WILD NOTHING _ Gemini [Captured Tracks, 2010]
Nos últimos tempos, nos Estados Unidos, avoluma-se o rol de estetas adeptos das produções caseiras de baixa-fidelidade. Embora novato nessa extensa lista, Jack Tatum conta já com um currículo que inclui diversas solicitações para remisturas do trabalho de outrém. Na obra em nome próprio, assinada como Wild Nothing, envereda por uma sonoridade liberta de artifícios que sugere, inevitavelmente, algum recolhimento. As tapeçarias sonoras, essencialmente geradas a partir de sintetizadores analógicos, tanto evocam as paisagens idílicas dos Cocteau Twins como a pop fracturada dos Felt. Umas vezes banhado num mar de doce melancolia, outras penetrado por tímidos raios de sol, Gemini deixa no ar uma leve brisa de mistério que seduz desde o primeiro instante. [8]
ARCADE FIRE _ The Suburbs [Merge, 2010]
Ao terceiro registo, o combo canadiano mais celebrado dos últimos tempos, salvas as devidas distâncias, retoma os tons sépia do debutante Funeral, em detrimento da pompa balofa que marcou o subsequente Neon Bible. Contudo, nas entrelinhas, The Suburbs ainda deixa escapar alguns anseios de grandeza, seja na discrição dos arranjos de cordas, seja na limpidez da produção que arrasa a veia tosca de outrora. A voz de Win Butler abandonou o ar de gravidade do passado e envereda agora por uma reserva mais de acordo com as suas limitações. A sombra de Springsteen paira a cada recanto e as guitarras ganham terreno, por vezes em despique desenfreado ("Mouth Of May", "Ready To Start"), noutras a sublinhar o rigor formal que roça o classicismo pop (o profusamente catchy "Modern Man"). Interpretado por Régine Chassagne, "Sprawl II (Mountains Beyond Mountains)" segue, sem pudores, por uma via electrónica retro que, possivelmente, aponta pistas para um futuro próximo. Segundo os membros da banda, a inspiração para este disco provém das experiências de vida nos subúrbios, e daí o ambiente de desencanto que emana. Como obra conceptual que é, The Suburbs não escapa aos piores tiques do "género", na circunstância manifestados na duração que vai para além do razoável. Pela parte que me toca, e para melhor fruição, saltei "Rococo" e "Empty Room", manifestações da irritação épica que me causa profunda repulsa. [7,5]
THE CORAL _ Butterfly House [Deltasonic, 2010]
Com este são já meia dúzia os álbuns da banda que, discretamente, se tem firmado como um dos mais sólidos colectivos nascidos no Reino Unido do novo século. Se a isto somarmos o facto de os seus membros ainda andarem pela casa dos vintes, ganha outras proporções o feito dos The Coral, banda que, desde cedo, manifestou o apego à tradição do psicadelismo
pop sessentista comum a outros dignos representantes da Liverpool natal (Echo & The Bunnymen, The La's, Shack). Sem surpresas,
Butterfly House segue essa mesma via, pese embora revele uma banda próxima de um estádio de amadurecimento, com toda a carga positiva que o termo possa sugerir. Obreiro desta pequena (r)evolução foi o produtor John Leckie que, aproveitando as transformações no seio da banda (a substituição do guitarrista), extraiu dos The Coral potencialidades que revelam extrema auto-confiança. A voz de James Skelly já não é a do puto meramente dotado, mas sim a do homem-feito com aptidões para um registo próximo do
crooning. Das guitarras, geradoras de melodias tão formais quanto inventivas, tanto podem brotar laivos de
flamenco a fazer lembrar os Love, como manifestações de virtuosismo próximas da versão contida de uns Stone Roses do segundo disco. Desta conjugação de factores, nasce uma dúzia de canções que, sem excepção, primam pela eficiência só ao alcance das obras intemporais. Para melhor entendimento, pasmem-se com a previsibilidade feita gema
pop de
"1000 Years", até prova em contrário, uma das canções que marcarão positivamente o corrente ano.
[8,5]
TAME IMPALA _ Innerspeaker [Modular, 2010]
Não se pense a Austrália dos nossos dias, e em particular a editora Modular, apenas capaz de gerar sub-produtos de saudosismo oitentista que, ultimamente, tem entretido o gosto direccionado para modinhas fúteis. Quem no-lo afirma são os Tame Impala, quatro putos obcecados com os devaneios guitarrísticos de Hendrix e dos Cream da melhor safra, os mesmos que, há coisa de dois anos, presentearam os mortais com um fulgurante
EP homónimo. A hora da aventura em longa-duração é também a de correr riscos, materializados num alargar de horizontes que se expandem até a uma faceta mais contemplativa - e, forçosamente, mais
pop - que lembra The Beatles, em particular os do
Álbum Branco. Há até algumas semelhanças vocais com o Lennon desses tempos que chegam a ser assustadoras. Não se pense, contudo, os Tame Impala apenas apostados na deriva mental por via da
psicadelia sonora: quando investem a fundo no
groove, sacodem irremediavelmente o corpo sem dó nem piedade.
"Solitude Is Bliss", o tema eleito para
single promocional é disso o melhor exemplo.
[8,5]