"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

O jogo das diferenças #10



ELVIS PRESLEY
G.I. Blues
[RCA Victor, 1960]



THE REPLACEMENTS
Pleased To Meet Me
[Sire, 1987]

Blue Hawaii


















Durante a quase totalidade da década passada, Kody Nielson foi líder dos Mint Chicks, uma das últimas glórias do chamado kiwi-rock da Nova Zelândia e da excelsa Flying Nun Records. Praticante de uma mistura explosiva de inquietude juvenil e sentir pop, a banda seria responsável pela cunhagem da designação troublegum art-punk, deveras apropriada à sua sonoridade. Com a extinção dos Mint Chicks seguiram-se os inevitáveis projectos subsequentes que, obviamente, já não reflectem a mesma fúria de viver de outrora. O primeiro exemplo foi a Unknown Mortal Orchestra, do irmão Ruban, com as suas bizarrias de pendor psicadélico.

Agora, também Kody se deixa contaminar pela deriva psych, se bem que num quadrante bem mais aproximado da ortodoxia pop. Podem conferir em Electric Hawaii, primeiro álbum lançado na qualidade de Opossom, projecto solitário com a colaboração de uns poucos convidados. Um deles é o próprio pai, que já havia posto o trompete ao serviço dos Mint Chicks. Na sua escassa meia hora de duração, Electric Hawaii é um festim veraneante que transborda felicidade. Numa primeira abordagem, pode até sugerir aproximações ao universo dos Tame Impala, impressão que logo se desvanece com o mergulho no positivismo reinante. Aos mui louvados australianos também não se lhes reconhece igual devoção pela harmonia de Opossom, nem tão pouco a veia exótica. Neste último particular, com os ritmos contagiantes de terras distantes que percorrem a totalidade do disco, e uma vaga aura marítima, Kody faz questão de honrar as suas raízes polinésias.

 
"Blue Meanies" [Fire, 2012]

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Mixtape #18: Demons Sing Love Songs




Como já é hábito nesta altura do ano, o April Skies faz uma pequena pausa para férias. Se também for esse o vosso caso, espero que façam tudo é que normal fazer-se nas férias e também, porque não, aproveitem o tempo disponível para explorar "outras músicas". Eu deixo-vos algumas dicas com esta compilação de 18 faixas extraídas de outros tantos álbuns que, em meu entender, mereciam mais do que a adoração de meia dúzia de curiosos. A década abrangida é a que vai de 2001 a 2010, mas outras se seguirão, fica prometido.


01. DESOLATION WILDERNESS - "Come Over In Your Silver Car" (White Light Strobing, 2008)
02. THE CLIENTELE - "Since K Got Over Me" (Strange Geometry, 2005)
03. CLEARLAKE - "Wonder If The Snow Will Settle" (Cedars, 2003)
04. TAP TAP - "100,000 Thoughts" (Lanzafame, 2006)
05. MAZARIN - "The New American Apathy" (We're Already There, 2005)
06. NEVEREVER - "Blue Genes" (Angelic Swells, 2010)
07. ALLO DARLIN' - "If Loneliness Was Art" (Allo Darlin', 2010)
08. COMET GAIN - "Don't Fall In Love If You Want To Die In Peace" (Réalistes, 2002)
09. THE FRESH & ONLYS - "Summer Of Love" (Play It Strange, 2010)
10. THE PHANTOM BAND - "Folk Song Oblivion" (Checkmate Savage, 2009)
11. CYMBALS EAT GUITARS - "And The Hazy Sea" (Why There Are Mountains, 2009)
12. UNWOND - "Demons Sing Love Songs" (Leaves Turn Inside You, 2001)
13. GRAVENHURST - "Hollow Men" (The Western Lands, 2007)
14. WEEKEND - "Coma Summer" (Sports, 2010)
15. PARTS & LABOR - "Fractured Skies" (Mapmaker, 2007)
16. THE PONYS - "Double Vision" (Turn The Lights Out, 2007)
17. ERASE ERRATA - "Tongue Tied" (Other Animals, 2001)
18. LIFE WITHOUT BUILDINGS - "Sorrow" (Any Other City, 2001)

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Little brothers are watching us

















A história do rock está recheada de talentos precoces. Nos tempos recentes, e sem sair do espectro garage, lembro-me de The Strange Boys, a descair para uma tendência rootsy, e Smith Westerns, com visíveis inflexões glam. Ao rol juntemos The Orwells, um quinteto de adolescentes dos arredores de Chicago que, demarcando-se dos citados, envereda por uma toada mais punky

