Estrella Damm Primavera Sound'09@ Parc del Fòrum, Barcelona, 28 a 30/05/2009Ainda antes da entrada no Parc del Fòrum é-se confrontado com uma realidade estranha às tentativas de festivais que se fazem por cá: no levantamento dos bilhetes, o atendimento é célere, simpático e descomplicado. Igual atitude estende-se ao controlo de segurança na entrada, como pessoas no lugar dos habituais gorilas acéfalos. Já dentro do recinto, em crescendo de emoção, adquirem-se as preciosas senhas para cerveja e faz-se uma volta de reconhecimento aos diferentes palcos. Montra de diferentes estilos de arquitectura e de diferentes paisagens (o betão e a natureza convivem harmoniosamente), o recinto revela-se extremamente funcional para o evento, mesmo nos momentos de maior afluência de público em constante trânsito entre palcos. Como ponto negativo, assinale-se o mau cheiro que emanava das tampas de saneamento e que, no último dia, se tornou quase insuportável.
O cansaço (sobretudo no primeiro dia), as idas à casa-de-banho, as sobreposições no cartaz, e algumas opções de última hora, fizeram com que perdesse os concertos de Spectrum, Squarepusher, Marnie Stern, Jay Reatard, Art Brut, Jesu, Jason Lytle, El-P, Gang Gang Dance, Black Lips,Sunn O))), e Wavves, para citar apenas alguns. Em relação a estes últimos, vim a saber mais tarde, tive a opção mais sensata. Ainda assim, ficam na memória três dezenas de concertos (nem todos vistos na íntegra, note-se), sobre os quais se discorre de seguida, e o desejo de repetir a experiência em 2010. No final desta resenha, apresenta-se o top ten das minhas preferências. [Palcos: ED - Estella Damm; RD - Rockdelux; ATP - All Tommrrow's Parties; P4K - Pitchfork; R-BV - Ray-Ban Vice]
DIA 28
Women (P4K)
Para a estreia, uma banda canadiana que não alinha pelo sinfonismo pop algo estafado geralmente associdado àquele país da América do Norte. Inicialmente prejudicado pelo som deficiente, o quarteto foi aos poucos conquistando a assistência com a estranha mistura de ruído e harmonia que os distingue. Simpáticos e comunicativos, tiveram em "Black Rice" o esperado momento de maior ovação.
The Bats (R-BV)
Pop melódica e melancólica irrepreensivelmente tocada por quatro músicos que têm sabido envelhecer com dignidade. O fim de tarde com o Mediterrâneo ao fundo é cenário perfeito para este bonito concerto que merecia maior adesão do público.
The Vaselines (RD)
Os anos passaram e Eugene Kelly e Frances McKee mantêm, pelo menos em espírito, a aura juvenil que transborda da sua música. Em constante diálogo alegre apimentado, o duo faz-se acompanhar por alguns elementos dos Belle & Sebastian. Escusado será dizer que temas como "Son Of A Gun", Molly's Lips", "Dying For It", ou "Jesus Wants Me For A Sunbeam", provocam neste escriba o inevitável arrepio saudosista.
Yo La Tengo (ED)
Assisti apenas à parte inicial, essencialmente marcada pela soul sonhadora que caracteriza os últimos registos deste trio. Registadas na memória, ficam não só as belas harmonias vocais, como o humor cáustico de Ira Kaplan dirigindo-se a um fotógrafo de ocasião. Já com o estômago parcialmente acomodado, ouvi ao longe o clássico "Tom Courtenay".
The Jesus Lizard (ATP)
Talvez seja de mim, provavelmete em dia pouco receptivo às descargas vitriólicas de David Yow e seus pares. Consequentemente, soou-me tudo algo repetitivo. O corpulento vocalista não dispensou o número de crowd surfing. Dos guerreiros que se degladiavam nas proximidades do palco louva-se a coragem.
Phoenix (RD)
Canções escorreitas, bem tocadas, e sobejamente dançáveis, é a receita dos Phoenix. Se fossem britânicos, não se distinguiriam da míriade de bandas medianas que surgem como cogumelos em terras de Sua Majestade. No entanto, são gauleses e têm um vocalista mediático, razões que não justificam um hype algo exacerbado.
