"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quinta-feira, 28 de abril de 2011

10 anos é muito tempo #27










UNWOUND
Leaves Turn Inside You
[Kill Rock Stars, 2001]


Em 2001 pareciam mais que esgotadas as hipóteses de qualquer progressão nas expressões post-hardcore. Há muito que os Fugazi e os Girls Against Boys tinham elevado ao ápice os patamares do "género". Os primeiros, sobejamente mais militantes, através de manifestos da afirmação do indivíduo e do livre pensamento, os últimos desnudando, a rudes golpes de groove, o lado mais perverso do ser. Na encruzilhada entre a estagnação e a mudança de azimutes, e destacando-se da legião de meros copistas, o absoluto passo evolutivo provém dos Unwound, algo tão mais surpreendente se atentarmos que a banda sedeada em Olympia ia já no sétimo álbum. 

Leaves Turn Inside You resulta de um intenso labor em estúdio (próprio) e culmina três anos de ausência dos Unwound em matéria de edições discográficas. Desde logo, destaca-se dos anteriores registos da banda pelo formato invulgar de disco duplo, com catorze temas a totalizarem os 76 minutos de música, o que deixa antever a existência de faixas com durações muito acima do convencional. Em termos estritamente musicais, os seguidores mais próximos vislumbram de imediato o abandono definitivo da fórmula acelerada e abrasiva dos primórdios, em favor da aposta em estruturas profusamente complexas e elaboradas. Para tal, a banda não se coíbe de recorrer a instrumentos estranhos à tríade rock: teclados planantes, violinos e violoncelos subtis, pianos discretos, sopros opolentos, e até interferências de estações de rádio exóticas.

Desde a abertura, com um drone contínuo, longo de dois minutos, se percebe que Leaves Turn Inside You não é disco de concessões aos facilitismo. Só no fim do suplício incisivo surgem os primeiros acordes propriamente ditos de "We Invent You". Neste ponto, é evidente o crescimento dos Unwound enquanto executantes, enchendo a música com instrumentações ricas e cuidadas mas, ao contrário do que a tensão latente possa deixar supor, evitando qualquer pormenor excessivo e desnecessário. Neste e nos temas imediatamente seguintes, a estrutura inicial é subvertida gradualmente com a adição de sucessivas pitadas de bom-gosto, de tal forma que é quase imperceptível ao ouvinte as revoluções que se operam dentro dos mesmos. A voz de Justin Trosper ora surge contemplativa, ora desfocada, mas nunca saída das entranhas como outrora. Também neste pormenor, bem como na introspecção das letras, fica assente que estes Unwound são uma banda amadurecida no sentido mais abonatório do termo.

Se no primeiro disco as vocalizações são esparsas, mas determinantes, no segundo vão, progressivamente, constituindo mero adereço perante o depuramento das instrumentações e a envolvência das texturas. O culminar da tendência surge nos temas "Radio Bra" e "Bellow The Salt", duas micro-sinfonias que quase se fundem e que, dentro de si, por mais do que uma vez, parecem desvanecer-se num ambiente de desolação. O encerramento, em jeito de pretenso aliviar da tensão, é ao som de um breve trecho cartoonesco, distante e perfeitamente ambíguo na sua dessintonização.

De forma premeditada, ou talvez não, os Unwound dissolveram-se logo após este golpe de génio. Desde então, os seus elementos têm-se entregue tanto à produção como participação activa em projectos mais que obscuros. Ironicamente, pela altura em que desbravavam novos mundos rock, alguns neófitos olhavam para o retrovisor e ditavam, para o bem e para o mal, tendências para anos vindouros.


"We Invent You"


"Demons Sing Love Songs"


"Bellow The Salt"

terça-feira, 26 de abril de 2011

R.I.P.


