"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Mil imagens #37



Superchunk - Brooklyn, Nova Iorque, 1999
[Foto: Dennis Kleiman]

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Uma vida a preto e branco

















Foto: Richard Torrens

Na música popular vivemos uma época de constante retorno ao passado, é algo que já ninguém pode negar. Praticamente desde o começo do século, com mais ou menos engenho, poucas são as novas bandas que não ostentam, sem quaisquer disfarces, marcas de sonoridades de outras eras. Se há uns anos o período post-punk foi motivo para intenso surripianço, até ao enjoo, mais recentemente a máquina do tempo tem-nos guiado com alguma frequência para a década de 1960. Uma das bandas responsáveis foram os Girls Names, oriundos de Belfast, na Irlanda do Norte. Com Dead To Me (2011), um pequeno mas interessante disco que os deu a conhecer fora de portas, cruzavam sujidade, algum negrume, e laivos surf-rock, como se foseem fruto do encontro dos Velvet Underground com os Tornados sob um véu obscurecido. Parentes próximos de uns Crystal Stilts, portanto.

Foi essa a receita que trouxeram para a última edição do Primavera Sound barcelonês, com um simpático concerto no qual já apresentavam novos temas de um álbum que estava na forja. Esse disco acaba de ser lançado e leva o título The New Life, mais que ajustado, pois os Girls Names levam a cabo uma operação de cosmética, e apontam agora para uma outra era cronológica. Adensando o manto negro que paira sobre a música, apostam quase tudo na revisitação de algumas das sonoridades mais empedernidas dos alvores de oitentas. Abundam os teclados planantes, em sintonia com uns Joy Division, e os floreados das guitarras remetem amiúde para algumas aventuras dos The Cure. Com um som substancialmente mais límpido que no anterior registo, e sem se comprometerem propriamente com qualquer facção "proto-gótica", os Girls Names não apagam, contudo, traços do seu passado recente. As sonoridades de sessentas ainda evidenciam a sua marca, tanto nos ecos aplicados à voz de Cathal Cully, como no abuso da reverberação nas guitarras, mas principalmente na deriva psicadélica que os temas agora mais longos propiciam. Espécie de híbrido de diferentes tonalidades, The New Life acaba, no fim de contas, e ao contrário de muitos produtos do género, não soar assim tão derivativo como a descrição possa deixar supor. Talvez o deva às óptimas canções, bastante personalizadas, saídas da pena do vocalista e guitarrista, que na circunstância também produz.


"Pittura Infamante" [Tough Love / Slumberland, 2013]


"Hypnotic Regression" [Tough Love / Slumberland, 2013]

domingo, 24 de fevereiro de 2013

To here knows when

















Há três semanas exactas, nesses mundos virtuais das webzines e das chamadas redes sociais, o tema do dia, tratado com uma euforia incomum, era o lançamento do novo álbum dos My Bloody Valentine. Compreende-se o fenómeno, pois trata-se do disco mil vezes prometido e outras tantas adiado finalmente a ser lançado, mais de vinte e um anos depois do antecessor. Seguiram-se as reacções escritas, ainda a quente. A prudência aconselhou-me a aguardar alguns dias, pelo menos os necessários para assimilar convenientemente cada pormenor por entre os interstícios das muitas camadas da música. Afinal de contas trata-se da banda de Loveless (1991), aquele álbum com reacções calorosas mas bastante restritas ao começo que, talvez, só na última dúzia de anos, com a democratização da internet e as insistentes referências nesse meio, se tornou disco de adoração dos mais diversos públicos. Igual sorte não tiveram, por exemplo, bandas como os Seefeel ou Flying Saucer Attack, contemporâneos dos My Bloody Valentine de inícios de noventas e também eles estetas sonoros extremamente inovadores. Mas adiante...

O primeiro contacto com o singelamente intitulado m b v não podia deixar pior impressão, pois a capa em tons de roxo é de uma qualidade duvidosa, um hipotético trabalho de qualquer leigo dos programas informáticos de tratamento gráfico. O alinhamento, com uns comedidos nove temas, revela a contenção que, presume-se, Kevin Shields não tenha em relação ao aperfeiçoamento sonoro, mania que poderá ter estado na origem dos sucessivos atrasos deste terceiro álbum da banda. Às primeiras audições a primeira conclusão é de que não estamos propriamente na presença de uma sequela de Loveless, com o quarteto a saber esquivar-se à repetição das estruturas elípticas e aos sons quase liquifeitos daquele. É no entanto um disco que revela progressos na identidade dos My Bloody Valentine sem que, no entanto, enjeite relembrar a maior simplicidade do longa-duração de estreia (Isn't Anything, de 1988), um tratado de canção pop imerso em fuzz

