BOBBY WOMACK
[1944-2014]
Com o desaparecimento de Robert Dwayne Womack na passada sexta-feira, dia 27, vivem-se no April Skies alguns dos momentos de maior pesar desde o arranque deste pasquim. O clima é comparável ao que se seguiu às perdas de Alex Chilton e de Amy Winwhouse, ou de James Gandolfini, se extravasarmos o universo musical. Este profundo sentimento de perda é perfeitamente justificável perante o carinho deste que vos escreve pelas sonoridades soul ao ver partir o último dos grandes soul men, eventualmente aquele que teve uma carreira mais consistente, com pontos altos distribuídos por várias épocas. Não concordam? Bem, eu posso argumentar que, efectivamente, os lendários Sam Cooke e Otis Redding foram "as" vozes soul masculinas por excelência mas foram fugazes, ou que Marvin Gaye gravou "o" álbum definitivo mas tem uma discografia desequilibrada. Já Bobby Womack, esse pode nunca ter conquistado o estatuto de lenda dos referidos, mas ficou com o seu nome impresso nas capas de inúmeros discos de alto nível qualitativo, espalhados por diferentes décadas. Outros pontos a favor deste, para além do timbre grave nada desprezável, são os factos ter sido também um compositor prolífero e um dotado guitarrista (canhoto).
Dos 70 anos da vida conturbada de Womack, que incluiu várias recaídas no calvário das drogas, quase seis décadas foram dedicadas à música. Começou, portanto, em tenra idade na companhia dos irmãos na banda de suporte de Sam Cooke. O colectivo foi baptizado The Valentinos pelo próprio Cooke, em substituição do anterior Womack Brothers. Escassos três meses após a morte trágica do mestre em 1964, casou com a viúva deste, acontecimento que lhe causou dissabores vários, como acusações de traição, zangas com alguns mais próximos e um autêntico ostracismo dos seus pares. Como consequência, o arranque da carreira a solo foi discreto. Neste período, para ganhar a vida, Womack dedicou-se também a escrever para outrem e a participar como músico em discos alheios. Wilson Pickett e George Benson interpretaram canções da sua autoria, enquanto Dusty Springfield, Aretha Franklin, Sly Stone, ou até Elvis Presley, contaram com a presença da sua guitarra lânguida.
O arranque para o sucesso em massa, com o esmorecer do "boicote", deu-se apenas com o início da década de 1970. Este período da carreira fica marcado pelos magistrais álbuns Communication (1971) e Across 110th Street (1972). O primeiro desvia-se do registo soul clássico com concessões ao mais moderno R&B, enquanto o último, banda sonora do filme blaxploitation homónimo, envereda pela tendência "progressiva" da soul em voga à época. Já com o advento disco sound Womack não foi tão conivente como muitos dos seus semelhantes, e em pleno frenesim daquele género hedonista teve o acto de rebeldia de gravar um improvável disco country (BW Goes C&W, de 1976). A opção de carreira questionável valeu-lhe o despedimento da editora United Artists, a que se seguiu uma recaída nas garras da cocaína e um dos períodos mais negros da sua vida, pessoal e artística.
O reaparecimento perante as massas e os louvores da crítica aconteceu na primeira metade da década de 1980, em simultâneo com o aparecimento de novas vozes revitalizadoras da soul, como Anita Baker, Teddy Pendergrass, ou Luther Vandross. São desta era os elegantes trabalhos The Poet (1981) e a sequela The Poet II (1984), este último distinguido como disco do ano pelo então influente New Musical Express. Tal como inúmeros artistas ligados à soul e derivados, também Bobby Womack foi prejudicado pelo desinteresse a que o género foi votado nas mais de duas décadas seguintes. O regresso à ribalta, por assim dizer, aconteceu apenas há um par de anos com a edição de The Bravest Man In The Universe, trabalho produzido e encorajado por Damon Albarn após uma aparição de Womack numa música dos Gorillaz, e uma autêntica modernização, não necessariamente descaracterizadora, da sonoridade soul clássica.
O lançamento daquele álbum de 2012 chegou envolto na triste possibilidade de ser o último, com a notícia de que Womack padecia de um tumor cancerígeno em estado avançado. Porém, os meses seguintes trariam as notícias animadoras da regressão do cancro. No entanto, complicações várias de um estado de saúde altamente debilitado provocaram-nos, mesmo à entrada do fim-de-semana, o choque da perda deste verdadeiro bravo. Consta que, há data deste dia fatídico, havia já novo álbum concluído, intitulado The Best Is Yet To Come. Na hora da partida, resta-nos o optimismo da profecia do título, pois Bobby Womack deverá a este hora estar em paz, como uma das estrelas mais cintilantes no Paraíso Soul.
[Minit, 1969]
[United Artists, 1971]
[United Artists, 1972]
[Beverly Glen, 1984]
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