"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Há 20 anos era assim #11









PAVEMENT
Crooked Rain, Crooked Rain
[Matador, 1994]




Numa entrevista recente, Stephen Malkmus confessava a influência que uma certa tendência esgrouviada que tomou conta do underground norte-americano de finais de oitentas teve na formação dos Pavement. A esse propósito, citava bandas como os Sun City Girls, os Bongwater e, claro está, os impagáveis Butthole Surfers. Porém, a ser sincera a confissão, tal não se sente sobremaneira em Slanted And Enchanted (1992), o fulgurante álbum de estreia que se seguiu a uma porção de EPs de baixa-fidelidade que causaram grande burburinho. Naquele disco, sem pudores, a banda bebia directamente da fonte dos britânicos The Fall, também estes banda arredia aos estereótipos pop, sem contudo merecer reparos ácidos de Mark E. Smith que seriam previsíveis.

Curiosamente, a tendência para o absurdo que se tornaria imagem de marca dos Pavement, cresce em Crooked Rain, Crooked Rain, segundo álbum que por sinal marcou a estabilização como banda propriamente dita, e não de um colectivo de experimentalistas de estúdio à volta de Malkmus e do guitarrista Scott Kannberg. Para tal, muito contribuiu a saída do irreverente baterista Gary Young, e a substituição deste pela dupla Steve West e Bob Nastanovich, conferindo à banda uma disciplina que antes estava ausente. A consistência ganha é notória em Crooked Rain..., que do regime lo-fi do começo pouco preserva, ao apresentar uma dúzia de temas que à superfície poderiam ser relativamente convencionais se um impulso subversivo não estivesse no código genético da banda. Tome-se como exemplo "Silence Kit", logo o tema de abertura, que aparentemente está em sintonia com as tendências guitarrísticas pós-grunge. Porém, as vozes acriançadas de falsetto forçado, e os solavancos beefhearteanos da parte final, afastam qualquer ideia de normalidade. Relativamente mais ortodoxo, também "Elevate Me Later tem a sua dose de vozes ensandecidas, bem como um interlúdio noisy. Pegue-se ainda em "Cut You Hair", um quase-hit que é quase sunshine-pop, não fossem as onomatopeias tolas e a letra indecifrável. Neste, Stephen Malkmus especializa-se naquela estilo próprio, semi-falado e de pontuação pouco perceptível. Bons exemplos desta técnica são também os mais pausados "Stop Breathin'" e "Heaven Is Truck" (atente-se nos títulos), mas o expoente é o soberbo "Gold Soundz". Em qualquer destes temas ainda não chegamos a qualquer conclusão quanto às letras: se são apenas disparate pegado, ou se são da mais refinada poesia nonsense. Há, no entanto, momentos de inteligibilidade, como em "Range Life", porém compensada com o sarcasmo corrosivo de Malkmus, que não poupa nos recados há convivência inter-bandas nos festivais rock, inclusivamente citando nomes (Stone Temple Pilots, Smashing Pumpkins). Neste tema, o tom de enfado preguiçoso é sublinhado pela travo country-rock, eventualmente trazido das colaborações de Malkmus nos Silver Jews do amigo David Berman. Cereja no topo do bolo da imprevisibilidade, o instrumental  "5 - 4 = Unity" soa a algo que Dave Brubeck faria se tivesse nascido meio século mais tarde, mas também denuncia o apreço dos Pavement pela obra de terrorismo sonoro dos Faust. Por falar em terrorismo, atente-se ainda no desdém sarcástico de um tema intitulado "Hit The Plane Down", este sem segundas interpretações.

Cut Your Hair by Pavement on Grooveshark

Gold Soundz by Pavement on Grooveshark

Range Life by Pavement on Grooveshark

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

R.I.P.


Marty Thau com Malcolm McLaren e Bernie Rhodes (segundo e terceiro, dir. para esq.), 
agentes dos Sex Pistols e dos The Clash, respectivamente

MARTHY THAU
[1938-2014]

Morreu hoje, com 75 anos de idade e de causa ainda desconhecida, Marty Thau, agente de bandas rock, produtor, empresário, e nome intimamente ligado ao underground nova-iorquino, nomeadamente ao submundo punk e new-wave de finais de setentas.