Remember When é o título do álbum de apresentação recém editado, um petardo rock que não deixará os aficionados indiferentes. A maioria dos temas combina sujidade garage com energia punk, com as convenientes letras de inanidades sobre miúdas e fé eterna ao rock'n'roll. Nada de particularmente profundo, como é hábito em discos do género. À fisicalidade dominante apresentam algumas alternativas, como sejam algumas guitarras e vocalizações da escola do risível dos Pavement, ou uns parcos assomos de jangle pop. Não será certamente Remember When, na sua naïvité injectada de adrenalina, o disco que irá ser responsável pela salvação do rock, nem tão pouco se distingue grandemente do vasto pelotão de intrépidos norte-americanos munidos de guitarras sujas. Mas dá algum conforto saber que existem putos com melhor conhecimento de sessenta anos de rock que muitos veteranos já calejados. E que pelos também são conhecedores da história da América. Senão vejamos:

"Under The Flowers" [Autumn Tone, 2012]

Singles Bar #77








CATH CARROLL
Moves Like You
[Factory, 1991]




Algo desaparecida do mapa, Cath Carroll foi, em tempos, figura de proa no universo indie britânico. Para além de ser uma carinha laroca, era colaboradora do New Musical Express, precisamente no tempo em que esta publicação era uma espécie de "bíblia" indie. Como vocalista, encabeçou os Miaow, que figuram na célebre C86 do mesmo NME, e depois The Hit Parade, banda com ligações à Sarah Records. Era, portanto, a musa twee por excelência. Que o digam os Unrest, que deram o seu nome a uma canção de pura devoção.

Depois de casar com Santiago Durango, antigo baixista dos Big Black, Carroll aventurou-se numa carreira a solo que a levaria a ser a "ave rara" numa Factory Records que já definhava. Por intermédio do marido, England Made Me, o único álbum que gravou para o selo de Tony Wilson, contou com a colaboração de Steve Albini, na altura uma presença completamente inesperada num disco que se movia na mesma pop revivalista de uns Saint Etienne de então. Embora o álbum no seu todo esgote uma fórmula até à exaustão, um punhado dos seus temas cintilam hoje como há mais de vinte anos. Do todo destaca-se "Moves Like You", não por acaso escolhido para single promocional. Encurtada relativamente à versão do álbum, a mistura do single, ligeiramente mais arejada, sublinha a voz delicada de Carroll, as linhas rítmicas de uma elegância irresistível, e as invitáveis "pianadas Ibiza" que à data eram lei na Inglaterra dançante. Ouvido hoje, "Moves Like You" retém toda a frescura original e, tal como muitos temas dos citados Saint Etienne, ainda é capaz de fazer boa figura em pistas de dança de gosto sofisticado.

Vídeo

domingo, 12 de agosto de 2012

Espectáculo de variedades















Agora que há muito derivaram para um bucolismo cósmico, e na viragem  condicionaram as tendências musicais dos últimos quinze anos, já pouca gente se lembrará dos Mercury Rev do primeiro par de álbuns. Nessa altura, eram uma entidade bem diversa, um laboratório de experiências sónicas que agitou o universo "alternativo" de inícios de noventas. Jonathan Donahue, o actual vocalista, tinha protagonismo apenas pontual, pois as vozes - e muito do carisma - ficavam quase em exclusivo entregues a David Baker. Deste último contavam-se histórias de comportamentos desviantes, talvez até demasiado para a já de si política anárquica do colectivo, e a expulsão acabou por ser a consequência.

De David Baker já não havia sinais de vida há uns longos dezoito anos, por alturas do lançamento do único disco gravado sob a alcunha Shady. Contudo, conta-se que tem ocupado o tempo e alimentado a paixão pela música a produzir para outrém. Portanto, nada de particularmente visível até ao reaparecimento como parte integrante da dupla Variety Lights, projecto baptizado a partir do primeiro filme de Fellini para o qual concorre também Will MacLean, tal como Baker um interessado por teclados e sintetizadores vintage. O fruto desta colaboração é Central Flow, álbum que, inevitavelmente, envereda por uma via dominada pela electrónica. Aos primeiros sons, rudes e angulosos, deixa-nos a impressão de estarmos perante algo de semelhante à colaboração de Mark E. Smith com os germânicos Mouse on Mars. Mas cedo essa sensação se desvanece, à medida que as texturas mais contemplativas, algures entre a psicadelia e kraut, tomam conta das operações. A espaços, Central Flow penetra também em territórios cinemáticos, quase pastoris, que remetem para algumas das aventuras da saudosa Beta Band. Concebido a partir de estilhaços e colagens de ambientes, Central Flow surpreende não só pela sua homogeneidade, como também pela fácil digestão.

