"Please don't think of us as an 'indie band' as it was never meant to be a genre, and anyway we are far too outward looking for that sad tag." - Stephen Pastel

quarta-feira, 26 de maio de 2010

terça-feira, 25 de maio de 2010

Ao vivo #53

















Shellac + Mission of Burma @ Galeria Zé dos Bois, 24/05/2010

Poucos dias antes de pisarem os palcos de um dos mais importantes festivais europeus, estrearam-se em Lisboa (hoje é a vez do Porto) dois dos mais dignos representantes da facção mais desalinhada do rock norte-americano. Para tão solene cerimónia, o "aquário" da ZdB engalanou-se, repleto de um público sedento e que há muito tinha esgotado os escassos ingressos.
A abertura desta double bill de sonho coube aos Mission of Burma, de há alguns anos a esta parte regressados ao activo para reclamar o papel tutelar nas várias correntes oblíquas do rock contemporâneo. Como seria de esperar, o alinhamento assentou no trio de álbuns lançados nesta segunda vida, o que se reflecte em temas pautados por um maior pendor tecnicista, exemplarmente representado na austeridade do guitarrista Roger Miller, ora a debitar descargas de energia em bruto, ora a assumir a pose de guitar hero com solos irrepreensíveis. Tal como nos primeiros tempos, a matriz aparentemente convencional é corrompida pelas constantes intromissões de sons tratados, cortesia de um oculto Bob Weston antes da prestação da sua banda "principal". Para o final ficou guardado esse tema que é já um hino ao inconformismo e que dá pelo nome de "That's When I Reach For My Revolver". No refrão, as vozes berraram em uníssono e os braços agitaram-se no ar. Foi bonita de se ver, a rebelião...
Por mais concertos a que se assista (foi o meu segundo) dos Shellac, é improvável não se ficar abismado com a precisão imprimida pelo trio, tanto nas pausas abruptas, como nos arranques ostensivos, o que revela um invulgar sentido de tempo. Se de Steve Albini e Bob Weston, velhas raposas conhecedoras de todos os truques de estúdio, já esperamos algo próximo do perfeito, a grande surpresa acaba por ser o baterista Todd Trainer, qual batida cardíaca dos Shellac movida a golpes de baquetas. Apesar da postura descontraída (Weston foi um mestre de cerimónias e até o circunspecto Albini deixa escapar algumas tiradas de bom-humor; humor seco, mas humor), a banda não prescinde de descargas de rigor anguloso. "Copper", "My Black Ass", ou o insano "Prayer To God", todos eles marcados pelos espasmos metálicos da guitarra, sacodem os corpos. Já o monólogo analítico de "The End Of Radio" aponta aos neurónios, domados pelo ritmo marcial do baixo. Tal como o par de temas (aparentemente) novos, numa depuração já próxima de algumas correntes do jazz não-formatado, que não geram as maiores ovações, mas apontam interessantes pistas para o desenvolvimento da "fórmula Shellac".

segunda-feira, 24 de maio de 2010

First Exposure #12

















Foto: Steve Gullick

MALE BONDING

Formação: John Arthur Webb (gtr, voz); Kevin Hendrick (bx, voz); Robin Silas Christian (btr)
Origem: Dalston (Londres), Inglaterra [UK]
Género(s): Indie-Rock, Lo-Fi, Noise-Pop, Surf-Rock
Influências / Referências: Ramones, Hüsker Dü, Sebadoh, Flipper, Vivian Girls, Wavves

http://www.myspace.com/malebonding

domingo, 23 de maio de 2010

10 anos é muito tempo #21




GRANDADDY
The Sophtware Slump
[V2, 2000]

