido no maior número de vezes possíveis na sua curta duração, e uma letra que sugere transgressão (álcool, drogas, sexo selvagem) berrada por Mark Arm com uma histeria desenfreada.

No outro lado da rodela encontramos "Sweet Young Thing Ain't Sweet No More", tema substancialmente mais arrastado, mas com a mesma monstruosidade de distorção, que terá inspirado a matriz dos conterrâneos Nirvana dos primórdios. Uma vez mais, a letra, de um primitivismo animalesco, transpira sexualidade por todos os poros. No título, os Mudhoney não escondem a filiação garage com uma óbvia referência a um um tema da Chocolate Watchband, uma espécie de pequeno "clássico" do género.