Na América subterrânea de inícios de oitentas, dividida pela fúria hardcore a oeste e as incursões disco/funk a este, os Mission of Burma foram os responsáveis por incutir densidade cerebral ao primitivismo punk. Um pouco, diga-se, à semelhança dos Wire no Reino Unido. Deixaram apenas gravados um álbum e um EP, mas seriam responsáveis pelo lançamento da primeira pedra na edificação de Boston como uma das capitais da música independente dos states. Quando findaram actividades, em 1983, fizeram -no pela frustração das expectativas junto do público, mas sobretudo pela tinnitus do guitarrista Roger Miller, agravada com os concertos que, segundo reza a lenda, se pautavam por um volume de som demolidor.
Aos anos de semi-esquecimento, seguiu-se um período de veneração por parte de muitos dos intérpretes da "revolução alternativa" da década de 1990, o que terá motivado o regresso dos Mission of Burma, faz agora dez anos. De então para cá, contam já com a bonita soma de quatro álbuns. Em qualquer um deles, os problemas auriculares de Miller parecem não intimidar a banda a enveredar por uma certa dureza sonora. Assim é também no novo Unsound, seguramente o mais conseguido dos registos desta segunda vida dos MoB que, contudo, ainda não apresenta mácula. Sem diferir grandemente dos antecessores, parece-nos que neste disco a banda encontrou o balanço perfeito entre um sentir mais melódico e a visceralidade ruidosa. Nessa alternância, as diferentes características dos três vocalistas (Miller, Clint Conloy e Peter Prescott) são aproveitadas em consonância. Para os ouvidos menos treinados, é óbvio que, à superfície, Unsound não soará a mais que um esgrimir de recados e lamentações de homens de meia idade aborrecidos com o mundo. Mas nós já sabemos que com os MoB cada tema esconde mil e um pormenores nos interstícios. Mais agora, que da formação oficial faz parte Bob Weston, o mago de estúdio dos Shellac e de uma míriade de discos alheios, responsável pelas fitas pré-gravadas e os inúmeros sons acidentais que fazem de Unsound uma revelação a cada audição mais atenta.
"Second Television" [Fire, 2012]
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