Essas familiaridades são bem evidentes no primeiro trio de temas, um dos três sucessivos grupos de temas que é possível distinguir no alinhamento. Sem o carácter explosivo de outrora, "She Found Now", "Only Tomorrow" e "Who Sees You" são pérolas pop adulteradas por um constante crepitar de ruído. No segmento intermédio, os My Bloody Valentine dão largas à sua faceta mais sonhadora, com um trio de temas contemplativos e indutores de um estado de sonambolismo. Se a grande novidade se situa neste trecho do disco, com o órgão omnipresente e os apontamentos digitais em "Is This And Yes", o mergulho nas sensibilidades electrónicas fica guardado para a parte final de m b v. Não propriamente na matéria prima, exclusivamente "orgânica", mas sobretudo no modus operandi, com um trio de temas dados aos abstraccionismos e ao truque da repetição característicos de algumas sonoridades da música electrónica. É nesta fase do disco que os My Bloody Valentine libertam maior carga de energia, sobretudo na galopante bateria, que se presume de Colm Ó Cíosóig, da descarga de adrenalina que é o instrumental "Nothing Is". Dizemos que se presume porque, em entrevista recente, a baixista Debbie Googe deixava escapar que m b v tinha sido concebido e gravado na íntegra por Kevin Shields, à excepção da voz de Bilinda Butcher que, por sinal, assume o protagonismo vocal na esmagadora maioria dos nove temas. A ser verdade, o geek de estúdio desenvolveu mais um trabalho fascinante,  tão maravilhoso que quase lhe perdoarmos as birras, as depressões e o propalado estado de quase hibernação, factores que nos levaram a acreditar que m b v nunca veria a luz do dia. Desde que não nos deixe outra vez vinte e um anos e três meses à espera, claro...

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

King for a day














Sobre o cenário pop actual, e no respeita aos seus dois principais eixos, tenho uma opinião que não coincide com a da maioria. Quem ainda tem paciência para ler o que por aqui se vai escrevendo já saberá que não acho que o produção britânica esteja tão mal como a pintam e, por outro lado, o que vem das Américas nem sempre tem o brilho que os poderosos meios de divulgação que emitem a partir daquelas bandas nos querem fazer crer. Se tomarmos como exemplo o meio indie, enquanto que os ianques se limitam, com mais ou menos graça, a mimetizar bandas do passado (a maior parte delas britânicas!) facilmente reconhecíveis, os "bifes" vão à procura de fontes de inspiração mais obscuras. Se partirmos para as novas tendências da chamada música urbana e seus derivados, aí então os britânicos ganham por goleada.

Neste último quadrante, um nome a ter em atenção para os próximos tempos será, com toda a certeza, o de Archy Marsall. Com apenas 18 anos, este "cenoura" revela já uma maturidade de ideias que só é possível graças à exposição a uma rica cultura musical, algo que é comum a muitos súbditos de Sua Majestade. Com essas bases, e um imenso talento, ainda antes da maioridade, com apenas 16 anos, sob o pseudónimo Zoo Kid, já Archy se fizera notar com a sua apurada visão do quotidiano londrino, uma espécie ruiva e adolescente de cruzamento entre Ian Dury e Billy Bragg para os novos tempos. Se as letras do single que deixou meio mundo boquiaberto eram surpreendentes, não menos singular era o suporte instrumental: uma base minimalista de guitarra a abusar do tremolo, com tiques tanto de ska como de afrobeat, num ambiente soturno que evoca os Suicide. Nestes dois anos Archy cresceu, não restringindo a sua música à guitarra. Este nova faceta, ainda a percorrer a temática da tensão urbana no aspecto lírico, exigiu, no entender do rapaz que responde agora por King Krule, uma mudança de alter-ego. Nos novos temas nota-se um aperfeiçoamento da técnica da guitarra, agora acompanhada por outros instrumentos. Embora a matéria prima seja 100% orgânica, há notórios ecos de algumas linguagens recentes, do meio que o rodeia, como é o caso do dubstep. Óptimos indicadores para um álbum que se avizinha, o qual se prevê já que venha a ser motivo de abundante conversa. Pelo menos entre aqueles que, há mais de uma década, viram na estreia de The Streets uma pedrada no charco.

 
Zoo Kid "Out Getting Ribs" [House Anxiety, 2010]

 
King Krule "Rock Bottom" [Rinse, 2012]

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

R.I.P.



KEVIN AYERS
[1944-2013]

Se nas últimas semanas este "tasco" se começava a assemelhar a uma página de necrologia, a partir de hoje assume-se em definitivo como tal. Hoje cumpre-me registar mais uma triste notícia, concretamente a morte de Kevin Ayers, ocorrida anteontem, dia 18, alegadamente durante o sono na sua casa em França, país onde vivia há alguns anos e pelo qual tinha especial afeição. Símbolo do psicadelismo britânico, e um dos excêntricos do universo pop/rock, Ayers era dono de uma voz única, profundamente britânica e carregada de perversão, tal como a descrevia o radialista John Peel, seu amigo e um dos seus grandes entusiastas.