Desde a data da sua edição que The Sophtware Slump é insistentemente descrito como a versão norte-americana de OK Computer. Efectivamente, tal como o clássico dos Radiohead, o segundo álbum dos californianos Grandaddy pinta o quadro de um mundo distópico, vergado à ditadura da tecnologia, e inclui também no alinhamento um tema longo composto de secções distintas (o inaugural "He's Simple, He's Dumb, He's The Pilot"). Pela parte que me toca, a ter de estabelecer qualquer comparação, prefiro olhar para The Sophtware Slump como o terceiro vértice do triângulo que melhor representa a "nova América cósmica", o qual se começou a desenhar nos dois anos anteriores com as edições sucessivas de Deserter's Songs e The Soft Bulletin. Acho também que, relativamente aos antecessores, o disco dos Grandaddy é percorrido por um maior sentido de humanidade e proximidade - muito por culpa da voz frágil, nasalada, mas profundamente calorosa de Jason Lytle -, que dispensa os devaneios sinfónicos dos Mercury Rev e a pompa multicolorida dos Flaming Lips.
Assumidamente conceptual, The Sophtware Slump tem como personagem central um tal de Jed, um robô caído no alcoolismo depois de se ver ultrapassado pelos mais recentes updates tecnológicos. Este tema dá o mote para um conjunto de canções que deixam escorrer sentimentos como a solidão num mundo super-povoado e acelerado, a nostalgia, a alienação, e o romantismo agridoce. Trespassado por constantes intromissões de electrónicas rudimentares, The Sophtware Slump esquiva-se airosamente à matriz próxima do country-rock, estabelecendo um mundo paralelo em que tradição e modernidade coabitam. Embora coeso e detentor de uma notável homogeneidade, o disco surpreende pela sua riqueza estilística, que abrange o space-rock (o citado tema de abertura), as descargas rockeiras ("The Crystal Lake", "Chartsengrafs"), e ainda um conjunto de baladas do mais profundo e tocante abandono ("Hewlett's Daughter", "Jed The Humanoid", e o mesmerizante "Miner At The Dial-A-View").
Editado nos primeiros meses de 2000, The Sophtware Slump faz parte daquele grupo restrito dos grandes discos dessa década que aí se iniciava e, ao qual, estranhamente, não é reconhecido o devido crédito. É também o ponto alto da carreira de uma banda que até aí parecia condenada a mera nota de rodapé como um dos muitos sucedâneos dos Pavement nascidos na década de 1990.


"Hewlett's Daughter"


"He's Simple, He's Dumb, He's The Pilot"


"Chartsengrafs"

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Good cover versions #37












GALLON DRUNK  "To Love Somebody" [City Slang, 1996]
[Original: The Bee Gees (1967)]

Há muito, muito tempo, muito antes de se terem tornado mero número de variedades, os Bee Gees foram autores de alguns punhados de gemas pop que fazem já parte do domínio colectivo. Refiro-me àquele tipo de canções que ganharam vida própria, tornando-se autónomas dos seus autores/intérpretes. Uma delas é "To Love Somebody", escrita propositadamente para Otis Redding mas que não conheceu o seu destino planeado devido à morte prematura do excelso soul man. Confrontados com a tragédia, os irmãos Gibb decidiram ser eles próprios a interpretá-la, numa rara incursão pelas sonoridades  da chamada blue-eyed-soul. O sucesso foi de tal forma retumbante que "To Love Somebody" se tornou o tema mais emblemático da longa carreira dos manos (aquele aberração disco-sound embaraça mais do que dignifica), daí em diante alvo de versões por centenas de artistas dos mais diversos quadrantes. Uma delas, por sinal das mais inesperadas e das mais radicais, ficou a cargo dos britânicos Gallon Drunk, herdeiros directos de um Nick Cave visceral de outras eras, tanto nos Birthday Party como nos primórdios dos Bad Seeds. Por conseguinte, no entendimento dos Gallon Drunk, "To Love Somebody" resulta numa balada negra embalada pela profundidade crooner da voz de James Johnston. A pairar sobre granuloso das guitarras, um órgão ébrio faz jus ao nome da banda.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Singles Bar #45




JOY DIVISION
Atmosphere
[Factory, 1980]