 
"Feeling All Alone" [Fire, 2012]

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Discos pe(r)didos #65










ALAN VEGA, ALEX CHILTON, BEN VAUGHN
Cubist Blues
[Thirsty Ear, 1996]



Algures, em meados da década de 1990, o mundo pop entrava (irremediavelmente?) numa espécie de buraco negro. Num reinado bipartido pelas xaropadas pós-triphop e as novas formas de rock FM, parecia ter ficado pelas intenções o underground takes overground um punhado de anos antes. À parte alguns nomes com culto alargado que conseguiram chegar às massas, não estava fácil a vida para quem se aventurava por meandros mais "alternativos". Datam desse período muitos óptimos discos completamente negligenciados, mesmo quando resultado da colaboração de três lendas vivas do "outro" lado do rock: Alan Vega, o provocador dos seminais Suicide; Alex Chilton, o pequeno génio que reagiu ao insucesso dos brilhantes Big Star com a sabotagem da própria carreira; e Ben Vaughn, um devoto das raízes rock que, entre outros, já tinha acompanhado o infame Kim Fowley.

Fruto do trabalho conjunto de tais desalinhados, Cubist Blues nunca poderia ser um disco convencional. Resultado de duas noites inteiras de processo criativo informal, tal como o regime inerente às grandes obras jazz, deixa entrever um espírito jam. Musicalmente, tem incutido o sentir rock dos primórdios, algo que, de forma diversa, sempre foi matéria da obra artística dos três músicos envolvidos. Com o exclusivo das vozes, Alan Vega é, obrigatoriamente, o mestre de cerimónias. Sente-se perfeitamente à vontade neste ambiente "orgânico", bem distinto do universo electrónico dos Suicide. As letras por si escritas para o efeito, provavelmente de improviso, são autêntica poesia beat de fim-de-século. Semi-cantadas, semi-declamadas, no inconfundível estilo de Elvis de becos esconsos, propiciam ainda mais uma série de truques ao nosso enfant terrible. Como por exemplo, os urros demoníacos no longo inaugural "Fat City", uma espécie de hip-hop fantasmagórico tresmalhado de rock'n'roll, o Lou Reed impersonator no conto marginal de "Candy Man", ou o nasalado próprio de um desenho animado em "Come On Lord". Alex Chilton e Ben Vaughn são responsáveis pelo suporte instrumental, alternando na guitarra e no baixo, mas também com algumas incursões pela bateria ou pelo piano. A fidelidade ao bom e velho rock'n'roll vigora, mas acontecem algumas cedências aos tais blues "cubistas" do título, como no citado "Come On Lord" ou em "Too Late", este último a encarnação de um Jim Morrison sobrevivo à subversão post-punk. Bem diverso dos demais, e da versão original dos Suicide, é  o remake "Dream Baby Revisited" que encerra o disco, valsa rock para fim de noite. Diria que soa a algo de semelhante à aparição de Gene Vincent ou Bobby Vinton, zombieficados, no palco de um bar obscurecido das imediações de Twin Peaks. Diga-se, rematando, que toda a atmosfera do restante de Cubist Blues também não anda longe de sugerir semelhante imagem.


"Fat City" 


"Candy Man"


"Dream Baby Revisited"

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Missão cumprida














Na América subterrânea de inícios de oitentas, dividida pela fúria hardcore a oeste e as incursões disco/funk a este, os Mission of Burma foram os responsáveis por incutir densidade cerebral ao primitivismo punk. Um pouco, diga-se, à semelhança dos Wire no Reino Unido. Deixaram apenas gravados um álbum e um EP, mas seriam responsáveis pelo lançamento da primeira pedra na edificação de Boston como uma das capitais da música independente dos states. Quando findaram actividades, em 1983, fizeram -no pela frustração das expectativas junto do público, mas sobretudo pela tinnitus do guitarrista Roger Miller, agravada com os concertos que, segundo reza a lenda, se pautavam por um volume de som demolidor.