O início do percurso musical aconteceu ainda em meados de sessentas, na companhia de Robert Wyatt e de Hugh Hopper nos The Wilde Flowers, uma banda que, apesar de não deixar obra registada, desempenha um papel fulcral na chamada Canterbury scene. Tudo porque Ayers e Wyatt, ambos como vocalistas, o último também como baterista, foram fundadores dos lendários Soft Machine, o nome maior da "cena". Hopper juntar-se-ia posteriormente ao colectivo. Com uma forte componente jazzística, somada à deriva psicadélica, a música dos Soft Machine acabaria por deixar vasta descendência, apesar da fraca visibilidade comercial. O contributo de Ayers na obra gravada resume-se ao primeiro álbum, homónimo, registado a meio de uma tour de suporte a Jimi Hendrix. A rescisão foi amigável, não deixando Ayers de se queixar da crescente complexidade que a música ia assumindo. Adepto da boémia, foi viver para Ibiza, na palavras do próprio, apenas para gozar a vida.

O afastamento da música seria breve, já que no retiro espanhol aconteceu o reencontro com Daevid Allen, também ele um ex-Soft Machine, e do reencontro gerou-se o clique para a composição de Joy Of A Toy (1969), o primeiro álbum de Ayers a solo e talvez o mais celebrado. Com a constante promessa de ascender ao estrelato, nos anos seguintes gravou álbuns com uma frequência assinalável. Como convidados, e para além de velhos camaradas dos Soft Machine, contou com a presença de gente como Syd Barrett, Mike Oldfield ou Elton John. No currículo tem ainda um disco (ao vivo) juntamente com Nico, John Cale e Brian Eno. Ao todo deixou mais de dezena e meia de álbuns, sempre com aceitável nível qualitativo. O último data de 2007 e chama-se The Unfairground. Neste, Ayers contou com a colaboração de toda uma nova geração de entusiastas e seguidores, entre eles Norman Blake (Teenage Fanclub), Euros Childs (Gorky's Zygotic Mynci), ou Julian Koster (Neutral Milk Hotel). Curiosamente, foi um dos trabalhos mais bem sucedidos comercialmente da sua carreira.

Why Are We Sleeping? by Soft Machine on Grooveshark
[Probe, 1968] 

Song for Insane Times by Kevin Ayers on Grooveshark
[Harvest, 1969] 
 
Cold Shoulder by Kevin Ayers on Grooveshark
[LO-MAX, 2007]

Good cover versions #72


















YO LA TENGO _ "The Whole Of The Law" [City Slang, 1993]
[Original: The Only Ones (1978)] 
 
The Whole of the Law by Yo La Tengo on Grooveshark

Nascidos em pleno fervor punk, e consagrados já na vigência da chamada new-wave, os britânicos The Only Ones pouco ou nada partilham de comum com a maior parte dos contemporâneos. Neles havia um compositor - Peter Perrett - que, com umas pitadas de power-pop, contrapunha canções de recorte clássico aos maneirismos e adereços de outros. O seu maior êxito terá sido "Another Girl, Another Planet", já usado por mais que uma vez em anúncios publicitários, mas talvez nem esse tema esteja à altura de outra jóia de relicário do autor. Falo-vos de "The Whole Of The Law", uma quase balada, canção de amor marginal agridoce, cantada naquele estilo característico de Perrett, entre o lânguido e o negligente, que remete para as origens pub-rock tipicamente britânicas. No final, um luxuriante solo de saxofone compõe o quadro da mais bela canção dos Only Ones, banda que acabaria por ter significativa influência nos Libertines, também estes, noutro tempo, um símbolo da englishness. Em particular em Pete Doherty, que de Perrett apreendeu o estilo de escrita e de canto, mas também o estilo de vida muitas vezes desregrado.

Dadas as características atrás descritas, não seriam os Only Ones a banda que esperaríamos ver revisitada pelos norte-americanos Yo La Tengo, uma banda já com vasto currículo na reinterpretação de clássicos da pop. Mas o que é certo é que aconteceu, e logo a coroar Painful, talvez o seu disco mais superlativo e aquele em que abandonaram as jams sónicas dos primórdios a favor de texturas mais atmosféricas. Na versão dos Yo La Tengo, "The Whole Of The Law" ganha asas de sonho, numa interpretação de Ira Kaplan no seu modo quase ensonado que tem marcado pontos nos discos de então para cá. Torna-se assim um tema contemplativo que, no reforço da componente terna, realça a beleza já subjacente ao original. Como ponto do contacto com aquele tem o uso de instrumentos de sopro, na circunstância com uma flauta a percorrer toda a suavidade do suporte instrumental.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

R.I.P.



TONY SHERIDAN
[1940-2013]

Muitas vezes, a carreira de um artista fica marcada por uma simples ocorrência, um faît divers, que acaba por secundarizar todo o seu restante trabalho. Aconteceu algo do género com Tony Sheridan, o músico inglês que no passado sábado, dia 16, faleceu em Hamburgo, a cidade onde viveu a maior parte da sua vida. Foi nesta localidade alemã, em inícios de sessentas conhecida por um fervilhante circuito de concertos, que Sheridan foi dos primeiros a detectar e a reconhecer os talentos de uma banda que, a curto prazo, se tornaria a mais famosa da história pop/rock - The Beatles, nem mais.

