"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

R.I.P.



JIMMY RUFFIN
[1936-2014]

Ao fim de um período de saúde francamente debilitada, a voz de Jimmy Ruffin calou-se para sempre na passada segunda-feira, dia 17. O desaparecimento acontece precisamente na altura em que se falava da preparação de um novo álbum de regresso, que certamente beneficiaria do recente renascimento do interesse pelas sonoridades soul da velha escola.

Quando comparado com as grandes lendas do género, temos de reconhecer que Jimmy Ruffin, que até nem era uma sobredotado em termos vocais, é apenas uma figura menor. Efectivamente, passou uma boa parte da carreira como cantor de sessão na fábrica de hits da Tamla Motown, e era habitualmente secundarizado em relação a David Ruffin, o irmão mais novo que integrou os Temptations da fase dourada. No entanto, Jimmy não deixou de, ele próprio, sentir o sabor doce do sucesso na recta final de sessentas com uns quantos singles como "I've Passed This Way Before", "Don't Miss Me A Little Bit Baby", e - o mais memorável de todos - "What Becomes Of The Brokenhearted?". Em qualquer deles, e por oposição à ligeireza da maioria dos hits do novo "som da América jovem", abordava temáticas mais sombrias; a carência de mestria vocal era compensada pela paixão que imprimia a cada interpretação. Homem de uma sobriedade rara numa época de excessos, e possuído por uma forte consciência social, Jimmy Ruffin era normalmente conhecido como a voz da classe operária de Detroit, cidade berço da Motown e cenário de inúmeras convulsões sociais ao longo de décadas.

Incapaz de manter acesa a chama do sucesso, talvez pela inadaptação aos desenvolvimentos da música negra, desligou-se da Motown em meados de setentas, chegou a militar pela "rival" Chess Records, e passou a dedicar-se quase em exclusivo ao público britânico. Em inícios da década seguinte passou, inclusive, a viver no Reino Unido, onde reencontrou o sucesso comercial com uma roupagem disco-soul. Foi também aí que, a reboque da chamada "nova pop", com uma forte componente soul, colaborou com gente como os Heaven 17 e Paul Weller. Com este último, igualmente um empenhado das causas da classe operária, e à época líder dos estilosos The Style Council, gravou o tema "Soul Deep", inicialmente creditado a The Council Collective, e um gesto de solidariedade com as famílias dos mineiros envolvidos na propalada greve de 1984-85, no auge do thatcherismo.

What Becomes of the Brokenhearted by Jimmy Ruffin on Grooveshark
[Tamla Motown, 1967]

Hold On (To My Love) by Jimmy Ruffin on Grooveshark
[RSO, 1980]

Soul Deep (Single) by The Style Council on Grooveshark
[Polydor, 1984]

Foolish Thing to Do by Heaven 17 on Grooveshark
[Virgin, 1986]

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Mil imagens #53



Nirvana - Parque del Retiro, Madrid, 1992
[Foto: Steve Double]

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Equally cursed and blessed


Foto: Tom Sheehan

Para além da excelência da obra discográfica, uma das principais características das melhores bandas é a escolha do momento para sair de cena, ainda que temporariamente, antes que a decadência assome. Esses são ambos predicados dos britânicos The Coral, que estão presentemente em banho-maria e por tempo indeterminado, enquanto os seus elementos se dedicam a projectos pessoais. Os atributos desta malta era já algo reconhecível aquando da edição do homónimo álbum de estreia, em 2002, mal tinham os rapazes saído da adolescência. Em plena vigência do chamado "novo rock", demasiado estilizado segundo conceitos post-punk facilmente reconhecíveis, os The Coral distinguiam-se por ir beber a fontes difusas de sessentas, algo inesperadas em gente tão jovem: dos Love a Captain Beefheart, dos Byrds a Morricone. Vários outros discos se seguiram, pejados de referências marítimas, na melhor tradição de Liverpool e arredores (Echo & The Bunnymen, The La's, Shack), num seguro e notável processo de crescimento que os fez, muito provavelmente, a banda pop/rock mais consistente deste novo século. A ter de indicar um ápice em tão equilibrada carreira, aponto para The Invisible Invasion (2005), produzido por Geoff Barrow e Adrian Utley, e no qual os The Coral procuraram nos músicos dos Portishead o apoio para consumar um depuramento da sua sonoridade.