Aos anos de semi-esquecimento, seguiu-se um período de veneração por parte de muitos dos intérpretes da "revolução alternativa" da década de 1990, o que terá motivado o regresso dos Mission of Burma, faz agora dez anos. De então para cá, contam já com a bonita soma de quatro álbuns. Em qualquer um deles, os problemas auriculares de Miller parecem não intimidar a banda a enveredar por uma certa dureza sonora. Assim é também no novo Unsound, seguramente o mais conseguido dos registos desta segunda vida dos MoB que, contudo, ainda não apresenta mácula. Sem diferir grandemente dos antecessores, parece-nos que neste disco a banda encontrou o balanço perfeito entre um sentir mais melódico e a visceralidade ruidosa. Nessa alternância, as diferentes características dos três vocalistas (Miller, Clint Conloy e Peter Prescott) são aproveitadas em consonância. Para os ouvidos menos treinados, é óbvio que, à superfície, Unsound não soará a mais que um esgrimir de recados e lamentações de homens de meia idade aborrecidos com o mundo. Mas nós já sabemos que com os MoB cada tema esconde mil e um pormenores nos interstícios. Mais agora, que da formação oficial faz parte Bob Weston, o mago de estúdio dos Shellac e de uma míriade de discos alheios, responsável pelas fitas pré-gravadas e os inúmeros sons acidentais que fazem de Unsound uma revelação a cada audição mais atenta.


"Second Television" [Fire, 2012]

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Virar o bico ao prego

















No percurso dos Portishead os discos sucedem-se de forma tão espaçada que, a cada nova aparição, a banda opera uma mudança estética relativamente ao último registo. Por conseguinte, hoje já estão radicalmente afastados dos sonhos desencantados que conquistaram as massas no álbum debute. Oiça-se, por exemplo, o terceiro e último álbum de 2008, no qual as referências kraut espreitavam a cada esquina. O ideólogo do projecto é, não é novidade para ninguém, Geoff Barrow, e é natural que os discos espelhem os seus interesses musicais na altura da sua confecção. Contudo, o mergulho mais profundo de Barrow nas sonoridades de origem teutónica ficaria por conta dos Beak>, o trio que encabeça desde 2009.

Com um primeiro álbum, quase totalmente instrumental, editado logo no ano da formação, os Beak> propunham uma deriva mental, algo impenetrável para os ouvidos menos treinados, que navegava na vertente mais psicadélica do kraut. Já o sucessor, que de forma inteligente aproveita o grafismo do nome da banda e se chama >>, é substancialmente mais imediato, tanto pelo maior pendor rítmico, como pela maior predominância dos temas com vozes. Alegadamente gravado durante uma única tarde, >> transpira o ambiente jam pela coesão do todo, e resulta como um apaixonante compêndio de referências às duas maiores eminências do universo kraut. As vocalizações quase indecifráveis de Barrow, que nos remetem para os Can, surgem imersas na propulsão motorika típica dos Neu!. Ora mais contemplativos, ora mais obtusos, os dez temas sucedem-se num todo que vale mais, muito mais, que a soma das partes. Para o encerramento, com "Kidney", os Beak> propõem uma longa progressão minimalista que ecoa a uns Sonic de há mais de um quarto de século. Se é uma pista de futuros desenvolvimentos, ou apenas a expressão da veia experimentalista dos todos os três integrantes dos Beak>, apenas o tempo nos poderá responder.


"Yatton" [Invada, 2012]

domingo, 5 de agosto de 2012

R.I.P.



JASON NOBLE

Ontem, dia 4 de Agosto, Jason Noble sucumbiu a um raro tipo de cancro que lhe havia sido diagnosticado acerca de três anos, infortúnio que desencadearia uma intensa campanha de solidariedade que envolveu a nata do underground norte-americano. O próprio Noble, enquanto membro dos Rodan, dos Rachel's e dos Shipping News, era uma das figuras mais destacadas e respeitadas desse meio nas últimas duas décadas.

