BEAT HAPPENINGJamboree [K, 1988]Quando comparado com a estreia homónima de 1985, um disco pioneiro do lo-fi e do chamado twee pop, o segundo álbum dos Beat Happening (BH) será visto como uma obra registada em alta-fidelidade. Produzido por Steve Fisk e elementos dos Screaming Trees (na altura uma banda a operar num espectro bem diferente daquele em que se tornaram conhecidos), Jamboree assinala o refinamento do conceito musical muito peculiar de Calvin Johnson, uma espécie de Jonathan Richman mais determinado. Operando a partir de Olympia, no noroeste dos Estados Unidos, Calvin era também o mentor da K Records, casa de acolhimento de uma série de projectos musicais de pop geeks apostados em cristalizar os desejos e as ânsias da adolescência. Kurt Cobain, confesso adepto da ingenuidade ao serviço da pop (não só dos BH, mas também de Daniel Johnston, dos Vaselines, dos Pastels, e dos Teenage Fanclub), era devoto ao ponto de tatuar o logotipo da K no braço.
"Bewitched", o tema que abre o disco, é guiado por uma malha circular de guitarra distorcida e desafinada. A batida é repetitiva e a voz errática de Calvin confessa desejos carnais. "In Between", cantado por Heather Lewis, o elemento feminino do trio que compreendia ainda Bret Lunsford, é exemplo acabado do melhor jangle pop. Mais à frente, "Drive Car Girl" segue idênticas premissas. O terceiro tema é "Indian Summer", simplesmente a pérola no repertório dos BH. Relata um piquenique num cemitério, tendo por protagonistas dois jovens amantes que sabem que este é o último encontro. A atmosfera, quase críptica, é criada por uma estranha combinação de referências a comida, sexo, e tragédia. Dean Wareham, que com os Luna gravou uma das muitas versões de que "Indian Summer" foi alvo, refere-se-lhe como 'o "Knocking On Heaven's Door" do indie'. "Hangman", "Crashing Through" e "Midnight A Go-Go" são temas balançados entre o surf rock e o punk pop. O tema-título é esplendor lo-fi, com a voz de Calvin, a discorrer sem pudor sobre as malandrices perpertadas por dois adolescentes fechados dentro de um armário, acompanhada por uma pandeireta tosca. Já "Ask Me", novamente na voz de Heather, é uma canção essencialmente a cappella. A forma falsamente ingénua como ela pergunta "Aren't you gonna ask me what I did today?" é de despertar a líbido de um moribundo. Nos acordes graves de "Cat Walk" recuperam-se memórias do primórdios do rock'n'roll na década de 1950. Para o final, "The This Many Boyfriends Club" é o paradigma da estética BH e verdadeiro teste ao ouvinte devoto. Gravado em registo live, apresenta um Calvin atonal a tecer juras de amor a uma rapariga supostamente pouco popular. Embora completamente desafinada, a voz denota a sinceridade que raramente encontramos em cantores mais dotados. Para além do ruído de fundo resultante das conversas da platéia, o acompanhamento consiste em sons avulsos sacados da seis cordas de uma guitarra - desafinada, obviamente.
Como se depreende do que atrás foi dito, e apesar da abordagem deliberadamente inocente, há toda uma pulsão erótica que emana de Jamboree. Gerard Cosloy, figura incontornável do panorama indie norte-americano que esteve ligado à fundação das editoras Homestead e Matador, vai ao ponto de o classificar nos seguintes termos: "the most sexually charged rock LP since some Bauhaus disc I forgot the name of(...)". E, tudo isto, em apenas 24 minutos... É obra!
"Indian Summer""In Between""Bewitched"