POLY STYRENE
[1957-2011]

O dia que assinalou mais um aniversário da Revolução dos Cravos fica tristemente marcado pelo desaparecimento, vítima de cancro, de Poly Styrene, nascida Marianne Joan Elliot-Said, mas imortalizada com aquele pseudónimo enquanto carismática frontwoman dos X-Ray Spex. Foi à frente deste colectivo, formado na sequência do encorajamento que derivou da rebelião lançada pelos Sex Pistols, que Poly registou o fundamental Germ Free Adolescents (1978), um duro e estlizado ataque à sociedade de consumo, ao culto da imagem, e à moral castradora vigente. O disco é também um assumido manifesto feminista, e acabaria por fazer de Poly Styrene, a par de Delta 5, The Slits, e The Au-Pairs, as percursoras post-punk da emancipação  feminina registada no universo pop desde então.

Com os X-Ray Spex extintos pouco depois da edição do primeiro álbum (houve um segundo coincidente com o discreto ressurgimento em meados de noventas), Poly remeteu-se à obscuridade, dedicando-se essencialmente ao recolhimento espiritual como forma de obviar as mazelas da doença bipolar. Há poucos meses, e em jeito de epitáfio, lançou Generation Indigo, apenas o segundo álbum a solo e motivo de um súbito pequeno renascimento junto da imprensa e do público. As motivações sócio-políticas eram as mesmas de sempre, só que actualizadas.

X-Ray Spex _ "Oh Bondage Up Yours" [Virgin, 1977]

Poly Styrene _ "Virtual Boyfriend" [Future Noise, 2011]

Singles Bar #63









FLOWERED UP
Weekender
[Heavenly, 1992]




Com o advento da Madchester, a deriva dançante das linguagens assumidamente rock alastrou a cada recanto do Reino Unido. O caso mais paradigmático é o dos escoceses Soup Dragons, já com culto conquistado nos meandros da jangle-pop, a renderem-se ao colorido da onda baggy. O mais significativo, porém, e talvez o único capaz de ombrear com os percursores mancunianos, é o dos londrinos Flowered Up, de tal forma imiscuídos no espírito festivo da coisa que, alguma imprensa nem sempre bem intencionada, se lhes referia como os "cockney Happy Mondays".

Com um primeiro - e único - álbum que não satisfez em pleno as expectativas criadas por sucessivos concertos enérgicos, tornou-se algo frágil a ligação dos Flowered Up à editora London, sucursal da gigantesca Warner. A ruptura definitiva surgiria pouco depois, quando a banda manifestou o interesse em editar como single o tema "Weekender", uma espécie de documentário musicado daqueles tempos de excessos com a invulgar duração de treze minutos. Neste propósito foram acolhidos pela mais flexível Heavenly Records, e "Weekender" pôde assim chegar ao público na sua versão integral. E, reconheça-se, em boa hora, pois, na sua generosa duração, este tema acaba por ser o testemunho definitivo de uma era única no contínuo pop. O tempo é o suficiente para a alternância dos altos e baixos que se vão vivendo ao longo de uma noitada de farra e consumos pouco saudáveis. A letra, debitada por Liam Maher ao melhor estilo do agitador Shaun Ryder, é feita de meras invectivas ao hedonismo puro. Em sintonia com a celebração do fim-de-semana associada à música, "Weekender" foi objecto de um vídeo promocional notável, da autoria do então quase desconhecido W.I.Z.. Dividido em duas partes, é uma espécie de mini-filme que retrata de forma crua a festa interminável, e a consequente decadência, da época.

[Pt. 1]

[Pt. 2]

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Ao vivo #62














Best Coast + Iconoclasts @ Lux Frágil, 19/04/2011

Desde a primeira vez que me cruzei com ela, há perto de um ano, muito mudou na vida de Bethany Cosentino e dos seus Best Coast. A diferença mais notória é, desde logo, o alargamento da banda a um trio permanente. A mais significativa foi a saída de um primeiro álbum recheado de pequenos rebuçados indie-pop que fez dos Best Coast um caso raro de aceitação massificada dentro desta tendência, e da sua mentora a líder mediática da brigada de carinhas larocas do novo derivado lo-fi norte-americano.