Quando os fab four davam os primeiros passos e se deslocavam a Hamburgo com alguma regularidade, ainda com Pete Best na bateria, Sheridan reparou nas qualidades do quarteto, do qual fez a sua banda-suporte. À data, ele já tinha uma reputação no meio rock'n'roll da cidade, tanto pelas comparações às vozes de Gene Vincent e Elvis Presley, como pelo estado de embriaguez com que muitas vezes se apresentava em palco. O que é certo é que foi o primeiro e único não-Beatle a gravar com a banda, se bem que como The Beat Brothers, por sugestão do próprio Sheridan que achava a palavra beatles demasiado semelhante a um termo do vernáculo alemão. Do estúdio saíram uns quantos temas, de todos o mais reconhecido foi "My Bonnie" que contava com George Harrison como principal guitarrista. Das mesmas sessões saiu "Ain't She Sweet", um tema no qual John Lennon assumia o papel de vocalista. Daí até o manager Brian Epstein reparar nos futuros fab four foi um passo, e o resto é História. Depois da ligação aos Beatles, Tony Sheridan prosseguiu a sua carreira, agora a juntar elementos dos blues e do jazz a matriz rock'n'roll. Sempre com quartel general naquela que acabou por ser a sua cidade adoptiva, aquela onde viveu os factos mais recordados da sua carreira.

My Bonnie by The Beatles with Tony Sheridan on Grooveshark
[Polydor, 1961] 

Ain't She Sweet by The Beatles with Tony Sheridan on Grooveshark
[Polydor, 1961]

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Singles Bar #82









SPACEMEN 3
Revolution
[Fire, 1988]




No activo desde 1982, ainda na adolescência dos seus dois principais conspiradores - Pete "Sonic Boom" Kember e Jason "Spaceman" Pierce - os Spacemen 3 estiveram na vanguarda da recuperação das sonoridades mais marginais e transgressoras do rock de sessentas e setentas. Partindo da obsessão da dupla por bandas como Suicide, The Velvet Underground, The Stooges, ou The 13th Floor Elevators, entre tantas outras, desenvolveram uma identidade própria, pondo o psicadelismo de novo na ordem do dia e deixando uma vasta legião de seguidores, hoje mais activa que nunca. As referências narcóticas não se restringiam à música e às letras, eram antes um modo de vida, perfeitamente explícito no quase mote da banda: Taking drugs to make music to take drugs to.

Nesses tempos de inocência e aprendizagem, os Spacemen 3 ainda estavam longe de atingir o zénite criativo, a expressão máxima de uma sonoridade única a partir das referências perfeitamente identificáveis, algo que ocorreu com os álbuns The Perfect Prescription (1987) e Playing With Fire (1989). A vida no fio da navalha, e as tensões daí adjacentes entre os dois compositores, fariam com que o segundo fosse o último álbum dos Spacemen 3 concebido por Kember e Pierce em conjunto. Em 1991, já em desagregação, editaram ainda Recurring, este com os temas da autoria de cada um separado a preencher cada um dos lados do LP. Antes de Playing With Fire, e em jeito de aperitivo, a banda deu a conhecer a mundo o seu tema definitivo, uma fórmula cristalizada num monolito de seis minutos. Com efeito, "Revolution" faz da repetição um trunfo. Acompanhados de uma discreta secção rítmica, Kember e Pierce repetem ad eternum um riff cortante que, por incrível que pareça, se torna mais opressivo e quase paranóico à medida que o tema se desenrola. Estamos perante uma revisitação do espírito mais experimentalista de uns Velvet Underground já libertos da amarra Andy Warhol, devidamente reactualizado para uma geração pós-punk. A letra, e ao contrário do que normalmente acontecia, não é um abstraccionismo derivado dos hábitos narcóticos. É antes um manifesto de intenções, os Spacemen 3 na sua faceta sócio-política e tão virulentos nas palavras quanto nas guitarras.

No lado B do single que apresentou "Revolution", a banda opta por duas versões, um hábito ainda frequente nos projectos subsequentes, tanto de Pete Kember como de Jason Pierce. A primeira é uma reapropriação de "Che", uma das várias "homenagens" aos Suicide que retém a atmosfera planante do original, se bem que com um calor emocional que não está presente na frieza inumana do original. A outra é uma interpretação do tradicional "May The Circle Be Unbroken", com os necessários elementos folksy mas suficientemente lisérgico, à boa maneira dos Spacemen 3.


sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

R.I.P.



GEORGE "SHADOW" MORTON
[1940-2013]

Quando se pensa nos sessentas, e nos girl-groups da época, o primeiro nome que vem à cabeça, antes até do que o dos próprios agrupamentos, é o de Phil Spector. Não querendo menosprezar a importância deste fazedor de hits, a associação única e imediata talvez seja injusta para com outros que desempenharam idênticos papéis. Em particular para com Shadow Morton, produtor e compositor cujo trajecto se confunde muitas vezes com o daquele controverso personagem, e que morreu ontem, dia 14, com 72 anos de idade.