Não obstante este estatuto, a entrada de Thau no circo rock'n'roll até aconteceu no meio mainstream, primeiro na revista Billboard, depois como executivo de subsidiárias das grandes editoras. Foi nesta qualidade que esteve directamente ligado às edições americanas de discos históricos de peixes graúdos como Van Morrison e John Cale, ainda durante os sixties. No início da década seguinte, por vontade própria, abandonou a big league e dedicou-se exclusivamente ao underground. Para a história ficará lembrado como o agente dos New York Dolls, banda semi-falhada nos intentos de sucesso, mas determinante no lançamento das sementes punk. Os frutos forma colhidos pelo próprio Thau, que gravou as primeiras demos dos Ramones e esteve também presente nos primeiros passos dos Blondie. Porém, como produtor, o seu trabalho mais significativo é o seminal álbum de estreia homónimo dos Suicide, de 1977. Para o lançamento deste disco fundou a Red Star Records, primeira grande editora independente americana depois do fim dos sessentas, e selo também de trabalhos de bandas como Richard Hell & The Voidoids, The Real Kids, ou The Fleshtones. Da sua exclusiva responsabilidade é também uma compilação de bandas new-wave, ainda antes desta tendência dominar a primeira metade da década de 1980 da MTV. Consta que, até esta data, Marty Thau dedicava-se ainda à conclusão da auto-biografia Rockin' The Bowery: From The New York Dolls To Suicide, na qual teria certamente muitas histórias para revelar desse fascinante pedaço da história da música popular.

 
Suicide "Ghost Rider" [Red Star, 1977]

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Before sunset
















Há encontros que, leve o tempo que levar, estão destinados a acontecer um dia. Como aconteceu com Joe Pernice e Norman Blake, duas almas-gémeas representantes do que melhor se faz em matéria de sunshine-pop happy/sad, o primeiro à frente dos Pernice Brothers, o último com os Teenage Fanclub. Sendo um oriundo dos states, e o outro da Escócia, o encontro aconteceu longe de casa, em Toronto, no Canadá, e ficou a dever-se a uma feliz coincidência: ambos passam algum tempo no país da folha de acer por serem casados com nativas. Para partilhar as afinidades, formaram uma banda chamada The New Mendicants, na qual milita ainda o baterista canadiano Mike Belitsky (The Sadies).

Noutros tempos, a formação deste projecto seria noticiada com o destaque normalmente reservado a esta coisa dos super-grupos. Hoje, com os maus tratos a que a pop mais pura está sujeita, um álbum como Into The Lime é lançado com a maior das discrições. Terá, no entanto, a atenção devida pelos fieis, que sabem que aqui vão encontrar canções em número suficiente com as doses certas de doçura e melancolia. E sabem também que essas canções serão inevitavelmente melódicas e terão coros harmoniosos. Efectivamente, Into The Lime não falha em nenhum desses propósitos de servir a banda sonora para o lusco-fusco, e permite ainda a Norman Blake reviver os sons fuzzy da juventude num par de temas atípico no alinhamento: "Shouting Match" e "Lifelike Hair". O primeiro é power-pop elementar, o segundo tem a sujidade retro que os Primal Scream não desdenhariam. Alegadamente, a maioria das canções, escritas em regime de total parceria, foram compostas para dar música a A Long Way Down, a mais recente adaptação cinematográfica de um romance de Nick Hornby, admirador e amigo tanto de Pernice como de Blake. No entanto, consta que as mesmas, compostas a pedido do próprio escritor, não mereceram a aprovação dos produtores do filme. Entre eles está um tal Johnny Depp que, certamente, terá mais certezas que nós comuns mortais para se dar a luxo de esbanjar canções pop deste quilate, por sinal espécie bastante rara nos tempos que correm.

[Ashmont / One Little Indian, 2014]

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Here comes the sun

















Talvez ainda não vos tivesse dito, mas tenho de vos confessar que me começa a enfastiar toda esta corrente revivalista em que tudo agora é psych. Não tanto pela quantidade de ofertas, mas pela artificialidade da esmagadora maioria, invariavelmente produto decalcado das fontes do passado e devidamente polido para não magoar o ouvido "moderno". Quando é assim, qual é a necessidade da existência deste ror de bandas quando podemos continuar a desfrutar da real thing? Há excepções, claro. Uma delas, sou levado a crer, são os britânicos Temples, que no ano passado nos brindaram com um par de excelentes singles banhados pelo mesmo sol da Califórnia que outrora abençoou a música dos The Byrds. Certamente derivativos, mas com o traço pop de um requinte que nos faz ansiar por um álbum num misto de receio e expectativa.