Com as catacumbas do Lux apinhadas, pareciam estar reunidas as condições para a consagração definitiva deste pequeno "fenómeno". Mas eis que, desde o primeiro instante, a coisa dá para o torto: a qualidade do som que sai das colunas está muito para além do sofrível, e a responsabilidade exclusiva é do batalhão de "técnicos" inaptos que se acotovelam atrás da mesa. Lá para o terceiro tema, depois de grande azáfama, quais baratas-tontas, e talvez por obra do acaso, a coisa assume condições minimamente aceitáveis (isto se descontarmos o irritante feedback que se assoma sem qualquer nexo casual). Quando tudo parecia entrar nos eixos, torna-se por demais evidente a má forma "física" da voz de Bethany, que apenas consegue atinar ligeiramente nas partes mais agitadas de cada canção. Nos temas novos, não sei se por desconhecimento da minha parte, se por diferente orientação melódica, a moça lá consegue, a esforço, dar conta do recado. 

Quero acreditar que a causa do desastre possa ter sido a saturação dos temas mais rodados, ou até a ingestão de líquidos alcoólicos em quantidades excessivas da qual fomos avisados. Porém, qualquer que seja o motivo, perdeu-se uma oportunidade, talvez única, de convencer os cépticos que por aí pululam. Mas vejamos a coisa pelo lado positivo: até houve simpatia, até houve vários pedidos de desculpas, e o final de concerto até foi relativamente animada. E não foi de alívio, acreditem-me.

À hora da minha descida aos substerrâneos, já o palco era ocupado por uns tais de Iconoclasts (lisboetas, tira-se logo pela pinta). Ao cabo de um par de temas, já tinha assistido ao desfile, numa cadência algo trapalhona, de uma boa mão cheia das tendências dominantes da última década: guitarrinhas nervosas e afiadas, sintetizadores ora dissonantes ora planantes, batidas trepidantes, combinação de vozes feminino/masculino em modo histriónico, alguma marotice disfarçada de ingenuidade... Isto, traduzido em nomes, é como no palco se atropelassem Arcade Fire, Love is All, Yeah Yeah Yeahs, Liars, Los Campesinos! e, por fim, num desvario percutivo despropositado, a banda tributo aos reinventados These New Puritans... Há por ali atitude poseur não desprezável e até um corte de cabelo desenhado a régua e esquadro, faltam sentido de orientação e contenção...

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Mixtape #10 - Wrapped Up In Books


Após a incursão cinéfila do mês passado, o April Skies continua a vaguear pelo mundo das artes, mais concretamente pela literatura. Para hoje, proponho-vos uma compilação de dezasseis temas com referências directas a livros e/ou escritores dos mais variados géneros. Como é hábito, foram criteriosamente escolhidos e alinhados a partir de um extenso naipe de opções. Hope you enjoy it!


01. PERE UBU _ "Heart Of Darkness" [1975]
02. ... AND YOU WILL KNOW US BY THE TRAIL OF DEAD _ "Baudelaire" [2002]
03. BAND OF SUSANS _ "The Pursuit Of Happiness" [1989]
04. MODEST MOUSE _ "Bukowski" [2004]
05. DELICATESSEN _ "Chomsky" [1995]
06. A.R. KANE _ "Lollita" [1987]
07. INSPIRAL CARPETS _ "Two Worlds Collide" [1992]
08. THE OCEAN BLUE _ "Vanity Fair" [1989]
09. THE FIELD MICE _ "End Of The Affair" [1989]
10. THE MOLDY PEACHES _ "The Ballad Of Hellen Keller And Rip Van Winkle" [2001]
11. THE CLIENTELE _ "Paul Verlaine" [2010]
12. TELEVISION PERSONALITIES _ "A Picture Of Dorian Gray" [1980]
13. THE GO-BETWEENS _ "The House That Jack Kerouac Built" [1987]
14. THE SMITHS _ "Shakespeare's Sister" [1985]
15. THE BOO RADLEYS _ "Charles Bukowski Is Dead" [1995]
16. TITUS ANDRONICUS _ "Albert Camus" [2008]