My Bloody Valentine (ED)
Volume no vermelho, distorção, poses estáticas, vozes abafadas na massa de ruído ensurdecedor. Aqui e ali, surge um traço reconhecível de melodia. Irremediavelmente rendido a este estranho ritual hipnótico , o público reage, na sua maioria, em sinal de aprovação. Outros, vão abrindo clareiras que vão permitindo maior aproximação ao palco. Penso que, no fundo, era isto que Kevin Shields pretendia com Loveless, caso os meios de produção da altura o tivessem permitido. No derradeiro e interminável "You Made Me Realise" torna-se obrigatório o uso dos earplugs gentilmente cedidos à entrada.
Aphex Twin (RD)
Arrasado pelo concerto anterior, optei por passar uma tangente ao maverick dos laptops, aqui em apresentação próxima do dj-set.
The Horrors (R-BV)
O cenário escolhido foi demasiado pequeno para os interessados em testemunhar a metamorfose estética recentemente operada pelos Horrors. Em palco, as canções novas perdem alguma da carga dramática das versões de estúdio. Com mais alguma rodagem, estes putos ameaçam tornar-se um caso sério. Por ora, foram apenas satisfatórios.
DIA 29
Crystal Stilts (P4K)
Em palco, as canções perdem algum do efeito claustrofóbico. Em compensação, ganham um inesperado sentido melódico. Alguns temas novos, deixam antever uma ligeira mudança de rumo. Alargados a um quinteto, foram, para muitos uma das surpresas agradáveis do festival, ou a prova de que é possível evocar a memória dos Joy Division sem descambar para o dramatismo balofo.
Bat For Lashes (ED)
Da menina Natasha Khan fica na retina o gosto por roupas vistosas, que pouco a favorecem. Às influências confessas de Kate Bush, juntam-se agora alguns tiques de Tori Amos e de uma Björk em modo contido. Bonitinho, quase esotérico e algo inconsequente.
Vivian Girls (P4K)
Mais ruidosas do que o esperado, estas três meninas despacham temas à razão de quatro por cada dez minutos. Divertidas e bem humoradas, sentiram-se como peixe na água perante um público que sabia ao que vinha. Apresentaram alguns temas novos que seguem a linha do disco de estreia.
Spiritualized (RD)
Alinhamento irrepreensível num concerto com a moldura humana consentânea com o currículo de Jason Pierce, ao contrário do passagem por cá no ano passado. Como é habitual, os momentos de uma beleza arrepiante alternam com as descargas sónicas.
The Pains of Being Pure at Heart (P4K)
Diminídas do teor de sacarina dos originais, as canções adquirem em palco uma força renovada, mais ajustada aos cânones do rock'n'roll. Tal como as restantes bandas que passaram pelo mesmo palco, revelaram-se extremamente comunicativos.
Throwing Muses (RD)
Chega a ser confrangedor presenciar uma banda que nos é querida diminuída naquele palco palco sobredimensionado. Para agravar a situação, o som estridente não joga a favor das canções mais adaptáveis a ambientes de recato. Salva-se a voz elástica de Kristin Hersh, capaz de ir do grito lancinante ao murmúrio terno em fracções de segundo.
Crystal Antlers (P4K)
Sonoridades com quatro décadas praticadas com a energia inesgotável de gente com pouco mais de vinte anos. Intensos e viscerais, os Crystal Antlers confirmaram em pleno as esperanças neles depositadas. O percussionista auto-denominado Sexual Chocolate, tem aqui um papel semelhante ao de Bez nos Happy Mondays, e funciona como contraponto ao tom urgente da música. No último tema, juntaram-se-lhes diversos membros das bandas que os antecederam em palco para uma jam de celebração do novo espírito independente norte-americano.
Jarvis Cocker (ED)
Do ex-vocalista dos Pulp não sabia o que esperar. Quando assim é, só podemos ficar satisfeitos depois de uma hora inspiradíssima de um dos melhores pop entertainers que alguma vez pisaram um palco. Mais rockeiro e confessional do que no passado, Jarvis não perdeu ainda o humor mordaz que lhe deu fama. O reencontro fica marcado para Paredes de Coura.
