Foto: Noora Lehtovuori
"O fruto clonado é o mais apreciado", é a máxima dos tempos que correm. Com efeito, tem proporções gigantescas a tremenda aceitação que um infindável número de projectos formatados consegue a partir de fórmulas previamente exploradas em linguagens musicais antes "marginais", como o kraut ou o psych. É mesmo impressionante a ingenuidade dos incautos, que caem na batota, como se aquilo que lhes é apresentado, com embrulho acetinado, fosse a mais refinada novidade. Como em todas as tendências, há honrosas excepções que fogem à mediocridade da formatação, no caso em apreço aquelas em que, mais do que decalcar truques, absorve apenas os princípios de um estilo para partir rumo a um infinito de possibilidades. É o caso dos finlandeses Siinai, que a partir de ramificações difusas do kraut, colhem o melhor ensinamento dos rebeldes alemães de setentas: a total liberdade criativa, sem qualquer espécie de preconceitos. Foi sob esta premissa que se estrearam em álbum com Olympic Games (2011), um disco de densos instrumentais que, como o próprio título indica, se inspirava nos jogos com origem na Grécia Antiga.
Igualmente conceptual e instrumental, mas significativamente mais arejado, é o novo e excelente Supermarket, inclusive merecedor de capa ao estilo dos mestres teutónicos. Neste segundo álbum dos Siinai o conceito subjacente é o da actual sociedade de consumo, percorrendo os diferentes momentos de uma ida a uma superfície comercial de grandes dimensões. Porém, até pela total ausência de palavras, não há em Supermarket qualquer juízo de valor condenatório quanto ao acto de comprar, antes pelo contrário, o disco até tem algo de lúdico. Há nos oito temas referências que se pressentem em diferentes momentos, como a pulsão dos Neu!, a deriva espacial dos Tangerine Dream, ou até a propensão épica triunfal de um Vangelis de outras eras. Não obstante a difusão daquelas fontes, os Siinai são donos de uma linguagem muita própria, num disco de inúmeras camadas que exige sucessivas audições para revelar pormenores, como súbitas fanfarras que irrompem das texturas lisérgicas, ou a latência de ritmos afro que surgem do nada. Com estas características, Supermarket poderia muito bem ser a escolha de um programador de "banda sonora de centro comercial" mais ousado, ainda não domado pela ditadura do óbvio. Uma coisa era garantida: o estado transe dos potenciais clientes.
"Shopping Trance" [Splendour, 2014]
Sem comentários:
Enviar um comentário