domingo, 17 de abril de 2011

First Exposure #30















2:54

Formação: Hannah Thurlow, Colette Thurlow
Origem: Londres, Inglaterra [UK]
Género(s): Rock, Indie-Rock, Noise-Rock
Influências / Referências: PJ Harvey, Hole, Dum Dum Girls, Mazzy Star, Kyuss

http://www.myspace.com/thetwofiftyfour

Duas cores: Vermelho & Azul














Já vai para quase duas décadas que David Charlie Feck encabeça os Comet Gain, uma banda que tem sabido, como poucas, manter-se fiel aos princípios - estéticos e éticos - da verdadeira independência. Com a actividade recente daqueles reduzida ao mínimo (mas animem-se, que há novo disco para muito em breve), Feck e mais alguns colegas têm-se mantido entretidos com os Cinema Red and Blue, um projecto que funciona como um super-grupo neste meio, pois inclui ainda mais gente ligada a bandas com propósitos semelhantes aos dos Comet Gain. A saber: Gary Olson (The Ladybug Transistor), JB Townsend e Andy Adler (Crystal Stilts), Amy Linton (The Aislers Set), e Hamish Kilgour (The Clean).

Sob a batuta de Feck, o projecto editou um álbum homónimo na recta final do ano transacto. Composto por uma dúzia de temas de arestas rugosas, mas de forte cunho pop, o disco parece querer homenagear o modus operandi dos heróicos Swell Maps, como de resto se confidencia na letra de "Ballad Of A Vision Pure". As letras têm, inclusive, uma atenção especial, pois procura-se recuperar o sentido poético que tão arredado tem andado das lides pop. Para além de uma dezena de originais, Cinema Red And Blue inclui ainda versões de temas originais dos neozelandeses The Chills e do britânico Vic Godard. A deste último é precisamente a amostra inclusa.


"Same Mistakes" [What's Your Rupture?, 2010]

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Good cover versions #52











CODEINE VELVET CLUB _ "I Am The Resurrection" [Dangerbird, 2009]
[Original: The Stone Roses (1989)]

Projecto de origem escocesa entretanto extinto, os Codeine Velvet Club reuniram a cantora Lou Hickey, com carreira feita em espectáculos de burlesco, e Jon Lawler, vocalista dos dispensáveis The Fratellis (ainda alguém se lembra?). Deixaram para a posteridade apenas um álbum, mais próximo do universo extravagante dela do que propriamente da atitude foliona dele. Nas gravações do mesmo, fizeram-se rodear de secções de cordas e de sopros e coros gospel, obtendo um disco descomprometido que fica a meio caminho entre as bandas sonoras de outras eras (douradas) e as produções luxuriantes de Phil Spector.

Imbuídos do mesmo espírito relaxado, gravaram também uma versão de "I Am A Resurrection", uma opção arriscada visto tratar-se de um daqueles temas que já adquiriram o estatuto de imaculados. Aproveitando o balanço da batida do original, enveredam por uma via próxima da northern soul que culmina num frenesim de cordas e metais. Ressalta a boa combinação das vozes de tónicas bem diferentes, provocatória a dela, despreocupada a dele. Obviamente, esta recriação perde o crescendo celebratório e a deriva psicadélica que os Stone Roses injectaram no original. Porém, desconfio que tenha recebido a aprovação de Ian Brown, um apreciador confesso deste tipo de sonoridades.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Duetos #31












Qualquer dos discos dos extintos The Delgados vive da dinâmica da alternância das vozes de Alun Woodward e Emma Pollock. Neste tema, é ele que assume o protagonismo. Mas é a entrada dela em cena que, apesar da discrição, sublinha a grandiosidade do suposto refrão. Obviamente, é uma subversão por parte dos escoceses à popular canção dos Fab Four.

"All You Need Is Hate" [Mantra, 2002]

Life on Mars?
















