"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

L'Avventura

















É facto consumado que o espírito indie canónico, difundido originalmente no Reino Unidos há coisa de três décadas, tem actualmente na América do Norte vasta legião de descendentes. Porém, embora menos representado, e porque a quantidade e a qualidade não são sinónimos, é no berço que ainda vão surgindo alguns dos melhores exemplares da prole. Sem desprimor para os excelentes Veronica Falls, e até porque os Belle & Sebastian já pertencem à categoria dos veteranos, sou tentado a atribuir a coroa indie na actualidade aos londrinos Allo Darlin', que por acaso até são dois quartos importados da Austrália. Já na casa dos trintas, esta é gente que entende da poda pop, que fala a mesma língua dos jovenzinhos sensíveis e sonhadores que, tal como Brian Wilson, não foram feitos para estes tempos. Assim tem sido desde a última viragem de década, quando começaram a espalhar pérolas em forma de canção por pequenos formatos e pelos álbuns Allo Darlin' (2010) e Europe (2012). Na melhor linha do "género", são canções ricas em referências, daquelas com que os geeks afins se identificam de imediato, patentes em títulos bestiais como "Henry Rollins Don't Dance" ou "If Loneliness Was Art".

Entre aquele soberbo segundo álbum e o novíssimo We Came From The Same Place algo de importante aconteceu na vida dos Allo Darlin', mais concretamente na da vocalista e escritora de canções Elizabeth Morris, que entretanto casou e trocou Londres pela cidade italiana de Florença. Talvez sejam essas mudanças marcantes que estejam na origem da toada deste terceiro álbum, relativamente mais sisudo, para não dizer mais crescido, e até melancólico, mesmo que a cantora afirme que algumas das onze canções são uma reacção anti-nostalgia. Não sendo propriamente um disco acústico, reduz significativamente a electricidade, trazendo maior visibilidade ao ukelele de Morris e à riqueza melódica das canções, uma vez mais em estado de graça. No entanto, o maior trunfo de todos é mesmo a voz clara e arejada da australiana emigrada, que, sem exibicionismos desnecessários, tem uma franqueza tão próxima quanto a da nossa vizinha do lado, quer cante sobre a inevitabilidade do crescimento, quer verse sobre tolices mundanas. Estas são temáticas intrínsecas a bandas da estirpe cada vez mais escassa dos Allo Darlin', que com We Came From The Same Place proporcionam mais um tratado de simplicidade e esplendor pop, como dificilmente ouviremos em tempos próximos. Portanto, se procuram algo aparatoso, deverão ir bater a outras portas.

[Fortuna Pop!, 2014]

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