ROBERT WYATT
Shipbuilding
[Rough Trade, 1982]
Por estes dias, comemoram-se os trinta anos sobre o início da curta guerra das Malvinas (ou Falkland, em inglês), conflito que opôs o Reino Unido à Argentina pela soberania de um pequeno arquipélago ao largo do extremo da América do Sul. Levaram a melhor os europeus mas, em terras de Sua Majestade, não faltaram as vozes críticas contra os gastos provenientes da posição inflexível de Margaret Thatcher, em contradição com as políticas que antes tinham levantado semelhante coro. No meio artístico em geral, e no musical em particular, a indignação fez-se ouvir com a mesma intensidade com que no conturbado início do consulado da Dama de Ferro.
Entre os indignados não poderia faltar Robert Wyatt, o irredutível contestatário "vermelho" que, apesar de pertencer a uma geração anterior, mereceu o respeito e a admiração de muitos jovens músicos pós-punk. Insatisfeito com a letra escrita para afirmar a sua contestação, e contando com música do produtor Clive Langer, recorreu aos serviços de Elvis Costello, amigo de ambos e, precisamente, produto da fornada gerada pela eclosão punk. Este respondeu ao apelo com uma das mais engenhosamente sarcásticas letras da música popular. Com mordaz ironia, questiona o súbito impulso do governo à indústria naval britânica, apenas para servir uma guerra, quando até aí este um dos sectores votados ao esquecimento por Thatcher. A temática, porém, surge apenas nas entrelinhas, pois a letra deriva à volta do drama dos pais que vêm os filhos partir para um hipotético destino fatal. Cantada por Wyatt no seu frágil tom peculiar, venerável para uns insuportável para outros, "Shipbuilding" acabaria por ser o único caso de relativo sucesso na carreira deste respeitável barbudo. Talvez inesperado, se tivermos em conta que não respeita propriamente os parâmetros em vigor para os hits da altura. A acrescer à "estranheza" da voz de Wyatt, a parte instrumental baseia-se no seu típico piano em repetições entrecortadas e numa subtil bateria tocada com alguma parcimónia jazzística, a remeter para os tempos do cantor nos Soft Machine.
Um ano volvido, também Elvis Costello gravaria a sua própria versão de "Shipbuilding". Não muito diferente da de Wyatt, diga-se em abono da verdade. Próxima inclusive no registo vocal, portanto bem diferente do neurótico new-waver que tinha agitado às aguas musicais britânicas poucos anos antes, e também assente no piano. Ligeiramente mais longa, tem como pormenor de charme a prestação de um convidado de honra: o trompetista Chet Baker. Costello subia assim o primeiro degrau na escadaria da "aristrocracia" pop.
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