O trajecto de Robert Pollard tem sido de tal forma prolífico que mesmo os seguidores mais acérrimos (e há-os em quantidades apreciáveis, acreditem) sentem extrema dificuldade em acompanhar todos os discos a que o nome daquele surge associado. Já era assim nos tempos dos quase míticos Guided by Voices, agora regressados (pelo menos por enquanto) apenas aos palcos, e dos quais se aguarda ansiosamente uma travessia do Atlântico. Só nos dois primeiros meses do ano corrente, o nome de Pollard surgiu associado ao lançamento de dois álbuns: um em nome próprio (Space City Kicks) e outro integrado nos intermitentes Lifeguards (Waving At The Astronauts).

Enquanto não chega o mais que previsível novo trabalho dos Boston Spaceships, Pollard ampliou recentemente a contagem de discos em 2011 para o número de três, com a edição da estreia dos Mars Classroom, um trio no qual participa também Gary Waleik, outrora guitarrista dos Big Dipper e dos Volcano Suns. O álbum tem como título genérico The New Theory Of Everything e, como é facilmente detectável pelos pollardianos mais indefectíveis, recua àquela espécie de pureza pop dos últimos trabalhos dos GbV. O que equivale a dizer que retoma o eterno tributo aos The Who (agora) em alta-fidelidade. Segue uma das onze pequenas gemas ao vosso dispor em qualquer bom retalhista:


"Wish You Were Young" [Happy Jack, 2011]

terça-feira, 12 de abril de 2011

Discos pe(r)didos #52








TELSTAR PONIES
In The Space Of A Few Minutes
[Fire, 1995]




Mais do que uma banda no sentido estrito do termo, os Telstar Ponies devem ser vistos como um projecto pessoal de David Keenan. Em seu redor, e para além da "fixa" Rachel Devine (segunda vocalista, guitarrista e teclista), reuniu um conjunto de músicos com passado e/ou futuro em bandas com maior nome na "cena" de Glasgow, tais como os Soup Dragons, os Teenage Fanclub e os Mogwai. Antes, ele próprio já tinha passado pelos 18 Wheeler, os brit-noise-poppers que um dia estavam a servir de cabeça de cartaz para uns imberbes Oasis, para, volvidos poucos meses, verem esse papel invertido com a banda dos manos Gallhager. O episódio faz parte do anedotário pop, mas Keenan partiu cedo rumo a outras aventuras musicais.

In The Space Of A Few Minutes foi o primeiro resultado desse novo propósito e, pelo menos à época, sai relativamente deslocado daquilo que era aceite como o disco pop convencional, mesmo dentro dos parâmetros indie e similares. Abre com "The Moon Is Not A Puzzle", uma espécie de abrandamento do rock sónico de ascendência americana, em particular de uns Sonic Youth da afirmação de finais de oitentas, com a alternância das vozes masculino/feminino a estabelecer profundas afinidades com os duetos do casal Moore-Gordon. Tal como a maioria dos restantes temas, ronda os cinco minutos de duração, tempo suficiente para as guitarras desenharam texturas planantes. Em "Lugengeschichte" é indisfarçável a contaminação kraut-rock, bem evidente na cadência mecânica do baterista Brendan O'Hare. É um dos raros momentos em que a voz de David Keenan se eleva muito para além do leve sussurro. O outro é "Monster", o lado mais negro do disco que, da combustão lenta da parte inicial, transmuta-se, no refrão, em algo próximo da monstruosidade do título, com berros insanos e o despique desenfreado da guitarra e do órgão em desalinho. Já "Not Even Starcrossed" é um convite à deriva espacial, algo próximo das linguagens de uns Flying Saucer Attack, embora menos denso, mas com idênticas descargas eléctricas.

É no par final de temas que In The Space... melhor sublinha o papel de antecessor de algumas expressões do chamado post-rock instrumental de cariz cinemático (Godspeed You! Black Emperor, Mogwai), algo já antes aflorado com alguma evidência no lento fluir do tema "Maya", embora sem os excessos dos sucessores. "Innerhalb Weniger Minuten" faz-se de uma dinâmica entre calma e tensão, alternância sobre a qual paira a voz declamada e desencantada de Rachel Devine. Por seu turno, na sua toada lenta e delicada, o derradeiro "I Still Believe In Christmas Trees" estabelece a ponte entre tais linguagens e os antecedentes slowcore.