Noble iniciou carreira musical ainda muito jovem, no fervilhante ambiente musical de Louisville, Kentucky, de inícios de noventas, o mesmo onde nasceram os incontornáveis Slint. Como guitarrista e vocalista nos Rodan tinha, com aqueles imensas afinidades musicais, bem evidentes em Rusty (1994), o único trabalho da banda para além de um par de EPs. Talvez por ter sido três anos posterior ao emblemático Spiderland, dos Slint, aquele álbum esteja hoje um algo esquecido. No entanto, um e outro, na sua confluência de post-hardcore e math-rock, acabaram por ser conjuntamente a matriz para o post-rock de bandas como os Mogwai e similares. 

Após a extinção dos Rodan, em 1995, Jason Noble reactivou os Rachel's, banda de formação variável que lhe haveria de garntir um estatuto de culto no espectro do post-rock instrumental. Com uma linguagem musical que ia beber à música erudita, os Rachel's seriam responsáveis pelo estreitar de relações de Noble, um artista pluridisciplinar, com o cinema e a dança. Paralelamente, e na companhia de Jeff Mueller, seu companheiro nos Rodan, Noble mantinha activos desde 1996 os Shipping News, estes com uma sonoridade mais próxima da abrasividade rock da banda que primeiro lhes deu visibilidade.

Rachel's _ "Water From The Same Source" [Quarterstick, 2003]

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

10 anos é muito tempo #36











THE CORAL
The Coral
[Deltasonic, 2002]



Há dez anos exactos, o mundo vivia todo o fulgor do chamado "novo rock". Olhando agora para trás, a esta distância, facilmente constatamos que a quase totalidade das bandas associadas ao "movimento" mais não era do que mero revisionismo de expressões proto e pós-punk. Portanto, todo o burburinho terá sido, em boa medida, gerado pelo saudosismo da geração de oitentas, como que vingando-se da tendência electrónica e dançante a que esteve sujeita durante boa parte da década anterior.

Neste cenário, em clara contra-corrente, surgiram os The Coral, um sexteto de putos originário de Hoylake, pequena cidade costeira separada de Liverpool pelo Rio Mersey. Vindos de tais paragens, as mesmas que nos deram Echo & The Bunnymen e The La's, não renegaram as origens e, tal como aqueles apontavam para o psicadelismo da costa oeste da América de sessentas. Os Love eram a referência mais notória, embora no disco de apresentação os The Coral enveredassem por um melting pot que incluía o merseybeat e as primeiras manifestações ska liverpulianas, umas pinceladas country e folk, e técnicas de produção dub, tudo num caldeirão que não perdia o norte pop. Neste particular faça-se a devida vénia ao produtor Ian Broudie, velha raposa dos estúdios capaz de fazer carvão passar por diamante.

A opção por géneros algo fora de moda é algo de insólito em músicos de tão tenra idade (à data da edição deste primeiro álbum, apenas o vocalista James Skelly tinha ultrapassado a barreira dos 20 anos), mas mais imprevisíveis são as bizarrias devedoras de uns Pink Floyd da "era Syd Barrett" ou de um Captain Beefheart. Os primeiros deixam a sua marca em "Simon Diamond", um primo afastado do "Arnold Layne" daqueles, enquanto o personagem criado por Don Van Vliet assombra o tresloucado frenesim de "Skeleton Key". Este tema é uma espécie de sea shanty abastardada, algo que confere a tradição marítima da região de origem dos The Coral. Pelo mesmo diapasão enveredam em "Spanish Main" e em "Shadows Fall", embora nestes num formato bem mais ortodoxo, apesar da abertura mariachi via-Morricone do segundo. Quando querem, os The Coral também sabem extrair o romantismo imaculado próprio da sua idade, algo que sucede no belíssimo "Heartaches", no qual Skelly exibe toda a sua gama de truques vocais, e em "Dreaming Of You". Este último, o tema mais rodado e imediato de todo o disco, é dono de uma combinação intemporal de beat irresistível, sopros a preceito, e coros harmoniosos, resultando num convite à dança desenfreada.

Na sua homogénea variedade, The Coral não deixa de ter algumas pontas soltas, algo que, não só se compreende, como até se saúda em bandas de tão baixa média etária. Não deixa, no entanto, de ser um entusiasmante cartão de visita que nos deixa de sobreaviso. A promessa haveria de confirmar-se com o decorrer dos anos e dos álbuns (e até agora já lá vão sete!), à medida que os The Coral se iam assumindo como a mais coerente, esclarecida, e peculiar de todas as bandas da pop britânica do que já lá vai deste século XXI. Venham mais sete!

 
"Dreaming Of You"


 
"Skeleton Key"