Ian Curtis, rosto e alma dos Joy Division, morreu faz hoje precisamente 30 anos. É inegável que aquele gesto brusco de pôr termo à vida na madrugada de 18 de Maio de 1980 ajudou à criação do mito - o suicide chic, como lhe chamou um cáustico Steven Patrick Morrissey. Mas é também indiscutível que aquele acto foi a extensão lógica do profundo buraco negro sugerido pelas letras de Curtis, carregadas de um sentido poético invulgar em pleno período pós-punk.
Quatro meses mais tarde, Tony Wilson, patrão da Factory Records, e os membros sobrevivos dos Joy Division, entenderam por bem dedicar ao amigo desaparecido o epitáfio perfeito, lançando em formato single "Atmosphere", uma das últimas canções gravadas por Curtis uma das mais claras manifestações do seu estado de alma. Monolito esculpido em mármore negro, a canção é sustentada por um momento de pleno entrosamento entre os elementos da banda: a percussão em cadência minimalista de Stephen Morris, os sintetizadores em estado quase líquido de Bernard Sumner, o baixo circular de Peter Hook, e as vocalizações suspensas por tênues fios de Ian Curtis. O efeito provocado pela audição de "Atmosphere", o meu primeiro contacto com a música dos Joy Division e, ainda hoje, a minha canção preferida de toda a sua obra, é semelhante àquele provocado por um brisa gélida que se entranha nos ossos e nos petrifica irremediavelmente. Em 1988, por alturas do relançamento como single da colectânea Substance, Anton Corbijn, um espectador atento dos Joy Division desde alguns os primeiros passos, dedicou-lhe vídeo a condizer:

Paranoid Androids

















A poucos dias de se cruzarem no meu caminho, por ocasião de mais um Primavera Sound, os Japandroids têm novo disco no mercado. Não um novo álbum, mas sim uma rodela que reúne os dois EPs auto-editados que antecederam o lançamento do incendiário Post- Nothing (2009): All Lies, de 2007, e Lullaby Death Jams, do ano seguinte. Acondicionados sob o título genérico No Singles, os dez temas patenteiam uma maior rugosidade do que aqueles que integraram um dos melhores registos do ano passado. É também evidente uma especial propensão para a berraria desenfreada. Quer isto dizer que, No Singles exibe já os traços identitários da dupla canadiana, empenhada em recuperar as melhores memórias do indie-rock mais inconformado da década de 1990, se bem que sem o refinamento que hoje se lhe reconhecie. O alinhamento não dispensa a inevitável - para bandas imberbes - versão, materilaizada numa interessante reinterpretação de "Too Hell With Good Intentions", original dos intépridos galeses Mclusky. Com esta compilação da infância dos Japandroids, ficámos também a saber que o gosto por trocadilhos com as lendas rock já vinha de trás:


"Darkness At The Edge Of Gastown"
[edição de autor, 2008; Polyvinyl, 2010]

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Discos pe(r)didos #39




SCRAWL
Velvet Hammer
[Simple Machines, 1993]