O agrado da banda com o resultado daquele quarto álbum foi ao ponto de partir de imediato para estúdio, acompanhada da mesma dupla de produtores e com o intuito de registar um sucessor que obedecesse às mesmas premissas. Porém, os temas que ficaram registados foram então abandonados, alegadamente porque os The Coral temeram a repetição de uma fórmula em discos sucessivos. Alguns anos volvidos, uma dúzia dessas novas-velhas canções vê finalmente a luz do dia no recente The Curse Of Love, álbum que, na pior das hipóteses, serviria para matar uma sede de novidades que dura já desde 2010. No entanto, depois de o ouvir, rapidamente chegamos à conclusão de que este é muito mais do que um álbum que sirva apenas para evitar o esquecimento durante o hiato, evidência de que as "sobras" dos The Coral devem fazer inveja à obra "regular" de muita boa gente. Refira-se que o propósito inicial é conseguido, já que The Curse Of Love é o disco mais "despido" da banda, e também o de atmosferas mais densas. No entanto, essa densidade não descai para a gravidade exacerbada, já que é devidamente contra-balançada pelo sentido melódico habitual. Óptimo exemplo da dicotomia up/down são as duas versões do tema-título, que abrem e encerram o álbum: a primeira, e definitiva, num registo sea shanty funéreo; a última, e em estado primário, é uma espécie de valsa relativamente arejada. Pelo meio, a dezena de temas restante joga nesta duplicidade, com uma simplicidade assinalável, mas que deixa a nu a riqueza melódica intrínseca de qualquer canção dos The Coral. Por último, é de referir o desempenho da voz amadurecida de James Skelly, num registo bastante próximo da referência Ian McCulloch dos melhores dias, e tal como este a sublinhar o romantismo da gente jovem que carrega o peso do mundo sobre os ombros.


[Skeleton Key, 2014]

sábado, 15 de novembro de 2014

Singles Bar #98










PLUSH
Three-Quarters Blind Eyes
[Drag City, 1994]



Liam Hayes não é propriamente um nome que soe familiar às massas, até porque costuma gravar sob o pseudónimo Plush. No entanto, este aficionado do perfeccionismo que escolheu uma carreira à margem da fama é um dos grandes artesãos da pop de câmara/orquestral/barroca dos nossos tempos, um digno herdeiro tanto de Burt Bacharach como de Brian Wilson. Originário da mesma ebulição de Chicago de inícios de noventas que gerou também Jim O'Rourke, Hayes contrasta em actividade com aquele músico hiper-produtivo: em duas décadas contam-se apenas três álbuns sob a chancela Plush, mas qualquer um deles objecto de culto por parte de qualquer amante da mais pura pop intemporal. Se é opção ou complexo de perfeição desconhece-se, mas é certo que a irregularidade temporal das suas edições são o principal motivo de uma projecção diminuta.

No entanto, ainda que se tivesse eclipsado para a eternidade, bastaria a Liam Hayes a primeira edição discográfica, e aquela que deixou o meio mundo atento à novidade de sobreaviso, para constar dos manuais pop. Lançado numa época em que o rock agreste massificado media forças em protagonismo com o bom momento da música de dança, pré-vulgarização, Three-Quarters Blind Eyes é apenas um single, mas uma pedrada no charco do marasmo eminente. Curiosamente, a excepcional canção que é tema-título não se insere propriamente no registo orquestrado que deu nome ao projecto Plush. Saído da pena de alguém que à época era próximo de um tal Will Oldham, chegando inclusive a colaborar em discos lançados sob as diferentes variações Palace, "Three-Quarters Blind Eyes" é um tema inserido naquele compartimento difuso em que o americana se deixa contaminar por décadas de cultura pop. Simplificando, digamos que é um tema de cantautor, registado com recursos mínimos, até com alguma rispidez, mas talvez por isso imortalizado com a pureza que só as canções no seu estado primário possuem. Já no lado B, o tema "Found A Baby" é o primeiro assomo dos propósitos estéticos de Hayes. Fabulosa lullaby de uma beleza imaculada, que o espírito sonhador de Brian Wilson poderia ter gerado, esta é uma canção que contrasta a simplicidade da estrutura com a opulência dos elementos (arranjos de cordas, sopros), porém com uma gestão discreta dentro das fronteiras de um extremo bom-gosto.

Depois das altas expectativas criadas por esta aparição, foi preciso esperar quatro anos por More You Becomes You, o primeiro e belíssimo álbum de Plush que pecou apenas por tardio, porque lançado numa época em que o formato "canção" era moeda em desuso. Outros dois se seguiram, com semelhantes hiatos de tempo a separá-los, perante a indiferença generalizada, mas directos ao coração daqueles que ainda privilegiam a mestria pop a qualquer tendência passageira.