Editado nesta semana, Sun Structures inclui aquela parelha de temas, o que reduz o número de novidades mas possibilita que duas grandes canções possam chegar a maior número de ouvidos. Num trabalho que não defrauda de forma alguma as melhores previsões, fica assim assegurado o elemento byrdsiano, que se dissipa no restante alinhamento para dar lugar a muitos ecos dos The Beatles. É inevitável a comparação aos contemporâneos Tame Impala mas, para o nosso bem, os Temples ainda respeitam a essência da canção pop no mesma razão que os australianos enveredam pelo delírio virtuoso. Outra influência assumida por James Bagshaw, vocalista, guitarrista e elemento mais experiente, é o prog britânico de inícios de setentas, sentida sobretudo pelas referências esotéricas que, ainda segundo a mesma fonte, são mais adereço estilístico do que propriamente uma doutrina. Na vontade de experimentar diferentes fontes, sem se deter no decalque directo e no excesso de purismo, e a partir daí urdir óptimas canções pop intemporais, reside talvez o trunfo que distingue os Temples da concorrência. A propósito de Sun Structures, e da forma como este assimila as diferentes referências, lembrei-me agora da fulgurante estreia dos The Coral, há mais de uma década atrás. Resta agora cruzar os dedos e torcer para que, depois de superado o primeiro teste, os Temples sejam capazes de ter carreira tão significativa e regular como a daqueles.

"Mesmerise" [Heavenly, 2014]

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Good cover versions #81

















CATHERINE WHEEL _ "30 Century Man" [Fontana, 1992]
[Original: Scott Walker (1969)] 

30 Century Man by Catherine Wheel on Grooveshark

Surgidos nos alvores de noventas na cidade costeira de Norfolk, os Catherine Wheel pareciam condenados a ficar recordados como mero sub-produto da vaga shoegaze que então vigorava no Reino Unido. Não faltou quem apontasse o primeiro álbum (Ferment, de 1992) como um derivado óbvio de Ride e The House of Love. De facto, naquele disco, a banda não demonstrava traços de grande personalidade, limitando-se a decalcar as explosões espectrais dos primeiros e o sentido melódico dos últimos. A viragem estava para breve, tendo ficado a dever-se a um simples EP, por sinal composto quase em exclusivo por versões de temas de outrem. 

Neste registo de afirmação, os Catherine Wheel endureceram a sonoridade, tornando-se capazes de resistir à avalanche grunge, algo que não sucederia com a maioria dos seus pares. Em "30 Century Man", o tema-título do EP, quase quadriplicam a duração do original, criando espaço para diversos clímaxes de guitarras em espiral de distorção. A versão vive de uma dinâmica que alterna as partes contemplativas, normalmente cantadas, com os segmentos de deriva sónica. Diga-se que, em bom rigor, do original de Scott Walker pouco mais é mantido que a letra. Naquele, uma curta trova acústica, tudo se limita a contenção, algo atípico no seu autor, normalmente reconhecido pela exuberância da voz de barítono.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Bone machine

















Face às cores garridas da música que fazia a "moda" de Brooklyn há pouco mais de um par de anos, os Hospitality eram ave-rara com a sua revisão moderna da twee-pop com quase três décadas. Precisamente em 2012, deram-se a conhecer com um álbum homónimo, disco simpático mas ao qual faltava qualquer traço distintivo para o fazer grudar aos tímpanos. Talvez porque faltasse à banda o engenho para urdir canções imediatas, do calibre das dos "concorrentes" como os Camera Obscura ou os Allo Darlin'.

De então para cá, os Hospitality viram-se reduzidos de quarteto a trio, e esta perda que poderia ter-lhes causado mossa obrigou-os a reinventar-se com uma sonoridade mais esquelética, mas com o nervo que antes estava ausente. O resultado desta operação de cosmética está no novo Trouble, álbum no qual a vocalista Amber Papini se emancipa face a Tracyanne Campbell e Elizabeth Campbell - frontwomen das citadas bandas da concorrência - e perde os trejeitos típicos de uma bibliotecária. A voz, várias vezes num staccato frenético (oiça-se "I Miss Your Bones"), está em sintonia com as arestas agudas das guitarras, e as suas letras têm agrura em dose superior à da doçura. Alarga-se a paleta de instrumentos, com o recurso a sopros insinuantes e a sintetizadores datados de oitentas, estes apenas perdoados em defesa da variedade. Algo esquizofrénico para uma assimilação imediata, Trouble e os seus dez pedaços de ansiedade e reboliço urbano acabam por revelar, com as sucessivas audições, um estranho poder de sedução pop que ainda desconhecíamos nos Hospitality.