Escassos meses volvidos, e com uma formação renovada, os Telstar Ponies editaram Voices Of The New Music, um mergulho mais profundo na experimentação com a inclusão de elementos de world music e free jazz. Até à data, é o último longa-duração do projecto, entretanto lançado numa dormência aqui e ali interrompida por esporádicas edições em pequeno formato. Entretanto, David Keenan tem ocupado boa parte do seu tempo com a actividade de jornalista nas franjas da música popular, tanto como biógrafo (Coil, Current 93, Nurse With Wound), como na qualidade de colaborador da revista Wire, na qual foi responsável pela "cunhagem" do rótulo hypnogogic pop, hoje empregue com alguma assiduidade nas mais variadas publicações.


"The Moon Is Not A Puzzle"


"Monster"


"I Still Believe In Christmas Trees"

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Ao vivo #61















Swans + Powerdove @ Aula Magna da U.L., 09/04/2011

Aquando do anúncio do regresso já nos tinham avisado que este não era uma mero exercício de nostalgia. Outra coisa não seria de esperar dos Swans, a mais idiossincrática das bandas saídas do post-punk nova-iorquino que, em qualquer uma das duas existências, sempre recusou a estagnação. Aliás, sob pena de errar porque apenas baseado em relatos, diria que nesta nova reencarnação recupera o espírito primordial, já sem o fustigar de ruído provocador do vómito na assistência, mas com a experiência geradora de uma massa sonora que abanou - literalmente - as estruturas da Aula Magna. Desse passado gravado na página dos mitos, a nova formação integra apenas o guitarrista Norman Westberg e, obviamente, o agitador de consciências Michael Gira.

O concerto do passado sábado inicia-se com um interminável drone, com a banda ainda ausente do palco, e com alguma impaciência a manifestar-se nalgumas falanges do público. Está instalado o desconforto, até que os músicos vão entrando, espaçadamente e um a um, juntando novas tonalidades ao monolito que se desprende das colunas de som. Acoplado ao intro, surge "No Words / No Thoughts", uma transfiguração do tema que abre o último My Father Will Guide Me Up A Rope To The Sky, completando um número que roça a meia hora de duração. Este disco, tal como o previsto, compõe uma boa parte da ementa da noite, pese embora, cada tema surja numa versão completamente adulterada e por vezes irreconhecível, tal o esventramento infligido pelo sexteto. Alternando com segmentos relativamente planantes, são comuns os crescendos espasmódicos com volume no vermelho. Nestes ápices sónicos, a banda revela uma precisão assinalável, em boa parte responsabilidade do baterista Phil Puleo, que pauta o ritmo demolidor e obriga guitarristas e baixista a seguirem cada uma das pancadas da baquetas com o olhar, criando uma ambiente de comunhão macabra. No plano individual, ainda uma nota de destaque para Thor Harris, que já "conhecia" de uma inspirada prestação com os Shearwater, municiador das especiarias que apuram o cozinhado, não só por via dos inúmeros instrumentos de percussão, mas também por alguns apontamentos de sopros dissonantes.

No capítulo das recuperações mais longínquas no tempo, o alinhamento inclui "I Crawled" e o emblemático "Sex, God, Sex". Neste último, um Michael Gira pungente remata com um urro sacado das entranhas. De resto, a voz de barítono da qual (aposto) a ala feminina esperaria maior evidência, remete-se aos serviços mínimos, apenas sublinhando a tensão nos raros instantes de trégua sonora. Tal como aposto que, uma boa parte do público desejaria um ou outro piscar de olho ao flirt com um certo sentir "gótico" que marcou a fase mais "mediática" (e desinspirada, acrescente-se) dos Swans, assinalada por alguma aproximação ao formato mais estandardizado da canção. Mas, mais do que virada para a emoção, a noite estava destinada aos sentidos. E esses saem saciados ao fim de duas horas de violentação sónica...