Three-Quarters Blind Eyes by Plush on Grooveshark

Found A Little Baby by Plush on Grooveshark

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Paint it, black
















Penso que já antes o tínhamos afirmado, mas nunca é demais repeti-lo, para que não restem dúvidas: o génio (ainda) pouco reconhecido de Dean Blunt já não se circunscreve ao universo "electrónico", nem mesmo se detém no conceito vasto de "música urbana". A mutabilidade inconformista já se pressentia nos tempos do projecto Hype Williams, dividido com Inga Copeland, caracterizado por uma electrónica leftfield difícil de arrumar em qualquer subespécie. Apesar disso, talvez nada nos tivesse preparado para The Redeemer, o fabuloso álbum de catarse em nome próprio do ano passado, e para sua abordagem avant-soul narcótica que recuperava os últimos resquícios da colaboração com Copeland. Neste, e no complementar Stone Island, concebido numa única noite passada em Moscovo e distribuído gratuitamente on-line, despontava nova companhia feminina.

De sua graça Joanne Robertson, a moça assume papel de grande destaque no novíssimo Black Metal, disco que concretiza a redenção que o antecessor apenas prometia. Antes de partirmos para a dissecação desta nova mutação estilística de Dean Blunt, convém tentar compreender os porquês de tão insólito título. Bem, mesmo que com a difusão de conceitos do artista em causa nada possa ser dado como garantido, uma atenção ao conteúdo de Black Metal poderá justificar a escolha como uma tentativa de Blunt se tentar libertar da compartimentação da sua música baseada em critérios de coloração da pele. O sucesso desta tentativa pode ser aferida na primeira parte do disco, uma meia dúzia de temas num registo indie-art-pop, nos quais a guitarra de Joanne Robertson tem presença tão ou mais considerável que a sua voz, esta cristalina e em contraste com o crooning do "mestre". A escolha de samples de Big Star e The Pastels num par de faixas diz muito das "sensibilidades brancas" presentes. Ambos os temas ("LUSH" e "100", respectivamente) têm ainda a particularidade de derrubar barreiras entre a pilhagem ostensiva e a criação de algo novo, matéria em que Dean Blunt tem dado lições. Com a separação por conta do longo e cinemático "FOREVER", entramos na segunda metade do álbum e aqui talvez tenhamos de justificar o negrume com o incremento da tensão latente, ou não fosse este um trabalho de alguém que já nos habituou a uma certa bipolaridade, estética e lírica. Neste segmento final de Black Metal, substancialmente menos orgânico, a esquizofrenia é um dado adquirido, com a sucessão de temas avulsos que tanto podem tanger o hip-hop como o ambientalismo nocturno, ou até não passarem de devaneios abstractos. Ultrapassado o ligeiro desnorte das primeiras audições, e unidas as pontas, Black Metal revela-se mais um fascinante produto da constante inquietação dos nossos dias, não muito diferente daquela dos tempos de um tal tricky kid há quase duas décadas.

 
"MERSH" [Rough Trade, 2014]

domingo, 9 de novembro de 2014

O jogo das diferenças #33


FERRANTE & TEICHER
Keyboard Kapers
[United Artists, 1963]

PAVEMENT
Slanted And Enchanted
[Matador, 1992]

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Sound affections


Foto: Neil "Twink" Tinning

Com relativa justeza, aos Buzzcocks é normalmente atribuído o epíteto de punk Beatles, pela sua capacidade de urdir canções curtas de um imediatismo efectivo. Para comprovar o mérito de tal atribuição, basta passar os ouvidos pela compilação Singles Going Steady, de 1979, seguramente uma das melhores edições do género. Mais pela qualidade que pela quantidade, os norte-irlandeses The Undertones também poderiam ser um sérios candidatos a tal título. No entanto, tanto no caso destes como no dos mancunianos, o paralelismo com os fab four tem de ser estabelecido apenas com a fase formativa, pré-Rubber Soul. Se avançarmos para o "período crescido" dos de Liverpool, muito provavelmente, a comparação com as bandas saídas do turbilhão punk apenas poderá ser com o trio do guitarrista/vocalista e compositor quase exclusivo Paul Weller, do baixista Bruce Foxton, e do baterista Rick Buckler

