"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Discos pe(r)didos #46







THE JAM
Sound Affects
[Polydor, 1980]





Já é antiga a discussão sobre qual a banda mais relevante saída do movimento punk. Sex Pistols ou The Clash? No curto período de vida, os primeiros foram, inequivocamente, os responsáveis pelo rastilho que mudou a face da música pop/rock de forma irreversível; os últimos prolongaram a carreira e conquistaram a América, ainda que, para tal, na fase terminal, se tenham tornado uma caricatura de si mesmos. Pela parte que me toca, opto pela terceira via, uma banda que muitos acusam de "extremamente britânica" mas que me parece aquela que melhor soube moldar uma personalidade coerente ao longo da carreira, do mod revival dos primórdios à pop ambiciosa da fase mais avançada, deixando um dos mais valorosos legados musicais jamais produzidos no Reino Unido. O seu nome: The Jam, os tais que era "pouco punks" pelo simples facto de serem agenciados pelo pai do vocalista.

A liderar este trio londrino, Paul Weller foi um talento precoce, à semelhança de Alex Turner em tempos recentes. Numa fase inicial, quer um quer outro foram mestres na arte de transpor para a forma de canção pequenas vinhetas do quotidiano. Quem nunca ouviu "Down In The Tube Station At Midnight", da autoria do primeiro, merece ser severamente punido. A grande diferença reside em que Weller soube, melhor que Turner, resistir à pressão da fama e "amadurecer" rapidamente para uma escrita mais genérica e abrangente, mas igualmente contundente. O ponto de viragem relativamente à irreverência quase adolescente deu-se precisamente com Sound Affects, já o quinto álbum dos The Jam em escassos quatro anos de existência. Por alturas da sua concepção, confessou Weller, a dieta musical da banda compunha-se de contemporâneos como Wire e Joy Division. Contudo, se tais escutas tiveram alguma influência em Sound Affects esta terá sido mais ao nível do clima tenso que o percorre do que propriamente em termos de sonoridade. Pelo contrário, este disco é antes um olhar para o passado, para os tempos áureos da pop, com especial enfoque nos dois grandes símbolos da englishness predilectos de Weller: The Kinks e The Beatles.

Na abertura, com "Pretty Green", aquilo que poderia ser uma evocação da Village Green imaginada por Ray Davies, mais não é do que Weller em modo ultra-cínico. O ritmo é o de uma marcha militar, como que a impor uma certa ordem.  Pela referência à homogeneização do gosto musical por via da massificação dos hits, estabelece-se o paralelismo com rebanho da sociedade (britânica). Trinta anos volvidos, nada mais actual e global... Já "Monday" não engana: traz impressa a veia sonhadora, por vezes amargurada, com que Davies descreveu uma Inglaterra em vias de extinção. Típico tema de amor juvenil, é o mais conseguido exemplar que conheço dessa espécie rara de canções que louvam as segundas-feiras. "Set The House Ablaze" é caracterizado por uma fúria, tanto na voz como na agrura das guitarras, que a leveza dos assobios e dos la-la-las não consegue disfarçar. Reflexão crua sobre a superficialidade das relações inter-pessoais, "Start!" é a evidência flagrante da reverência pelos fab four ao decalcar a linha de baixo de "Taxman". Depois vem "That's Entertainment", digna de figurar nesse grupo restrito das canções intemporais. Para tal bastam uma guitarra electro-acústica, o ritmo marcante de um baixo, a discrição da bateria acariciada pelas vassouras, e voz de Weller, em registo panfletário, a discorrer sobre o marasmo do dia-a-dia da classe operária. Uma vez mais, trinta anos não retiram qualquer actualidade. "Man In The Corner" traz mais la-la-las e desencanto kinksiano. Como o título indica, "Music For The Last Couple" é clima de fim de festa, realçado pela introdução de zumbidos de moscas ao início, antes do ritmo reggae abastardado do corpo da canção. Este tema será, porventura, o embrião da veia experimentalista que Weller tem explorado nos trabalhos em nome próprio mais recentes. O cherinho reggae regressa em "Scrape Away", o tema que encerra Sound Affects com um monólogo em fade-out em língua francesa. Um toque de classe ao cair do pano. E os Style Council quase ao virar da esquina...


"Pretty Green"


"Monday"


"Start!"


"That's Entertainment"

2 comentários:

Gravilha disse...

eu diria que o rastilho punk foram os sex pistols, sem duvida. Clash andaram à boleia, podiam ter viando ao mundo uns anos mais tarde, fariam sempre grande musica, o punk foi o contexto. Vejo os Jam na mesma linha dos Clash; carruagens, não locomotiva.
Belo texto e compreendo as tuas ideias.
abraço,

M.A. disse...

Também compreendo as tuas ideias e assino por baixo, embora em relação ache algumas coisas dos Clash um bocado sobrevalorizadas.
Eu costumo dizer que os Pistols são o punk, o resto é acessório. E, por enquanto, ainda não mudei de ideias. Agora, enquanto banda e carreira saída desse turbilhão, a minha predilecção vai para os Jam. Cada vez mais.

Abraço.