Banda formada em Columbus, no Ohio, os Scrawl foram, apesar da forma discreta com que passaram pelo universo da música popular, uma das principais fontes de inspiração às inúmeras bandas ligadas ao movimento riot grrrl de inícios da década de 1990. Contudo, ao contrário da legião de seguidores(as), os Scrawl não enveredavam por um destilar de fúria vociferada, optando antes por uma maior emotividade na expressão do sentir feminino. Inicialmente com ligação à Rough Trade Records, tiveram maior aceitação no Reino Unido do que na terra natal. Com a bancarrota da influente editora dirigida por Geoff Travis, vacilaram e ponderaram pôr um ponto final numa carreira que não passava ainda de promissora. Com a sobrevivência ao infortúnio, a banda saiu fortalecida e ganhou coragem para requerer os serviços de Steve Albini, já com nome feito como "produtor" dos Pixies, dos Slint, ou dos Jesus Lizard. O primeiro fruto desta ligação seria Bloodsucker (1992), um EP que denota claros sinais evolutivos relativamente a uma certa ingenuidade patente nos registos anteriores e serve, sobretudo, para  desenvolver afinidades. Um anos mais tarde, era já notória a sintonia entre banda e "produtor", manifestada no mais suculento fruto desta santa aliança.
Velvet Hammer é um conjunto de canções duras e secas, impregnadas de uma mágoa lancinante. As guitarras rodopiam, ameaçam entrar em colapso apenas para sublinhar a sinceridade das frases amargas de Marcy Mays, regressando à matriz elíptica que nos enreda a cada audição. Na forma contundente como as canções atingem o subconsciente tem de ser dado o devido mérito às opções de gravação de Albini que, despindo cada tema de artifícios desnecessários, deixa fluir a música com uma naturalidade que fortalece os laços de partilha entre a vocalista e o ouvinte. Logo a abrir, em "Your Mother Wants To Know", Mays comove como uma espécie de moderadora, nunca juíza, entre mãe e filha que trocam acusações acerca das responsabilidades do mal-estar do passado e as suas repercussões no presente. "Take A Swing" é um grito contido que aborda infidelidades e até, de forma difusa, o flagelo da violência doméstica. Na sua fragilidade aparente, "Disappear Without A Trace" é, em simultâneo, o mais enternecedor e o mais violento desejo de alienação. "Drunken Fool" é apenas uma, e a mais evidente, referência ao delírio etílico enquanto refúgio. Profundamente triste, mas plenamente consciente, e evitando fundamentalismos sexistas, Velvet Hammer é um compêndio de agruras que corroem as relações a dois. Por vezes, detectam-se algumas afinidades com com a crueza característica dos Throwing Muses dos primórdios, pese embora a objectividade das letras de Marcy Mays contraste notoriamente com os conteúdos mais ambíguos da escrita de Kristin Hersh.



"Your Mother Wants To Know"


"Drunken Fool"


"Disappear Without A Trace"

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Ao vivo #52
















SBSR Preload @ Music Box, 12/05/2010

Relato da primeira de duas noites  dedicadas aos desfile das dez bandas de entre as quais sairão as três que integrarão o cartaz da edição do Super Bock Super Rock deste ano.

Caducados
Sem se saber bem como nem porquê, tem-se notado neste nosso Portugal uma súbita revitalização da memória dos MC5, manifestada no crescente número de jovens bandas que apostam na crueza rock do lendário (e algo sobrevalorizado, digo eu) colectivo de Detroit. Com guitarras rasgadinhas, vocais que vociferam letras de uma pretensa rebeldia, e demasiadas contaminações do mais vulgar metal das últimas duas décadas, os Caducados são apenas mais um e triste exemplo. A acusar verdura e indefinição, o terceiro e último tema do curto set é uma cavalgada que não se decide entre a descarga punk e a mais inútil demonstração de virtuosismo "metaleiro".

Godmen
Lembram-se do tempo em que os Pearl Jam serviam de modelo a um ror de bandas aspirantes por esse país fora? Esqueçam! Os tempos mudaram, e o lugar que foi de uma das bandas mais mal vestidas da história do rock é agora ocupado pelos execráveis Muse no coração dos jovens músicos portugueses. Que o digam os portuenses Godmen, deslumbrados pela pompa bacoca e pelos arremedos progressivos da banda do gajo parecido com o Hélder Postiga (o talento de um e de outro na sua arte são também equiparados). Como ponto a seu favor, este jovem quarteto 'tuga tem um vocalista de dotes invulgares por estas paragens.

Gota
Numa vida de consumidor involuntário de muita música indesejada, tenho notado algumas características comuns a muitas bandas nascidas na Grande Lisboa: o cantar em português, a tendência para enrolar os tt e abir os aa (geralmente prolongados) no infinitivo dos verbos, e o total desconhecimento de quase seis décadas de "cultura" rock. Estes são, por norma, os pressupostos para garantir um micro-fenómeno numa qualquer rádio de gosto duvidoso, ou até aspirar a integrar uma das compilações da série Morangos Com Açúcar. Portanto, adivinha-se um futuro breve e risonho para estes Gota, largamente mais incómodos do que a doença com o mesmo nome.