Como aperitivo para o prato principal, a assistência foi brindada com a música de Powerdove, alter-ego de Annie Lewandowski, uma norte-americana actualmente a residir no Reino Unido e que navega numa toada folk acústica, não necessariamente freak, e dona de uma voz bonita e frágil que contrasta com a robustez física da intérprete. A acompanhá-la traz um outro guitarrista e juntos debitam um conjunto de canções curtas, simples mas melodiosas, e com um ligeiro travo twee. Propiciaram a anestesia perfeita antes do esperado espancamento a cargo das "estrelas" da noite.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

How I long to feel that summer in my heart















Por vezes, como é o caso presente, o Verão engana o calendário e antecipa-se à data que lhe está destinada. E há gente para que pura e simplesmente se está a marimbar para a sucessão das estações do ano, e vive permanentemente num estio interminável. Passe a associação fácil, parece ser esse o caso dos Eternal Summers, uma dupla originária de Roanoke, uma cidade a dar para o pequeno localizada na zona de florestas do estado norte-americano da Virgínia. Aparentemente, e com as suas pequenas diferenças, poderiam ser mais um exemplar da tendência da América actual olhar para a Grã-Bretanha de outrora. Mas é precisamente nessas pequenas diferenças que os Eternal Summers são, hmmmm... digamos, diferentes...

Recapitulando, e trocando as voltas, sejamos francos e admitamos que Silver, o álbum que deram à estampa no ano passado e que é mais um dos que (infelizmente) aterraram tardiamente nos meus ouvidos, até reclama algumas heranças de congéneres ianques, sobretudo da primeira metade de noventas. Exemplos: a veia sonhadora transviada de alguns Throwing Muses, a ingenuidade sincera dos Unrest, a maneira simples de fazer as coisas e a economia de tempo dos Guided by Voices... Contudo, e para além do deliberado sotaque brit que faz parte da piada, o que torna esta dúzia de canções especiais são os recuos até ao Reino Unido post-punk, do qual recuperam o fascinante amadorismo da pop desmembrada das Raincoats. Ou seja, a inflexão à jangle-pop antes da contaminação twee de meados de oitentas para a frente. Obviamente, sobra aos Eternal Summers a luminosidade que carecia na banda de Gina Birch. 

Não querendo tomar-vos muito mais tempo, remeto-vos de imediato para o par de amostras em anexo. Vá lá, somadas, não vão além dos quatro minutos...

"Pogo" [Kanine, 2010]


"Safe At Home" [Kanine, 2010]

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Mil imagens #17


Stereolab - Londres, 1991
[Foto: Joe Dilworth]

Segredos da montanha













E prosseguimos hoje pelos territórios vastos da psicadelia com os Secret Mountains, uma banda que, contrariamente à lógica, não vem da Califórnia, mas sim de Baltimore, no Maryland, precisamente no extremo oposto dos states. Deste quinteto (às vezes extensível a sexteto) sem contrato assinado ainda se espera longa-duração que confirme as boas indicações deixadas pelo par de EPs já no currículo, ambos com data do ano passado.

O primeiro desses discos chama-se Kaddish, e dele emana o ambiente quase sacro que o título sugere. Normalmente, os temas partem de uma calmaria pintalgada de folk - facção britânica - que nos enreda, progridem em crescendo, e acabam por rebentar em delírio sónico. Mais curto, mas também mais conseguido, o segundo chama-se Rejoice. É neste que os Secret Mountains se aventuram com maior risco, alargando a paleta sonora e a complexidade estrutural dos temas. Em todos os três, sobressai como protagonista Kelly Laughlin, a miúda dona de uma voz poderosa e maleável que contém em si os genes de Grace Slick e das grandes divas soul. Escusado será dizer que o vídeo é um regalo para o sentido da audição. E da visão, já agora...

