"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

domingo, 7 de setembro de 2014

The sun ain't gonna shine anymore

















Foto: Clas-Olav Slotte

Há coisa de um quarto de século, quando a Sub Pop Records era sinónimo das manifestações ruidosas do underground americano que ficaram rotuladas de grunge (seja lá o que isso for), estaríamos longe de imaginar que a editora de Seattle abrangeria a amálgama de tendências que é o actual catálogo. A bem dizer, nesses tempos, o cardápio era composto basicamente por prata da casa, pelo que, não se sonhava sequer a expansão a artistas além-fronteiras. Muito menos a jovens artistas negras, da longínqua Finlândia, mas com origens etíopes. A artista em causa chama-se Mirel Wagner, e há uns três anos lançou um disco homónimo surpreendente, um concentrado de negrume impensável para a juventude dos seus vinte e três anos. Apesar de essência acústica e dos parcos recursos, Mirel Wagner era um disco de uma crueza brutal, de um intenso cheiro a morte e a terra queimada.

Se aquele registo teve inicialmente apenas edição local, criou um burburinho suficiente para chamar a atenção das gentes da Sub Pop, responsável pela edição do novo e bastante recomendável When The Cellar Children See The Light Of Day. Pelo título sugestivo já se percebeu que o ambiente do novo álbum é igualmente carregado, sendo também mantida a inspiração de Mirel Wagner nos blues do Delta. Registam-se, contudo, diferenças significativas na produção, agora mais depurada, o que não belisca a simplicidade destas dez canções tenebrosas feitas basicamente de voz e guitarra. Assim, percorremos histórias miseráveis que incluem crianças mortas, atracções ardentes pelo Diabo, amores trágicos e, eventualmente numa evocação das origens da autora, relatos de fome extrema. Obviamente que, por motivos diferentes, há aqui pontos de contacto com a obra de Nina Nastasia, ou até com o passado de Polly Jean Harvey. No entanto, nunca a primeira mergulhou em trevas tão densas, nem a última foi tão contida nos recursos. Digamos antes que as principais referências de When The Cellar Children... extravasam o contexto musical, situando-se próximas das histórias macabras do american gothic que povoam boa parte da obra literária do genial Cormac McCarthy. Porém, se este é um conhecedor próximo do submundo de miséria que relata, Mirel Wagner tem um distanciamento geográfico desta realidade que, certamente, está na base da aura de mistério que ensombra todo o disco. É precisamente nesse ponto que reside boa parte do fascínio mórbido gerado por When The Cellar Children See The Light Of Day.

 
"The Dirt" [Sub Pop, 2014]

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