Bem, antes que se torçam os narizes, esclareço que catalogar os The Jam como punk é resumi-los ao primeiro par de álbuns, da meia dúzia que lançaram noutros tantos anos com selo da multinacional Polydor. Quando implodiram, no apogeu da fama, eram já uma banda radicalmente diferente. Nesta fase, refira-se, a aceitação das massas contrastava com a rejeição dos seguidores dos primórdios, demasiado cegos por um fundamentalismo que não aceitava o crescente interesse do trio, e em especial de Paul Weller, pela música negra. O próprio frontman terá pressentido que a mutação entretanto operada já não encaixava na entidade The Jam, pôs fim à banda e formou The Style Council, estes totalmente livres para flirtar com a soul, com o jazz, ou com a bossanova, numa das mais belas aventuras da facção sofisticada da pop. Não obstante alguma incompreensão à época, tanto com a fase derradeira dos The Jam, quanto com a proposta dos Style Council, o tempo tratou de garantir a Paul Weller o estatuto de pioneiro. E também o reconhecimento como um dos grandes escritores de canções Made in UK, o que se reflecte numa vasta descendência que vai de Morrissey (sim, ele há-de admiti-lo) a Pete Doherty. 

Numa espécie de tributo de reconhecimento ao herói Modfather, que melhor que ninguém soube combinar a consciência social da working class com o espírito pop, e fruto de mais um surto do "sindroma Alta Fidelidade", apresento-vos o meu top ten pessoal dos The Jam. Pelo menos o de hoje, em regime countdown, e resultante de uma short-list de duas dúzias de temas, é assim:

10. "Start" (Sound Affects, 1980)
09. "Beat Surrender" (single, 1982)
08. "Mr. Clean" (All Mod Cons, 1978)
07. "To Be Someone (Didn't We Have A Nice Time)" (All Mod Cons, 1978)
06. "Going Underground" (single, 1980)
05. "Monday" (Sound Affects, 1980)
04. "In The City" (In The City, 1977)
03. "Down In The Tube Station At Midnight" (All Mod Cons, 1978)
02. "Town Called Malice" (The Gift, 1982)

01. "That's Entertainment" (Sound Affects, single, 1981)

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Um pequeno mundo em ruínas





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Liz Harris, a quem a timidez leva a gravar como Grouper, é daquelas artistas com uma dinâmica de lançamentos muito própria, que não obedece propriamente aos processos e intervalos criativos estabelecidos pela "indústria". Não se conclua daí que seja moça dada à preguiça. Bem pelo contrário, em dez anos tem já editados outros tantos álbuns, número nada desprezável nos tempos que correm. O que sucede é que o ritmo de edições não é regular, e muitas vezes um novo disco repesca velhos temas deixados em estado embrionário no manacial de criação que o trabalho em recolhimento caseiro proporciona. O último The Man Who Died In His Boat (2013), por exemplo, recuperava canções já com alguns anos de gestação, do tempo do soberbo Dragging A Dead Deer Up A Hill (2008) e, como tal, parente próximo daquele. Ou seja, ambos eram discos de temas densos mas simultaneamente frágeis, compostos por esboços de canções que vagueavam num limbo entre a perdição e a redenção.

Com o novíssimo e altamente recomendável Ruins sucedeu algo de semelhante, já que a concepção dos seus oito temas remonta a 2011, quando Liz Harris se remeteu a um retiro em Aljezur, no sul de Portugal, a fim de cicatrizar feridas de (des)amores antigos. Por conseguinte, este é o seu trabalho mais violentamente emocional, apesar de reduzir ao esqueleto as texturas que, outrora, eram de uma densidade quase impenetrável. Os ruídos incidentais, que antes eram uma medida recorrente, estão agora praticamente remetidos aos temas de abertura e de fecho. Estes são uma espécie de contextualização de lugar, uma vez que pelo meio, no cerne do disco, as delicadas canções ao piano fazem de nós uns voyeurs despudorados, que seguem cada passo da deriva da autora na sua clausura intimista. Com um gradiente de desfocagem menos evidente que os antecessores, Ruins é também o primeiro trabalho de Grouper em que a voz se assume como algo mais que um instrumento. Apesar de exigirem uma atenção especial, o balbuciar daquelas frases ténues denota a necessidade de expelir palavras urgentes. Por isso, este é um daqueles discos que exige que façam um pausa nas tarefas domésticas e se deixam imergir no íntimo em ruínas de Liz Harris. Não queria usar frases feitas, mas garanto-vos que, primeiro, Ruins estranha-se, mas depois entranha-se.

 
"Holding" [Kranky, 2014]