Shellac + Mission of Burma @ Galeria Zé dos Bois, 24/05/2010
Poucos dias antes de pisarem os palcos de um dos mais importantes festivais europeus, estrearam-se em Lisboa (hoje é a vez do Porto) dois dos mais dignos representantes da facção mais desalinhada do rock norte-americano. Para tão solene cerimónia, o "aquário" da ZdB engalanou-se, repleto de um público sedento e que há muito tinha esgotado os escassos ingressos.
A abertura desta double bill de sonho coube aos Mission of Burma, de há alguns anos a esta parte regressados ao activo para reclamar o papel tutelar nas várias correntes oblíquas do rock contemporâneo. Como seria de esperar, o alinhamento assentou no trio de álbuns lançados nesta segunda vida, o que se reflecte em temas pautados por um maior pendor tecnicista, exemplarmente representado na austeridade do guitarrista Roger Miller, ora a debitar descargas de energia em bruto, ora a assumir a pose de guitar hero com solos irrepreensíveis. Tal como nos primeiros tempos, a matriz aparentemente convencional é corrompida pelas constantes intromissões de sons tratados, cortesia de um oculto Bob Weston antes da prestação da sua banda "principal". Para o final ficou guardado esse tema que é já um hino ao inconformismo e que dá pelo nome de "That's When I Reach For My Revolver". No refrão, as vozes berraram em uníssono e os braços agitaram-se no ar. Foi bonita de se ver, a rebelião...
Por mais concertos a que se assista (foi o meu segundo) dos Shellac, é improvável não se ficar abismado com a precisão imprimida pelo trio, tanto nas pausas abruptas, como nos arranques ostensivos, o que revela um invulgar sentido de tempo. Se de Steve Albini e Bob Weston, velhas raposas conhecedoras de todos os truques de estúdio, já esperamos algo próximo do perfeito, a grande surpresa acaba por ser o baterista Todd Trainer, qual batida cardíaca dos Shellac movida a golpes de baquetas. Apesar da postura descontraída (Weston foi um mestre de cerimónias e até o circunspecto Albini deixa escapar algumas tiradas de bom-humor; humor seco, mas humor), a banda não prescinde de descargas de rigor anguloso. "Copper", "My Black Ass", ou o insano "Prayer To God", todos eles marcados pelos espasmos metálicos da guitarra, sacodem os corpos. Já o monólogo analítico de "The End Of Radio" aponta aos neurónios, domados pelo ritmo marcial do baixo. Tal como o par de temas (aparentemente) novos, numa depuração já próxima de algumas correntes do jazz não-formatado, que não geram as maiores ovações, mas apontam interessantes pistas para o desenvolvimento da "fórmula Shellac".
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