Indigo
Típico nome de banda de bar para uma típica banda de bar. Imagino que, com pouco tempo disponível fora do ginásio, o rapaz que encabeça este quarteto de Leiria pouco mais ouvirá do que os Red Hot Chili Peppers da fase consagrada, dos quais se esforça por copiar alguns tiques. Conclui-se então que os Indigo aspiram a uma sonoridade groovy e musculada (não me refiro ao vocalista, note-se). Porém, ficam-se por um híbrido entre o reggae branco merdoso dos Men at Work de má memória e aquele pseudo-ska "made in USA" que abrilhantava a programação da MTV há uns 10-15 anos.

Malcontent (na foto)
Para o final da noite estava guardada a única banda com ideias concisas e única digna de figurar no cartaz de um festival de dimensão nacional (não há muitas por cá, acrescente-se). Confessos seguidores da doutrina sónica marychainiana, os Malcontent propiciam um curto set que só não foi mais eficaz devido aos problemas técnicos iniciais e o inadequado tratamento de som a uma sonoridade específica. Na música do quarteto portuense, situada "geograficamente" entre o doce torpor dos irmãos Reid e a afronta dos contemporâneos A Place to Bury Strangers, abundam a distorção das guitarras e a profusão de samplers disparados a um ritmo vertiginoso. Sob a manto sonoro escondem-se canções escorreitas de uma pop de coração enegrecido. A seu favor têm ainda a postura adequada ao ennui sugerido pela música, e um baterista deveras certeiro, apesar do ritmo esparso das suas intervenções.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Por lagos e florestas













Ainda o delicioso Songs Of Shame (2009) é merecedor de escutas frequentes por estas paragens, e já os nova-iorquinos Woods voltam a carga com novo álbum, o quinto no total, ou o segundo enquanto banda de corpo inteiro e não um semi-alter ego de Jeremy Earl. Em At Echo Lake, o quarteto afasta-se ligeiramente da toada folky dos anteriores registos e deixa fluir uma espécie de pop bastarda que encontra afinidades nuns Pavement já amadurecidos do período intermédio. A habitual opção por uma produção de "baixa fidelidade", bem evidente no ambiente informal e nas adulterações da voz nasalada de Earl, em nada belisca o pendor melódico destas onze canções (curtas). Será pois fácil de perceber que At Echo Lake é disco de uma luminosidade muito de acordo com o período estival que se avizinha. Resta acrescentar que, tal como o antecessor, tem selo da incansável Woodsist.


segunda-feira, 10 de maio de 2010

Mil imagens #4

The Smiths - Dunham Massey, Cheshire, 1983
[Foto: Kevin Cummins]

Nascido em Manchester em 1953, Kevin Cummins tornou-se "O" fotógrafo por excelência da cena musical da sua cidade natal desde a explosão punk até aos dias de hoje. Pela sua objectiva foram captados todos os grandes nomes de cada cena musical que tenha marcado aquela metrópole nos últimos trinta anos: Joy Division, The Fall, The Smiths, The Stone Roses, Happy Mondays, e Oasis. Da banda de Morrissey & Marr tornou-se icónica a imagem captada junto ao Salford Lads Club. No entanto, o fotógrafo é da opinião que a banda se enquadrava melhor em cenários bucólicos do que nos ambientes urbanos que, geralmente, caracterizam a sua obra. É o caso deste instantâneo, captado numa propriedade rural nos arredores de Manchester, quando a mais simbólica banda do chamado indie-pop dava ainda os primeiros passos. Sobre os restantes elementos, Cummins diz que ainda estavam a aprender a posar como uma banda, enquanto Morrissey era já uma estrela plenamente consciente desse facto. Esta e muitas outras imagens encontram-se reunidas em Manchester: Looking for the Light Through the Pouring Rain (Faber & Faber, 2009), o último livro antológico de Kevin Cummins.

domingo, 9 de maio de 2010

10 anos é muito tempo #20




CLINIC
Internal Wrangler
[Domino, 2000]