Efectivamente, em equipa com a amiga de infância Ellie Greenwich, e com o futuro marido desta Jeff Barry, Morton foi responsável por um número considerável de sucessos pop, mormente interpretados pelo quarteto feminino por ele descoberto: The Shangri-Las. Se o casal se encarregava unicamente da composição das canções, Shadow Morton dedicava-se essencialmente à produção, mas também com algumas incursões na escrita. Juntamente com a banda protegida, o trio recebeu o apoio da Red Bird, a editora criada pela dupla Jerry Leiber e Mike Stoller, verdadeiros percursores da fornada de produtores/compositores da Nova Iorque de sessentas, criadores daquilo que ficou conhecido como Brill Building. Esta coligação rendeu sucessos como "Leader Of The Pack", "Remember (Walking In The Sand)" ou "The Train From Kansas City", todas elas canções que inspirariam a vaga twee-pop de finais de oitentas.

Com o final da década de 1960 a aproximar-se, e o encerramento da Red Bird, Morton mudou de azimutes, mais concretamente para sonoridades percursoras daquilo que ficou conhecido como heavy metal. Primeiro descobriu e produziu os Vanilla Fudge, depois os bem sucedidos comercialmente Iron Butterfly. Em 1974 tentou a sua sorte com a produção de Too Much Too Soon, o segundo álbum e a segunda tentativa falhada de sucesso comercial dos New York Dolls, apesar do aplauso da crítica. A partir daí, desapareceu praticamente dos radares, passando, segundo consta, boa parte do resto da sua vida numa luta constante com o alcoolismo.

Leader Of The Pack by The Shangri-Las on Grooveshark
[Red Bird, 1964]

The Train From Kansas City by The Shangri-Las on Grooveshark
[Red Bird, 1965]

Its Too Late by New York Dolls on Grooveshark
[Mercury, 1974]

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Ao vivo #102

















METZ + Cangarra @ Galeria Zé dos Bois, 13/02/2013

Para quem, como eu, nunca teve a oportunidade de assistir a um concerto dos Nirvana pós-1991, a ZdB proporcionou ontem algo ainda mais exclusivo: os Nirvana de 1989/90. E ainda os Big Black com uns pozinhos de Jesus Lizard e de algum post-punk britânico. Referir assim, de forma tão descarada as influências dos METZ, não deve ser entendido como pejorativo. Isto porque o trio canadiano assimila tais referências com tal honestidade e tal brio que só pode ser saudado pelos adeptos de uma boa chinfrineira à maneira de antigamente. É esse o entendimento da turba que na noite passada, mesmo a meio de uma semana de trabalho, encheu o "aquário" para uma sessão de fustigamento noise-rock. Contam-nos que, na véspera, já a cidade Invicta proporcionara idêntica recepção. Feito mais notável se atentarmos que o interesse em torno dos METZ não é fruto dos fazedores de "fenómenos" institucionalizados, apenas algo derivado da curiosidade de quem assume a música como uma paixão verdadeira independentemente de modas e tendências.

Num concerto curto a rondar os 45 minutos de duração, penso que nenhum dos presentes se terá sentido defraudado. O tempo, que incluiu um pequeno encore com guitarra emprestada depois dos maus tratos às cordas durante o "período regulamentar", foi o bastante para a banda desfilar a totalidade do seu bombástico álbum de estreia. Preservando a energia até ao último fôlego, o trio, e em particular o vocalista/guitarrista Alex Edkins, não parou de incitar à dança e à libertação de suor. O público respondeu à altura, inclusive com pernas pelo ar, a voar sobre as cabeças. Não obstante algumas queixas quanto ao volume do som, algo abaixo do que era expectável da audição do disco e de algumas crónicas de concertos avulsas, penso nada haver a apontar ao técnico responsável, que proporcionou a equalização perfeita para uma sala com as características da ZdB. Da massa sonora vinda do palco, com muita distorção e berraria, sobressai a principal qualidade dos METZ, uma unicidade entre a guitarra, o baixo, e a bateria, como se se tratasse de um monstro tricéfalo que arrasa tudo em seu redor. 

A aquecer o ambiente estiveram os 'tugas Cangarra, dupla que integra metade dos Lobster, banda que é uma verdadeira instituição do underground nacional que tem espalhado as suas sementes - leia-se dois elementos - por uma miríade de projectos. Nestes caso, o envolvido é o baterista Ricardo Martins, com uma proposta cujas semelhanças com a banda-mãe vão muito para além do díptico guitarra-bateria. No entanto, se estes fossem os Lobster, já os teríamos num estágio avançado daquele noise em bruto que os notabilizou. Neste projecto, e a avaliar pela única (e longa) peça apresentada, a "viagem" sónica e mental é uma prioridade. O soco no estômago deu lugar a algo mais ponderado, diria até mais cerebral. Há, portanto, passagens por diferentes ambiências, desde o noise tecnicista, ao psych mais pesadão. Algumas ideias talvez ainda careçam de limagem, mas fica da prestação dos Cangarra a memória de terem cumprido aquilo a que se lhes pedia: um aquecimento ajustado para uma noite de chinfrim que ecoará nestes tímpanos por mais alguns dias.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

The new dark age

















Nas terras mais a norte da Europa, parece andar a solta a miscigenação da energia punk com o minimalismo de um algum post-punk mais enegrecido. Da Suécia, chegaram-nos no ano passado o Holograms, com um interessante disco no qual realçam a segunda faceta, embora não se escusem a exibir alguns maneirismos calculados obviamente dispensáveis. Antes deles, mais a sul, na Dinamarca, já os Iceage se tinham movido em zonas limítrofes. Fruto da sua maior juventude, no caso destes, o disco de estreia libertava maior carga de adrenalina sem, contudo, dispensar o lado negro, expresso tanto nas letras como nos grafismos a remeter para símbolos de feitiçaria à la Blair Witch Project.

