"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Paint it, black
















Penso que já antes o tínhamos afirmado, mas nunca é demais repeti-lo, para que não restem dúvidas: o génio (ainda) pouco reconhecido de Dean Blunt já não se circunscreve ao universo "electrónico", nem mesmo se detém no conceito vasto de "música urbana". A mutabilidade inconformista já se pressentia nos tempos do projecto Hype Williams, dividido com Inga Copeland, caracterizado por uma electrónica leftfield difícil de arrumar em qualquer subespécie. Apesar disso, talvez nada nos tivesse preparado para The Redeemer, o fabuloso álbum de catarse em nome próprio do ano passado, e para sua abordagem avant-soul narcótica que recuperava os últimos resquícios da colaboração com Copeland. Neste, e no complementar Stone Island, concebido numa única noite passada em Moscovo e distribuído gratuitamente on-line, despontava nova companhia feminina.

De sua graça Joanne Robertson, a moça assume papel de grande destaque no novíssimo Black Metal, disco que concretiza a redenção que o antecessor apenas prometia. Antes de partirmos para a dissecação desta nova mutação estilística de Dean Blunt, convém tentar compreender os porquês de tão insólito título. Bem, mesmo que com a difusão de conceitos do artista em causa nada possa ser dado como garantido, uma atenção ao conteúdo de Black Metal poderá justificar a escolha como uma tentativa de Blunt se tentar libertar da compartimentação da sua música baseada em critérios de coloração da pele. O sucesso desta tentativa pode ser aferida na primeira parte do disco, uma meia dúzia de temas num registo indie-art-pop, nos quais a guitarra de Joanne Robertson tem presença tão ou mais considerável que a sua voz, esta cristalina e em contraste com o crooning do "mestre". A escolha de samples de Big Star e The Pastels num par de faixas diz muito das "sensibilidades brancas" presentes. Ambos os temas ("LUSH" e "100", respectivamente) têm ainda a particularidade de derrubar barreiras entre a pilhagem ostensiva e a criação de algo novo, matéria em que Dean Blunt tem dado lições. Com a separação por conta do longo e cinemático "FOREVER", entramos na segunda metade do álbum e aqui talvez tenhamos de justificar o negrume com o incremento da tensão latente, ou não fosse este um trabalho de alguém que já nos habituou a uma certa bipolaridade, estética e lírica. Neste segmento final de Black Metal, substancialmente menos orgânico, a esquizofrenia é um dado adquirido, com a sucessão de temas avulsos que tanto podem tanger o hip-hop como o ambientalismo nocturno, ou até não passarem de devaneios abstractos. Ultrapassado o ligeiro desnorte das primeiras audições, e unidas as pontas, Black Metal revela-se mais um fascinante produto da constante inquietação dos nossos dias, não muito diferente daquela dos tempos de um tal tricky kid há quase duas décadas.

 
"MERSH" [Rough Trade, 2014]

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