Uma década depois da revelação, e já firmados como um dos nomes mais consistentes do cenário indie britânico deste início de século, os Clinic continuam perseguidos por uma aura de mistério que não se restringe às máscaras de cirurgião que costumam usar como adereço. Esta estranheza sedutora advém, sobretudo, da sonoridade deveras peculiar do quarteto de Liverpool (completamente imune ao "fantasma Beatles" que ainda assombra esta cidade), simultânea e inesperadamente retrógada e vanguardista. A capa de Internal Wrangler, o primeiro álbum a ainda a obra-prima, plagia um clássico de Ornette Coleman. No alinhamento é possível encontrar uma interpretação livre de um curto trecho da autoria de Ludwig van Beethoven. Porém, os Clinic não aspiram à erudição do jazz ou da música clássica. Procuram, tão somente, homenagear o pioneirismo cacofónico dos Velvet Underground filtrado pelo aventureirismo herdado dos estilhaços do punk. À receita, em primeira análise requentada, adicionam elementos de garage, de surf, e também de kraut-rock.  O resultado, contra todas as expectativas, tem mais de intemporalidade do que exercício de saudosismo. Faixas como o tema-título, "The Return Of Evil Bill", "C.Q.", ou "2nd Food Stomp", são pequenos petardos irresistivelmente groovy apesar da sujidade implícita. Mais distintos são "The Second Line" ou "Distortions": o primeiro trata-se de uma lenga-lenga neurótica sustentada numa batida mecânica; este último é uma quase-balada com fortes afinidades com "Candy Says" (dos Velvet, precisamente) assente numa linha de sintetizador analógico e na mesma batida, agora desacelerada. Em ambos, e apesar da ambiguidade tresloucada das letras, a voz nasalada de Ade Blackburn projecta a música dos Clinic para territórios de uma estranha beleza. Num disco em que abunda o aludido misticismo, não podia faltar uma evidência de superstição, manifestada na ideia de fazer da 13.ª faixa um breve trecho de silêncio. Esta pausa antecipa o encerramento com "Goodnight Georgie", uma espécie de canção de embalar de  um lirismo mais formatado que os temas atrás citados.


"The Return Of Evil Bill"


"Distortions"


"The Second Line"

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Duetos #21

When there's nothing left to burn, you have to set yourself on fire

Stars "Your Ex-Lover Is Dead" [Arts & Crafts, 2004]

Singles Bar #44




THE POP GROUP
She Is Beyond Good And Evil
[Radar, 1979]

Se não houvesse outros méritos a atribuir à revolução punk, teríamos obrigatoriamente de referir o ter permitido que toda uma geração de artistas aspirantes se tenha sentido encorajada a libertar a sua veia criativa, sem as amarras dos esteriótipos da cultura popular de setentas. Dos muitos colectivos sobejamente aventureiros que surgiram no Reino Unido de finais da década de 1970, merece especial destaque The Pop Group, um quinteto altamente politizado com origem em Bristol que soube assimilar e expressar o melting pot cultural daquela cidade do sudoeste de Inglaterra, muitos anos antes de esta se tornar conhecida por outras sonoridades que hoje acusam algo mais que desgaste.
Se nos dias que correm o rótulo punk-funk é aplicado a sub-produtos pop destinados a entreter as massas, com "She Is Beyond Good And Evil", mais de trinta anos volvidos desde a sua edição, ainda vem imbuído do significado de puro desafio vanguardista. Na letra, debitada pelos urros psicóticos de Mark Stewart, fala-se de uma baby plenamente alheada dos valores ocidentais, patenteado assim o ideário alienante da banda, o qual recolhia ensinamentos da geração beat, das doutrinas de esquerda, do situacionismo e do niilismo, e até das tribos mais remotas. Musicalmente, aquele que foi o primeiro single do Pop Group (quanta ironia...) resulta como o acaso feliz de cinco músicos que improvisam individualmente, encontrando nesta cacofonia libertária um ponto de convergência que sustenta o tema na sua contundência letal. Consta que o jovem Nick Cave e alguns integrantes da ala arty do post-hardcore tenham retirado daqui apontamentos.
No lado B, "3.38" (precisamente a duração da faixa), mais não é do que o suporte instrumental de "... Good And Evil" reproduzido de trás para a frente. À ideia-base, o produtor de origem caribenha Dennis Bovell (o mesmo que estabeleceria uma relação de cumplicidade com The Clash e Orange Juice) adicionou elementos dub na dose adequada, provocando um efeito a um mesmo tempo hipnótico e aterrador.

