"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Ao vivo #123

















Dean Blunt (Foto: Vera Marmelo)

Peter Evans Quintet + Fennesz + Dean Blunt @ OUT.FEST 2014 - Casa da Cultura do Barreiro, 03/10/2014

Responsável, de há alguns anos a esta parte, por trazer animação a uma pequena cidade na qual a palavra "crise" é uma assombração desde há décadas, o OUT.FEST é um festival único no panorama nacional no que concerne há representação das diversas franjas da música popular. À semelhança de qualquer outro dos dias do evento (entre 2 e 5 últimos), o programa da passada sexta-feira atesta bem do alheamento dos programadores no tocante aos espartilhos estilísticos. No cartaz, cuja prioridade é abranger um largo espectro de tendências ainda não formatadas segundo os estereótipos do mainstream, também não há qualquer critério de antiguidade das carreiras, pelo que, tanto podemos contar com nomes estabelecidos no segmento leftfield, como com as últimas revelações ainda em estado proto-hipster.

Segundo estas premissas, a ementa da noite da última sexta, com cenário no ambiente kitsch pré-decadente da Casa da Cultura, a ordem dos concertos escalados poderia ser qualquer qualquer uma. Por nenhuma razão em especial, couberam as honras de abertura ao trompetista nova-iorquino Peter Evans, à frente de um quinteto que, além do expectável (contrabaixo, piano, bateria), inclui um operador electrónico que processa em tempo real a performance dos restantes músicos. Se a esta presença insólita acrescentar-mos a informação de que Evans é conhecido pela tendência para o improviso, já vejo alguns narizes a torcerem-se perante a ameaça de uma sessão de "ruído avulso". Porém, desenganem-se os cépticos, pois, não obstante uns lampejos de abstraccionismo, o concerto revela-se algo de bastante harmonioso, lúdico até, e isto sem abusarmos da boa-vontade. Ao longo de dos quase noventa minutos queimados num estalar de dedos, o quinteto é um óptimo entretenimento que percorre diferentes toadas, que tanto podem tanger os ritmos latinos, como o rock mais abrasivo. Cada elemento, mestre no seu ofício, tem direito a solo, destacamdo-se do todo, sem detrimento para os demais, o próprio Peter Evans pela sua incrível capacidade para explorar as potencialidades dos instrumentos (trompete convencional e de bolso), e o baterista guedelhudo, altamente preciso e responsável máximo pelas convulsões abruptas ao longo do concerto.

Bem mais breve foi o austríaco Christian Fennesz, nome de culto na electrónica contemporânea mas que, em boa verdade, é um guitarrista rendido ao processamento electrónico dos arpejos minimalistas. Como tal, apresenta-se numa pouco convencional postura: sozinho em palco, munido de guitarra e laptop. Na bagagem traz o recente Bécs, álbum reminiscente do já clássico Endless Summer (2001), que, portanto, é um contraste harmonioso à deriva abstraccionista dos anteriores trabalhos. Não se limita a reproduzir propriamente as peças daquele disco, embora as ambiências criadas, relativamente mais densas também por força de um som imponente, estejam próximas do clima de Bécs, este mais luminoso. Assim, por mais do que uma vez, sentimos estar na presença dos arremedos espectrais dos cinco Slowdive levados a cabo por um só elemento. É um conceito eficaz nesta brevidade, correndo o risco, se alongado, de se perder na eminência da repetição.

Embora não acrescente novidades significativas à apresentação de há menos de um ano, um concerto de Dean Blunt será sempre motivo de uma fascinante estranheza, sob qualquer óptica e ao fim de um infindável número de repetições da experiência. Toda a encenação teatralizada, a constante tensão latente, a presença imóvel de um segurança em respaldo ao artista, e a simplicidade do jogo de luz (e de longos períodos de escuridão absoluta), são truques simples que adicionam tempero a um espectáculo básico na essência. Tal como tinha acontecido no Teatro Maria Matos, Blunt apresenta uma versão sintetizada do excelente The Redeemer (2013), agora ainda mais reduzida porque também vai sendo hora de avançar com temas do já muito próximo Black Metal. A impressão que fica dos novos temas, que seguem a progressão do artista rumo a uma linguagem mais orgânica, com uma forte presença da guitarra, é que não destoam minimamente do carácter intimista dos restantes, prosseguindo, como tal, no relato confessional e despudorado de trechos do quotidiano sentimental (auto-biográfico ou talvez não). Praticamente conceptual, e sobretudo extremamente coeso, o concerto de Dean Blunt foi capaz, tal como o de Peter Evans antes dele, de arrancar intensos aplausos à mistura com expressões de estupefacção. Devidamente justificados, diga-se.

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