"Rejoice" [Friends, 2010]

terça-feira, 5 de abril de 2011

Transformers














O envolvimento de Luis Vasquez, mentor do projecto The Soft Moon, poderá criar esperanças de mais uma revisitação das tonalidades mais densas e negras de há perto de trinta anos. Puro engano, os Lumerians, de Oakland, Califórnia, propõem uma viagem temporal, e sobretudo mental, mas com destino distinto. Num mesmo tema, tanto podem apontar as agulhas à psicadelia da segunda metade de sessentas, para logo de seguida enveredarem pelas dinâmicas kraut. Em alguns dos temas cantados, piscar o olho às paisagens áridas pintadas por alguns dos nomes ligados ao Paisley Underground. Por outro lado, os instrumentais são, essencialmente, um convite ao vaguear pelo espaço sideral.

Como já deu para perceber, Transmalinnia, o álbum-debute disponível há coisa de um mês, faz-se de sons apontados aos recantos do subconsciente. Se dúvidas houvesse, inclui até um tema intitulado "Hashshashin", a palavra árabe da qual deriva o termo "haxixe". Penso que a amostra dupla que se segue é representativa da amálgama que compõe o todo.


"Burning Mirrors" [Rococo, 2010 / Knitting Factory, 2011]


"Atlanta Brook" [Knitting Factory, 2011]

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Novas fantasmagorias














Foto: Adam Drucker

Das colaborações mais improváveis resultam, normalmente, os discos mais intrigantes. Foi o caso com os 13 & God, colectivo que reúne os alemães The Notwist, banda já com mais de vinte anos de carreira nos meandros da chamada indietronica mas com relativa visibilidade apenas em inícios da década passada, e os norte-americanos Themselves, representantes da facção abstraccionista do hip-hop ligada à editora anticon.. Para a posteridade deixaram, há meia dúzia de anos, um disco homónimo, no qual o encontro das duas diferentes sensibilidades propiciava uma obra prenhe de bizarria, mas simultaneamente desafiadora.

Quando já todos nós estávamos convencidos que este se tratava de um projecto one-off, somos surpreendidos com notícias que dão conta de um segundo álbum, projectado para meados do próximo mês. De título genérico Own Your Ghost, o novo trabalho resulta de um processo de gravação curto e informal, tanto na Califórnia como na Alemanha. Desta feita, ao núcleo duro juntaram-se também elementos dos Subtle, parentes estéticos dos Themselves. Como podem comprovar mais abaixo, no primeiro tema antecipado, há uma notória dominância de uma sonoridade mais próxima do trio teutónico. Contudo, estou em crer que não faltarão a Own Your Ghost os devaneios surrealistas incutidos pela secção ianque.


"Old Age" [anticon., 2011]

Singles Bar #62








THE FLATMATES
I Could Be In Heaven
[Subway, 1986]




De uma forma simplista, podemos dizer que a génese do "movimento" twee/jangle-pop que assolou o Reino Unido na segunda metade da década de 1980 está no sentir retro do Orange Juice e nos delírios distorcidos dos primeiros Mary Chain. Através da incontornável cassete C86, o New Musical Express encarregou-se de documentar essa toada no seu estado inicial, reunindo 22 bandas e deixando de fora mais umas largas dezenas merecedoras de um pequeno capítulo na história da Pop. No lote das excluídas, tenho um especial carinho por The Flatmates, colectivo de vida breve mas com um punhado de temas irrepreensíveis sob a óptica do adepto da canção curta e melódica.

Liderado pelo guitarrista Martin Whitehead, este quarteto de Bristol foi exemplar no espírito de independência, auto editando toda a sua parca obra e dando ainda um pequeno impulso a bandas com sensibilidades similares (Shop Assistants, Razorcuts, The Soup Dragons). "I Could Be In Heaven" foi o cartão de visita, e desde logo representativo da receita musical, não só dos Flatmates, como de uma legião de contemporâneos: a rapidez inane característica dos Ramones, a catchiness e o sentido melódico típicos dos girl-groups de sessentas, e uma alarmante ingenuidade materializada nos abundantes pa-pa-pas e oh-oh-ohs. Para uma banda estreante e completamente autónoma, surpreende pela qualidade de gravação assinalável.