O quarteto de Copenhaga deu nas vistas ao ponto de seduzir os executivos da prestigiada Matador Records, que na próxima semana lançará o sucessor de New Brigade (2011). O novo disco leva o retumbante título You're Nothing, que é como quem expressa o célebre No future! ao sabor do ennui dos novos tempos. Desde há dois dias disponível para pré-escuta, o segundo álbum dos Iceage representa um passo evolutivo gigantesco para uma banda cujos elementos acabaram de entrar na casa dos vintes. Por um lado mais contido no aspecto da descarga enérgica gratuita, é por outro uma demonstração na arte de manipular o ruído em curtos petardos. Das audições a que já me sujeitei, concluo que o lado sinistro dos Iceage surge agora mais à superfície. A título de exemplo, remeto-vos para aquele que foi o primeiro avanço de You're Nothing, a promessa de ser disco para arrumar na prateleira próximo do homónimo dos canadianos METZ, que justamente hoje (Porto) e amanhã (Lisboa) nos visitam para uma daquelas sessões de ruideira de que já tínhamos saudades.

 
"Ecstasy" [Matador, 2013]

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Há 20 anos era assim #1*


(*) Por se entender que a partir do ano da graça de 2003 o nível qualitativo das edições discográficas caiu a pique, abandona-se a rubrica que celebrava a década completa de alguns discos da vida deste que vos escreve. Em sua substituição, recuamos duas décadas no tempo, até ao "período formativo" do mesmo sujeito.








THE THE
Dusk
[Epic, 1993]




Com Mind Bomb (1989), o disco que recebeu o reconhecimento público que os três anteriores não tinham merecido, os The The deixaram de ser apenas o projecto de Matt Johnson e passaram a ser uma banda propriamente dita. No quarteto que se estabeleceria por alguns anos destacava-se o ex-Smiths Johnny Marr, o guitarrista mais valorizado da sua geração dando início à sua aventura musical mais duradoura. As mais-valias do envolvimento deste são notórias, num lote de canções mais próximas da intemporalidade do que propriamente dos impulsos new-wave de outros tempos.

Um hiato de três anos foi o bastante para olear a dinâmica do grupo, surgindo ao fim deste tempo os The The com o álbum mais competente e coeso de toda a sua carreira. E também o mais pessoal, já que, em Dusk, Matt Johnson parece menos preocupado com as generalidades sócio-políticas à luz dos ideais de esquerda. As letras falam agora de questões do amor e da carne, quase sempre enegrecidas pela sombra da solidão. Com canções mais escorreitas, os resquícios de avant-pop restringem-se a um par de temas: "True Happiness This Way Lies" e "Lung Shadows". O primeiro, que abre o disco com Johnson em modo de mestre de cerimónias, é mais falado que cantado, e o último é um semi-instrumental nocturno com pinceladas jazzísticas. Por sinal, são estes os temas menos memoráveis de Dusk. No pólo oposto está "Love Is Stronger Than Dead", o tema de maior carga espiritual saído da pena de Johnson que é uma balada a aspirar a uma grandiosidade que não conhecíamos nos The The. Portanto, está a milhas de distância da discrição letárgica dos temas mais calmos de Mind Bomb, aqui vagamente evocada em "Bluer Than Midnight" e "Lonely Planet", estrategicamente dispostos no fim do alinhamento. Neste último, um esclarecedor "If you can't change the world, change yourself" certifica-nos que estamos agora a presença de um letrista que já desistiu das batalhas políticas. No capítulo dos destaques é também incontornável "Dogs Of Lust", misto de sujidade, energia e tensão sexual que valeu aos The The uma inesperada exposição nos canais mais convencionais, talvez porque em consonância com as guitarras "alto e bom som" que faziam as delícias do mainstream na altura. Ao trabalho notável de Johnny Marr, quer nas cavalgadas da guitarra quer na harmónica, juntam-se as vocalizações distorcidas de um Matt Johnson próximo do demoníaco.

Atendendo à paixão deste último pelas músicas da América, não podiam faltar em Dusk as referências às raízes ianques. Estão bem patentes, sobretudo o honky-tonk, em "Slow Emotion Replay" e em "Helpline Operator". No primeiro, cujo título é um excelente jogo de palavras, a acústica (guitarra, hamónica) dita as regras, enquanto o último é um portento groovey por via da guitarra wah-wah de Johnny Marr, no seu segundo momento de maior de inspiração do disco. Por oposição a este balanço, a letra de "Helpline Operator" faz-se de confissões de solidão nocturna, no fundo a temática central de Dusk, mas aqui levada a um extremo de sublimação.

Dogs of Lust by The The on Grooveshark

Love Is Stronger Than Death by The The on Grooveshark

Slow Emotion Replay by The The on Grooveshark

domingo, 10 de fevereiro de 2013

First exposure #52



















COBALT CRANES

Sob o sol da Califórnia, faz-se música apontada ao cérebro.