terça-feira, 4 de maio de 2010

First Exposure #11
















Foto: George Kalivas

TWIN SISTER

Formação: Andrea Estella (voz); Eric Cardona (gtr, voz); Dev Gupta (tcls); Gabe D'Amico (bx); Bryan Ujueta (btr)
Origem: Long Island, Nova Iorque [US]
Género(s): Indie Pop, Dream Pop, Ambient Pop
Influências / Referências: Stereolab, Cocteau Twins, Broadcast, Brian Eno, Slowdive

http://www.myspace.com/twinsisterband

O paraíso, agora!
















Foto: Judson Baker

Quem ainda dispensa algum do seu precioso tempo para uma visita ocasional a este estabelecimento sabe da minha  devoção pelos Hold Steady, exímios praticantes de um rock de cariz clássico que cita, a um mesmo tempo, Springsteen, Dinosaur Jr., e The Replacements (The Clash e Hüsker Dü estão também presentes, mas apenas em espírito), algo que, tenho notado, não compartilho com uma imensa maioria de blogonautas, mais dados a modinhas e tiques efémeros. A esses vastos milhares, se não milhões, pouco interessará saber que, desde ontem, está disponível nas (melhores) lojas Heaven Is Whenever, o quinto longa-duração da banda sediada em Brooklyn, via Minneapolis. E que, como sempre, vem pejado de algumas das melhores histórias rock'n'roll feitas canção da actualidade, cortesia do frontman Craig Finn. Ou ainda que, derivado do abondono do teclista Franz Nicolay antes das gravações, dá especial enfâse às guitarras "rasgadinhas". Resta acrescentar que algumas amostras se encontram disponíveis aqui, e que, uma vez mais, são de escuta obrigatória por parte dos outros, a escassa minoria de rockers de alma-e-coração.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

O redespertar da Nação
















Numa carreira que já leva mais de trinta anos, Paul Weller já experimentou diferentes estados de graça. Ainda em tenra idade, conheceu a aclamação com os fulgurantes The Jam. Seguiu-se a incompreensão generalizada a que foram votados os Style Council, o típico caso de um projecto à frente do seu tempo. A solo, o trajecto tem-se pautado por alguns altos e ainda mais baixos. Cada vez mais imune às reacções externas, já sem nada para provar, e com um olhar cada vez mais clínico e cínico sobre a vida moderna, o Modfather tem, nos últimos anos, vindo a reinventar-se de forma algo surpreendente para um músico de estatuto consolidado. É neste contexto que surge Wake Up The Nation, o décimo álbum (a solo) recentemente editado e, eventualmente, o mais arrojado de todos. Seguidor da veia vanguardista e das contaminações electrónicas do antecessor 22 Dreams (2008), este novo registo percorre um espectro que vai do rock mais descarnado ao incontornável tempero blue-eyed soul, não enjeitando assomos de blues, de glam-rock, e até de kraut. De entre os temas mais abrasivos, é obrigatório destacar "7&3 Is The Striker's Name", desabafo altamente politizado assinalado pela inconfundível "guitarra tratada" do convidado surpresa - ou talvez não - Kevin Shields. No sector midtempo, o destaque vai todo para o orquestrado e sentido "No Tears To Cry", uma alegada homenagem ao pai recentemente desaparecido. Este último marca também o reencontro com o baixista Bruce Foxton, vinte e oito anos depois do fim dos The Jam, banda da qual o malogrado John Weller foi manager e o primeiro entusiasta.

"7&3 Is The Striker's Name" [Island, 2010]