 
"Going Out" [Merge, 2014]

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Ao vivo #115
















Sonic Boom / Experimental Audio Research @ Teatro Maria Matos, 06/02/2014

Embora com uma carreira pós-Spacemen 3 relativamente mais discreta em termos mediáticos que a do antigo companheiro Jason Pierce, não se pode dizer que Peter Kember se tenha entregue à preguiça nestas mais de duas décadas. Pelo contrário, é já vasta a obra editada tanto como Sonic Boom, "alcunha" que ganhou já nos tempos daquela banda lendária, como ainda à frente dos Spectrum ou dos Experimental Audio Research, este último um colectivo pelo qual têm passado outros rebeldes da coisa rock. Além disso, e com especial incidência nos anos mais recentes, tem sido bastante requisitado no papel de produtor. É precisamente nessas funções que se encontra no nosso país, novamente a produzir para Panda Bear, presença essa que possibilitou e motivou o concerto da passada quinta-feira.

Embora o espectáculo tenha sido anunciado com o título acima, aquilo a que pudemos assistir foi mais uma súmula das diferentes facetas de Kember, a possível no espaço de hora e meia face à longa duração de todas as peças apresentadas sem qualquer intervalo. Essa resenha acontece naquilo que poderemos designar como a primeira parte do concerto, espaço também para a versão (dos Kraftwerk) reverente às influências, algo do qual já os Spacemen 3 não se coibiam. É nesta fase que temos a oportunidade de escutar os temas mais próximos do formato canónico de canção, embora sempre corrompidos pela vontade de expandir os sons com o intuito de induzir os sentidos. Apesar da presença solitária em palco, acompanhado apenas da "maquinaria", este é um espectáculo bastante mais elaborado do que aquele, bastante informal, que Peter Kember trouxe há uns anos ao Museu do Chiado, como se afere das projecções preparadas para o efeito, em consonância com o cariz psicotrópico da música. Para a suposta segunda parte, está reservada apenas uma sumptuosa peça, a rondar os 40 minutos de duração, na qual desfilam todos os ingredientes que têm movido Kember desde a adolescência, todos extraídos das correntes renegadas do rock. Faz-se aqui jus ao experimentalismo a que a alude o nome do projecto em cartaz, com uma lenta progressão de sons refractados que conduzem a um estado lisérgico, no qual perdemos qualquer noção de tempo. Coadjuvado pela excelente efeito das imagens no fundo do palco, Sonic Boom desperta-nos do transe apenas com o singelo agradecimento que segue o último som, para arrancar um intenso e merecido aplauso.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Mil imagens #46



John Lydon (Public Image Ltd) - Nova Iorque, 1989
[Foto: Joe Dilworth]

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Misery loves company














Entramos no novo ano e mantém-se a promessa de que nos meandros da música electrónica vai continuar a haver motivos para considerarmos esta uma época dourada. Bem, corrigindo, não vos falo da electrónica pura-e-dura, mas daqueles estetas paisagísticos que tanto podem recorrer à manipulação de sons "orgânicos", como o contrário, isto é, reproduzir o real a partir de sons sintetizados. Um deles, novo nestas andanças, é Steven Shade, músico escocês com um passado ligado às correntes menos ortodoxas do rock, do math ao post-rock, o que certamente tem repercussões no seu trabalho actual.

Depois da passagem por diferentes bandas, assume-se como Sevendeaths, projecto com o qual acaba de editar o álbum Concreté Misery, disco percorrido por uma estética obscurecida, com afinidades com a obra de um Tim Hecker. Porém, a principal diferença que salta à vista é a aura harmoniosa que raramente está presente na música do canadiano. Quando o negrume se adensa, e os drones se tornam mais impenetráveis, estamos próximos da melancolia subtraída da agressão própria do black metal. Atendendo à toada lenta e arrastada, há, portanto, aproximações ao universo explorado pelos Sunn O))). Também a música concreta e o minimalismo, tendências cuja descoberta terá sido determinante na viragem estética de Steven Shade, são determinantes nos processos de Concreté Misery. Embora assim, em teoria, este disco possa parecer uma manta de retalhos desconexa, asseguro-vos de que é uma obra bastante coesa na assimilação das diferentes linguagens musicais. Com um forte cariz cinemático, chega a conter momentos de uma beleza latente, embora nos interstícios corroída pela ferrugem da melancolia.

"All Night Graves" [LuckyMe, 2014]

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

First exposure #63

















EAGULLS

Proposta irreverente e algo insólita, na encruzilhada do post-punk com a facção "progressiva" do hardcore. Expectativas em alta para álbum debute já no horizonte.

Formação: George Mitchell (voz); Mark Goldsworthy (gtr); Liam Matthews (gtr); Tom Kelly (bx); Henry Ruddel (btr)
Origem: Leeds, Inglaterra [UK]
Género(s): Indie-Rock, Post-Punk, Psych-Rock, Noise-Rock
Influências / Referências: Killing Joke, The Clash, The Cure, Public Image Ltd, Merchandise, No Age, Hookworms

 
"Nerve Endings" [Partisan, 2013]