Formação: Kate Betuel (voz, bx); Tim Foley (gtr, voz); Luke Adams (btr)
Origem: Los Angeles, Califórnia [US]
Género(s): Indie-Rock, Psych-Rock, Garage-Rock, Stoner-Rock
Influências / Referências: The Velvet Underground, The Stooges, Spacemen 3, The Asteroid #4, Viva Voce,  Creepoid

http://www.myspace.com/cobaltcranes


"Head In The Clouds" [Anticc, 2013]

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

A segunda queda de Verónica
















Em tempos, alguém disse, e com grande propriedade, que os Veronica Falls soavam tão britâniva que até pareciam americanos. Passamos a explicar: este quarteto londrino faz parte do vasto contingente actual que faz da recuperação da jangle-pop derivada da C86 modo de vida, um "fenómeno" com especial incidência lá na América. Com a vantagem de que o fazem com canções de um nível qualitativo acima do dos demais. Para conferir basta escutar o primeiro álbum, homónimo, que na recta final de 2011 pôs fim a uma espera que já se tornava longa depois de um par de singles promissores.

Menos de um ano e meio depois da estreia, hiato de tempo extremamente curto nos tempos que correm, os Veronica Falls acabam de lançar o segundo álbum. Intitulado Waiting For Something To Happen, o novo disco poderá suscitar aos mais cépticos comentários do género "mais do mesmo". Nada mais injusto, pois escutados com a atenção que merecem, os novos temas revelam uma evolução na personalidade da banda, agora com a devoção pelos girl-groups de sessentas mais diluída. Embora ainda suficientemente jangly, suprimem muita da gravilha da estreia e, por consequência, deixam libertar todo o seu aroma pop. Reforçados no elemento melódico, os treze - curtos - temas vincam as diferenças entre si. O protagonismo ainda é da voz cândida de Roxanne Clifford, agora frequentemente coadjuvada pelas intervenções da voz masculina do guitarrista James Hoare, resultando os temas em que tal sucede como uma hipotética versão twee dos melhores momentos dos escoceses Sons and Daughters. E tal como a nublada Londres que os viu nascer também tem os seus dias de sol, os Veronica Falls quase que renegam algum negrume (não necessariamente "gótico") do passado. Ainda que pontuadas pela doçura da melancolia juvenil, as novas canções já abrem muitas brechas para a entrada da luz. É a pop a ditar as suas regras, meus amigos!

 
"Teenage" [Bella Union, 2013]

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O jogo das diferenças #15


LEONARD COHEN
Songs Of Love And Hate
[Columbia, 1971]

SONS AND DAUGHTERS
Love The Cup
[Domino, 2004]

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

R.I.P.



REG PRESLEY
[1941-2013]

Tidos como uma banda menor, diria até mesmo seguidista, relativamente aos The Kinks e The Who e outros nomes da chamada British Invasion de sessentas, os The Troggs conquistaram a América e o mundo em geral com hits massivos como "Wild Thing" e "Love Is All Around", este último rodado ad nauseum na versão dos escoceses Wet Wet Wet há quase vinte anos. Descoberta pelo manager dos citados Kinks, quando ainda se chamava The Troglodytes, a banda viveu uma boa parte da carreira na sombra destes. Por contraponto à englishness dos irmãos Davies, praticavam uma sonoridade mais influenciada pelo rock norte-americano, factor que terá sido determinante para a sua aceitação em terras do Tio Sam. Deles também são os sucessos, talvez mais credíveis que o par de temas mais conhecidos, "With A Girl Like You", "I Can't Control Myself" e "Anyway That You Want Me", este alvo de uma soberba versão pelos Spiritualized.

Outros méritos imputados aos The Troggs são a sua reconhecida influência no punk britânico, assim como a admiração dos R.E.M.. Foi com elementos destes que gravaram, em 1992, o álbum Athens Andover, título com referência às cidades de origem das duas bandas. Aproveitando a boleia, a "redescoberta" por intermédio da versão dos Wet Wet Wet, e capitalizando a o uso frequente de "Wild Thing" tanto em cinema como em publicidade, arrastaram-se até aos dias de hoje. A sua voz era a de sempre, Reg Presley, que sucumbiu ontem, dia 4, a um cancro do pulmão.

 
"With A Girl Like You" [Fontana, 1966]

A morte deu à costa














Parece quase uma inevitabilidade que, mais cedo ou mais tarde, as meninas do noise e do drone norte-americanos se emancipem e partam para outras sonoridades e outros públicos. Assim aconteceu com Bethany Cosentino que, enquanto rosto dos Best Coast, se tornou uma espécie de musa indie. Caminho semelhante seguiu Erika M. Anderson (EMA), que, embora mais não tão esteticamente afastada do seu passado, logrou alcançar públicos mais vastos. Antes delas já Liz Harris, com passado também ligado às sonoridades free-folk, editava com assinalável regularidade. Ao todo, e desde meados da década passada, sob o pseudónimo Grouper, esta californiana agora residente em Portland, já conta com duas mãos cheias de álbuns, alguns deles complementares de outros.