Saint Ettiene (RD)
No guião estava previsto a apresentação do debutante Foxbase Alpha na íntegra. Ponto de encontro entre o balearic beat e a sofisticação pop, os Saint Ettiene foram o expoente máximo de charme de todo o festival. As imagens projectadas, provenientes de uma Inglaterra icónica de outras eras, proporcionaram um belo espectáculo. Tivesse a Estrella Damm outro teor alcoólico e seria inevitável a abordagem à belíssima Sarah Cracknel que aguardava pacientemente à entrada do hotel localizado à saída do recinto.
Shellac (ATP)
Ainda que seja um cliché geralmente associado ao math rock, é a esta a única forma de descrever a prestação destes semi-deuses: uma máquina precisa e rotinada, que se limita a executar o essencial, só possível graças a músicos tecnicamente evoluídos. No final, o profético "The End Of Radio" tem um efeito devastador. Termina em solo de bateria, com Steve Albini e Bob Weston a desmontarem o kit peça a peça.
A Certain Ratio (R-BV)
Pioneiros da miscigenação de música negra, dance e pop-rock, arriscam-se, neste erguer das cinzas, a hipotecar um passado relativamente respeitável.
DIA 30
Shearwater (P4K)
Canções prenhes de emoção, filiadas no imenso caldeirão do americana, e interpretadas no limite pela voz imensa de Jonathan Meiburg. Tiveram a honra de colher as ovações mais intensas do público espanhol, geralmente contido nos aplausos. A belíssima versão de "Tomorrow" dos Clinic foi recebida com alguma surpresa.
The Jayhawks (ED)
Country-rock solarengo de boa colheita. Extremamente prazenteiro em final de tarde estendido na relva.
Th' Faith Healers (ATP)
Confrontados com a destreza e à-vontade em palco, poucos adivinharão que este quarteto vem de uma longa paragem de década e meia. As estruturas musicais são complexas e propiciadoras do estado de transe. Porém, colam-se ao ouvido ao primeiro contacto. Com uma assistência mais numerosa e conhecedora, poderiam ter deixado marcas na presente edição do festival catalão.
Neil Young (ED)
Um nervoso miudinho antecedeu o meu primeiro contacto com este dinossauro que ainda ousa criar obra relevante, mais de quarenta passados desde o início de carreira. Do vasto repertório adaptável à curta duração do happening, Neil Young optou por apresentar um best of compactado, com temas como "Cortez The Killer", "Needle And The Damage Done", "Heart Of Gold", ou "Cinnamon Girl" interpretados de forma intensamente arrepiante. Para o encore, já sem a minha presença, estava guardada uma versão de "A Day In The Life", dos quatro de Liverpool. Pela falta, estou a penitenciar-me até ao dia de hoje.
Oneida (R-BV)
Ao longo de quarenta longos minutos, os Oneida desfilam ininterruptamente o seu último disco. Os sons extremos e circulares percorrem uma panóplia de géneros que podem ir do progressivo ao noise. Uma experiência dificilmente traduzível em palavras.
Liars (ATP)
De Angus Andrew e seus pares, nunca se esperam dois concertos iguais. Presentemente menos experimentais e mais directos, mantêm o bom-humor que os caracteriza desde a primeira hora.
Deerhunter (RD)
Inicialmente intimidados pelas dimensões do palco, souberam progressivamente desinibir-se e conquistar um público numeroso predisposto a disfrutar da dream pop aventureira deste quinteto de Atlanta. O fabuloso Microcastle foi, obviamente, o parto principal de um concerto, acima de tudo, competente.
Sonic Youth (ED)
Foi morna a parte inicial do concerto, a única a que assisti. Tal facto ficará a dever-se ao alinhamento escolhido, essencialmente composto por temas do novíssimo The Eternal, ainda pouco rodados e desconhecidos do público.
Simian Mobile Disco (RD)
Propósito único de abanar a anca, depois de uma dieta exclusiva de música de guitarras. Depois da experiência, não percebo porque são atribuídos rótulos pomposos a algo que não difere grademente das sonoridades mais dançantes da década passada.
Já passava das quatro da matina quando, ao som das escolhas criteriosas de DJ Coco, e já invadido por uma imensa saudade, disse o último adeus ao Parc del Fòrum. Pelo menos por este ano...
Os 10 +01. MY BLOODY VALENTINE02. THE VASELINES03. JARVIS COCKER04. NEIL YOUNG05. SPIRITUALIZEDO6. CRYSTAL STILTS07. SHEARWATER08. CRYSTAL ANTLERS09. SHELLAC10. VIVIAN GIRLS