"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Discos pe(r)didos #32



















SPACEMEN 3
The Perfect Prescription
[Glass, 1987]

Com um estatuto seminal em permanente crescendo, os Spacemen 3 (S3) têm um legado relativamente escasso mas de elevado valor. A escolha da obra maestra não é consensual, com a maioria a eleger o virulento Playing With Fire (1989), outros, menos, a preferirem o cerebral Recurring (1991). Com alguma relutância, inclino-me para o antecessor de ambos - The Perfect Prescription. É neste ponto que as personalidades musicais - então sintonizadas - de Sonic Boom (Peter Kember) e J Spaceman (Jason Pierce) atingem o zénite de uma etapa de escavações nas memórias do rock mais desalinhado que haviam iniciado ainda adolescentes. As drogas traçam uma linha condutora ao longo de todo o disco, de uma estrutura semi-conceptual, ou não fosse esta a banda que tinha por mote "taking drugs to make music to make music to take drugs to". Consequentemente, as diferentes atmosferas reflectem as vivências de um junkie, indo de estados eufóricos e de deslumbramento ao buraco negro da ressaca. As vozes surgem em murmúrios, sibilantes, enfraquecidas pelo torpor narcótico. Pierce encarna o crente temerário, enquanto Kember, quase declamatório, tende para um cinismo amargurado. No plano musical, cada um dá algumas pistas sobre o trabalho desenvolvido nos projectos futuros, com os temas protagonizados pelo primeiro a tanger a América negra dos blues e do gospel, e o segundo a chamar a si a via espectral do kraut rock.
As guitarras ultra-amplificadas geralmente associadas aos S3 primam em ...Prescption pela quase total ausência. Assim, e perante a supressão quase absoluta de percussões, a trip intuitiva assistida a químicos é proporcionada por acordes contínuos de guitarras em distorção, órgãos avulsos, ocasionais arranjos de cordas, e raras intromissões de sopros. A excepção é a inaugural "Take Me To The Other Side", descarga eléctrica evocativa de Roky Erickson, uma das figuras assumidas como tutelares pela banda. O mesmo que algumas reedições recuperam na inclusão de uma longa e luminosa versão de "Rollercoaster", dos seus 13th Floor Elevators. Outro dos renegados da causa rock citados (os S3 eram uma banda reverencial às suas fontes inspiradoras, com já deu para perceber) é Mayo Thompson, personagem omnipresente no espectro marginal da música popular dos últimos 40 anos, através de uma versão de "Transparent Radiation" (dos Red Crayola), aqui fundida com o intro de "Ecsatasy Symphony". A dupla de temas siameses, semi-sinfonia para guitarra acústica e secção de cordas de efeito mesmerizante, é inclusive a peça central deste disco que se inicia em efusão delirante ("...Other Side"), relata passeios de amena cavaqueira com o Filho do Criador ("Walkin' With Jesus", "Ode To Street Hassle"), e termina em sobredose tóxica ("Call The Doctor").
Juntamente com Playing With Fire, e volvidos que estão mais de 20 anos desde a edição de ambos, ...Prescription está mais na ordem do dia que nunca, com a sua presença a diluir-se em muitas das mais estimulantes expressões musicais deste início de século: desde o contingente drone, passando pelas diferentes correntes abstraccionistas, até aos novos praticantes do psicadelismo.


"Ecstasy Symphony / Transparent Radiation"


"Take Me To The Other Side"


"Ode To Street Hassle"

5 comentários:

eduardo disse...

também gosto deste mas o meu preferido é o Sound of Confusion.

Shumway disse...

Eu gosto de todos :-)

strange quark disse...

Pois, relativamente aqui aos Spacemen 3 foi uma banda que só fui vasculhar há pouquíssimo tempo, mais ou menos quando comecei a cirandar pelos blogues o que veio a despertar novamente a minha curiosidade musical que andava meio adormecida. Este disco é o que conheço melhor, mas há uma música no Recurring da qual gosto bastante: When Tomorrow Hits. Salvo erro, por essa altura já o duo andava de candeias às avessas e o disco está repartido pelo Kember e Pierce, separadamente.

Para finalizar, esta é de facto uma banda obrigatória dos 80s pela maneira como concretizou algumas ideias na forma de uma música que veria crescer muitos frutos posteriormente, e clara herdeira das ideias pioneiras de Cale nos VU (só mesmo para fazer o link ao post ali abaixo da Uncut).

Um abraço

Gravilha disse...

tb gosto mais do sound of confusion e tb gosto muito de todos! conheci-os via som da frente quando saiu o playing with fire; andei com o revolution às voltas na cabeça meses e meses a fio. nessa altura o antonio sergio fez uma dedicatoria por via da reedição do sound of confusion e a minha cabeça "explodiu" com o loosing touch with my mind. os "danos" persistem ainda. nunca experimentei drogas duras, mas imagino que esta seja uma das experiencias sonoras mais proximas de uma trip!
abraço,

M.A. disse...

Eu também gosto de todos, mas tenho uma ligeira predilecção por este.

S.Q.:
Esse tema é uma versão dos Mudhoney, daí estar a meio do alinhamento do disco a separar a parte Kember da parte Pierce. Saiu antes num split single com os Mudhoney, no qual estes faziam uma versão do "Revolution".