Do catálogo de Grouper destaca-se Dragging A Dead Deer Up A Hill (2008), talvez o seu disco mais acessível, no qual a voz se evidencia nas texturas drony que caracterizam o seu trabalho. É, consequentemente, um álbum com temas mais próximos da canção convencional. Da mesma altura da composição daquele, mas só agora gravados, datam os temas do novíssimo The Man Who Died In His Boat, este também um disco dado a canções dignas desse nome, embora geradoras de um torpor indutor dos sonhos. Às nuvens densas das programações drone, Liz Harris adiciona a guitarra acústica repetitiva e a voz de sereia, ora enevoada, ora cristalina. Apesar da fragilidade dos elementos, e do pendor dreamy da coisa, as canções são pesadas, quase com uma aura funérea que toca no lado mais negro da nosso íntimo. Daí resulta um disco com tanto de misterioso como apaixonante, seguramente dos melhores que ouviremos este ano. Consta que o título, ponto de partida para os onze temas que o integram, seja inspirado por acontecimentos que marcaram a infância de Liz Harris. Aliás, as memórias da tenra idade são presença assídua no sua obra como Grouper, algo que se reflecte também nas letras, muitas vezes próximas das lenga-lengas infantis.


"Vital" [Kranky, 2013]

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

R.I.P.



CECIL WOMACK
[1947-2013]

Os primeiros passos de Cecil Womack nas lides musicais remontam a meados de cinquentas, quando, ainda criança e juntamente com os irmãos, integrou o colectivo gospel The Womack Brothers. Sob o apadrinhamento do lendário Sam Cooke, para o qual fez vários coros, o grupo mudaria o nome para The Valentinos. Foi através da ligação ao padrinho musical que conheceu Linda Cooke, filha daquele com quem viria a casar. Anos antes, o mais famoso dos seus irmãos - Bobby - casara com a viúva de Sam Cooke, um casamento que gerou alguma controvérsia por ter acontecido escassos meses após a morte da lenda soul.

Sem nunca atingir os picos de popularidade do irmão, Cecil Womack encetou, juntamente com a esposa, uma proveitosa carreira como compositor. Ao longo dos anos, a dupla compôs temas de sucesso para gente como Teddy Pendergrass, Patti LaBelle, ou George Benson. Como Womack & Womack, o casal experimentaria também, a partir de inícios da década de 1980, a gravação de discos em nome próprio. Alcançariam significativo sucesso com "Teardrops", um tema de qualidade aceitável numa época em que as sonoridades soul e R&B não conheciam os seus melhores dias. Desde alguns que se tinham retirado para a África do Sul, em busca da vivência das origens. Foi lá que Cecil morreu na passada sexta-feira, dia 1.

"Teardrops" [Island, 1988]

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

(Down)undercovers

















Se nos Estados Unidos temos assistido à recuperação da fuzz-pop e da jangle-pop dinamitadas pela C86, no Reino Unido, pátria natural de tais sonoridades, a "tendência" indie tem sido a doçura ingénua da twee-pop. Não que tal "movimento" se tenha extinguido com o desaparecimento da lendária Sarah Records; esteve sempre presente nos subterrâneos, mas parece ter ressurgido à superfície nos últimos anos. O nome maior da coisa serão, certamente, os Allo Darlin', com sede em Londres mas encabeçados por uma importação das antípodas: a australiana Elizabeth Morris. Não é por acaso que ela é também parte dos Tender Trap, a banda actual de Amelia Fletcher, a antiga vocalista dos Talulah Gosh e dos Heavenly e, por inerência, a musa twee.

O ano findo foi particularmente memorável para os Allo Darlin', que viram Europe, o delicioso segundo álbum, acolher uma aceitação crítica e pública que lhes era desconhecida. A coisa chegou ao ponto de ser o disco mais vendido durante 2012 nas lojas Rough Trade. Para assinalar o feito, a cadeia de lojas e a editora da banda acordaram lançar um EP exclusivo de tiragem limitada inteiramente preenchido com versões. Apropriadamente intitulado Covers, este disco inclui seis temas, divididos aos pares pelas versões das bandas de referência, as dos contemporâneos similares, e as totalmente inesperadas. Na primeira categoria encontramos revisões de originais de Ramones e The Go-Betweens, na segunda de Eux Autres e The French (o actual projecto do ex-Hefner Darren Hayman), e na última a apropriação de temas clássicos de Bruce Springsteen e dos AC/DC. No seu todo, Covers é um daqueles discos de versões verdadeiramente dignas desse nome, resgatadas para o universo dos Allo Darlin', caracterizado pela ternura da voz e o ukelele de Elizabeth Morris. Se a doçura melancólica e o travo folky não eram completamente estranhos a "Dive For Your Memory" (The G-B), são os factores de total descaracterização de "I Wanna Be Sedated" (Ramones) e "You Shook Me All Night Long" (AC/DC), os dois temas mais cintilantes da meia dúzia.

I Wanna Be Sedated (Ramones Cover) by Allo, Darlin' on Grooveshark
[Fortuna POP!, 2012]